Foto do(a) blog

Notícias e artigos do mundo do Direito: a rotina da Polícia, Ministério Público e Tribunais

Opinião | O meu Mato Grosso do Sul

PUBLICIDADE

convidado
Por Janice Vargas de Carvalho Linhares*

Dizem por aí que o meu Mato Grosso do Sul foi inventado num gabinete em Brasília, no dia 11 de outubro de 1977, mas foi só dar o primeiro choro dois anos mais tarde e teretetê, pererê, parará...

Janice Vargas de Carvalho Linhares Foto: Arquivo pessoal

PUBLICIDADE

Alto lá: isso é só história para quem gosta de História, mas o meu Mato Grosso do Sul não nasce em história: o meu Mato Grosso do Sul nasce em causos, daqueles contados em dias quentes e ensolarados, debaixo dos pés de manga, nas rodas de tereré.

Não, o meu Mato Grosso do Sul não é Estado dado a grandes burocracias, afinal aqui, neste chão, desse barro, floresceu Manoel de Barros, simples e maleável como a terra úmida, que esculpia seus escritos dos barrancos dos rios, que com suas mãos hábeis tecia o canto da passarada e, como bom tocólogo (já o vejo cuspindo longe essa palavra), ajudava a parir os amanheceres mais belos dos dias de Meu Deus.

O meu Mato Grosso do Sul não poderia vir ao mundo sendo rebento de uma canetada fria, ainda mais de mãos que só sabiam brincar de armas e semear o desamor...

Não, não nasceu assim o meu Mato Grosso do Sul!

Publicidade

O meu Mato Grosso do Sul foi nascendo de mansinho, sereno como um regato, correndo estreito como as nascentes de seus misteriosos e insondáveis rios, descendo silencioso como o Aquidauana pela Serra de Maracaju.

O meu Mato Grosso do Sul nasceu nas peleias de povos altivos, sulcado pelas patas ágeis de rocins galopados por valentes Guaicurus, sonhado pelo quente sopro do vento nos cabelos negros dos Guaranis-Kaiowás, tatuado pelo Criador nos elegantes pescoços dos Tuiuiús.

O meu Mato Grosso do Sul nasce é do tropear das boiadas, das lonjuras das planícies, das noites escuras e estreladas apreciadas em silêncio pelas comitivas, guardadas como prece para a lida do dia seguinte. O Meu Mato Grosso do Sul floresceu entrelaçado às folhas de erva-mate, entre raídos e barbacuás, misturado ao suor dos changadores.

O meu Mato Grosso do Sul não foi criado, foi é se avolumando como o Rio Paraguai abraçado por seus afluentes, acomodando como pôde um sem-fim de gente que aqui foi fincando raízes, nesta terra vermelha, trazidos pela viração como sementes dos quatro cantos desse Brasil gigante, pujante e diverso: só um coração como o do meu Mato Grosso do Sul poderia abrigar tantos e tantas com generosidade tamanha e sem distinções...

O meu Mato Grosso do Sul nasce é das pinturas enigmáticas de Lídia, dos rasqueados de Délio e Delinha, dos feitiços das violas de Almir e de Helena, das rezas entoadas por Tia Eva, dos Bugres de Conceição, dos bois de Humberto, do esplendor dos Espíndolas, dos ritmos de Ney, de tudo isso e muito mais, e não de um rabisco lançado na frieza de uma folha de papel por uma caneta de ouro qualquer, num palácio seco como o mês de agosto.

Publicidade

O meu Mato Grosso do Sul nasceu foi da benquerença guardada no coração de uma gente sertaneja, confessada ao pé do ouvido de uma caneta simples, carregada no singelo bolso de uma fina camisa de cambraia, acomodada junto ao peito de quem tem a Fé de enxergar o peixe antes de lançar o anzol.

O meu Mato Grosso do Sul nasceu assim, enfim, entre encantamentos e simplicidades, como a despertar de um cochilo suave, desses de depois do almoço, mesa farta, tirado no balançar de uma rede acomodada na varanda.

E se te contarem outra história, desconfie! E desconverse...

*Janice Vargas de Carvalho Linhares, advogada, ocupante da cadeira n.º 19 da ALB/Dourados-MS

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.