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Opinião | O natimorto PL 1169/2015: mais uma rodada no enfrentamento institucional brasileiro

O custo – econômico e social – desse inoportuno processo, desencadeado, para além da impertinência temática e inconstitucionalidade assentadas, em momento decisivo da reforma tributária, corte de gastos, das famigeradas emendas parlamentares, recairá, uma vez mais, sobre a sociedade

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convidado
Por Laura Mendes Amando de Barros

Discussões atinentes à confiabilidade do sistema eleitoral brasileiro – notadamente das urnas eletrônicas – vem ganhando destaque de forma intermitente, relativamente coordenada com as eleições.

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O medo que acompanha as inquinações de compatibilidade com fraudes resulta de campanhas de desinformação, impulsionadas artificialmente por algoritmos pouco (ou nada) transparentes, e carentes de regulamentação efetiva.

Conforme a 21ª pesquisa “Panorama Político”[1], realizada pelo Instituto de Pesquisa DataSenado entre os dias 5 e 28 de junho de 2024, 72% dos usuários de redes sociais (ou 67% dos maiores de 16 anos) havia se confrontado com notícias que intuem falsas, nos 6 meses anteriores.

Estudo da FGV, ainda em 2017[2], evidenciou que perfis comandados por robôs dispararam mais de 10% das interações no Twitter nas eleições presidenciais de 2014; durante protestos pelo impeachment de Dilma Rousseff, esse indicador foi de 20% das interações dos seus apoiadores; mesmo percentual foi encontrado quanto às interações entre usuários favoráveis a Aécio Neves no segundo turno em 2014.

Nessa toada, as urnas eletrônicas passaram a ser igualmente atacadas, a partir de pontos de vista enviesados e falaciosos, geradores de desconfiança no sistema político.

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Resposta inteligente foi a criação, em 2021, pelo TSE, de uma comissão de transparência, incumbida de monitorar e controlar o processo eleitoral, desde a sua organização até a proclamação dos resultados, garantindo assim permeabilidade e controle social.

A iniciativa arrefeceu os ânimos e trouxe à racionalidade (ainda que circunstancialmente, e por tempo exíguo) muitos dos que, aderentes a discursos conspiracionistas, desconfiavam do sistema e dos resultados a serem propalados.

Mas ciclicamente surgem iniciativas legislativas voltadas a ressuscitar o fantasma, com novas tentativas de retrocesso para o sistema eletrônico – que, lembremos, é referência mundial.

Cita-se, aqui, a Lei 13.165/2015 (Minirreforma Eleitoral), que inseriu o artigo 59-A na Lei 9.504/97, com obrigatória impressão de cada voto depositado eletronicamente nas urnas.

Foi objeto de questionamento no STF pela ADIN 5889, em que ficou assentada sua incompatibilidade com a Carta Maior, ao fundamento de “potencialidade de risco na identificação do eleitor configuradora de ameaça à sua livre escolha.”

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A confiabilidade das urnas, como bem assentado, foi avalizada por múltiplas organizações, como o International IDEA[3], a OEA[4] e a Missão de Observação Eleitoral Internacional do Parlamento do Mercosul (PARLASUL)[5].

qui temos, portanto, uma premissa inafastável: o Supremo Tribunal Federal, última instância no país com relação a discussões envolvendo direitos, deveres, normas e princípios jurídicos, estabeleceu, em 2020, que o voto impresso é INCONSTITUCIONAL.

Mais que isso: já em 2014, no julgamento da ADIN 4543, em votação unânime, a impossibilidade de tal pretensão - então veiculada por meio da Lei 12.034/09 -, já havia sido reconhecida.

De nada adianta fazer ouvidos moucos para tais decisões...

Ainda que se possa admitir a mudança de posicionamento de uma Corte integrada por onze membros, tal fato muito dificilmente se daria em tão curto espaço de tempo.

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Há ainda um outro aspecto, fático, que não se pode afastar – conforme consignado, inclusive, pelo Relator da ADIN julgada em 2020, Ministro Gilmar Mendes: “A impressão é um processo mecânico, mas controlado por dispositivos eletrônicos. Há riscos teóricos de manipulação da impressão – por exemplo, o cancelamento de votos confirmados ou a impressão de votos inexistentes.”

O Min. Barroso reconheceu ofensa ao princípio da proporcionalidade, registrando os altíssimos custos decorrentes da adoção de um sistema físico de registro de votos.

Existe, de fato, uma fragilidade ínsita ao processo de votação não eletrônico: não é demais lembrar que o próprio suporte da expressão da vontade assim exercida é bastante frágil; o papel é suscetível às intempéries do tempo, do clima, da forma de manipulação....

E, na hipótese de restar perdido um voto que seja, a higidez de todo o pleito estará inexoravelmente comprometida.

Isso sem falar na onipresente possibilidade de inclusão/subtração de cédulas de votação – com o mesmo desastroso resultado.

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Digna de registro, ainda, a edição da Lei 10.408/02 – que igualmente contemplava a possibilidade de impressão dos votos depositados às urnas -, oportunamente revogada pela Lei 10.740/2003, em razão justamente do “avanço na transparência, na segurança e na diminuição do custo do processo eleitoral brasileiro” representados pelo sistema eletrônico” (conforme parecer do Relator[6] durante o processo legislativo).

Alheio a esse cenário, em ação de certa forma surpreendente (pela insistência, em momento em que há tanto a se definir no âmbito do Legislativo), a CCJ da Câmara dos Deputados aprovou, no dia 11 de dezembro de 2024, o PL 1169/2015, que incorpora à Lei Eleitoral (L 9.405/97) o artigo 59-E, com a seguinte redação:

“Imediatamente após o encerramento da votação, 5% (cinco por cento) das urnas eletrônicas serão selecionadas aleatoriamente, por meio de sorteio público não-eletrônico, com a presença de representantes dos partidos políticos, do Ministério Público, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e de outras entidades interessadas, para a contagem pública dos votos.”

O custo – econômico e social – desse inoportuno processo, desencadeado, para além da impertinência temática e inconstitucionalidade assentadas, em momento decisivo da reforma tributária, corte de gastos, das famigeradas emendas parlamentares, recairá, uma vez mais, sobre a sociedade brasileira.

Se ao Legislativo vem faltando condições para levar a efeito um processo minimamente técnico e responsável de apreciação de inconstitucionalidade, que ao menos persiga maior sensibilidade no exercício de sua função, tão fundamental para a legitimidade da ação pública, e condicionante da própria democracia.

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[1] https://www.senado.leg.br/institucional/datasenado/relatorio_online/pesquisa_fake_news/2024/interativo.html.

[2] https://repositorio.fgv.br/server/api/core/bitstreams/69cf9a49-df41-41ad-b8b0-206a8cfa459c/content.

[3] https://www.idea.int/news/international-idea-statement-second-round-brazilian-presidential-election-2022.

[4] https://www.oas.org/fpdb/press/Relatorio-Preliminar-MOE-Brasil-2020---POR.pdf.

[5] https://www.parlamentomercosur.org/innovaportal/file/20811/1/informe-preliminar-pt.pdf.

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[6]https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=158967&filename=Tramitacao-PL%201503/2003.

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica

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Laura Mendes Amando de Barros
Doutora e mestre em Direito do Estado pela USP. Especialista em Direito Público pela Escola da Paulista da Magistratura e em Autoridades Locais e o Estado pela ENA-Paris. Ex-controladora-geral do município de São Paulo. Conselheira do Instituto Não Aceito Corrupção. Professora do Insper. Foto: Inac/Divulgação
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