O atual governo federal anunciou, em pronunciamento solene, pacote de corte de gastos que provocou diversas reações na política e no mercado. Em apertada síntese, o Ministério da Fazenda, com uma mão, pretende economizar R$ 70 bilhões em dois anos a partir da mudança de critérios para o aumento do salário-mínimo, para a definição dos beneficiários do chamado abono salarial, bem como para o estabelecimento das aposentadorias de militares. Com outra mão, o ministro Fernando Haddad pretende garantir a isenção do imposto de renda aos brasileiros com renda mensal inferior a R$ 5 mil, compensando tais gastos com a taxação daqueles brasileiros com renda superior a R$ 50 mil.
Todas as medidas propostas dependem da aprovação, total ou parcial, do parlamento brasileiro.
O mencionado pacote de corte de gastos pode ter soado para alguns como música. Afinal, quem poderia ser contra uma economia de R$ 70 bilhões, associada ao oferecimento de melhores condições de vida aos mais pobres, a ser compensada pela taxação dos mais ricos?
A resposta parece incontroversa: o mercado. Bastou o anúncio das medidas para o mercado abrir negociando títulos públicos brasileiros com taxas de juros pornográficas – cenário dramático complementado por um dólar na casa dos R$ 6.
Antes que se atribua ao mercado todas as maldades do mundo, é preciso esclarecer que há um racional por detrás desse comportamento: ninguém quer comprar papeis de governos que gastam muito mais do que arrecadam sem ser compensado financeiramente por isso. O sujeito que lá de Singapura resolve incluir no seu portfólio de investimentos papeis brasileiros quer, em razão dos riscos fiscais envolvidos, melhores condições de preço; do contrário, ele, do próprio aparelho celular, vai buscar aportar seus recursos noutro lugar. É, portanto, a atratividade da taxa de juros brasileira, em níveis estratosféricos por conta de uma gastança que vai sempre além do que se arrecada, que mobiliza investidores. Um mercado, aliás, global, integrado por investidores que não são necessariamente brasileiros, nem tampouco estão preocupados com as condições socioeconômicas do país. Simplesmente investem em ativos que considera mais rentáveis.
Fixadas essas premissas, pergunto: o governo não sabia que essa seria a reação do mercado? Que o referido pacote de corte de gastos, em realidade, impactaria gravemente o erário brasileiro, não necessariamente por meio da isenção do imposto de renda para aqueles que recebem renda mensal até R$ 5000, mas através do aumento colossal das taxas de juros que irão incidir sobre a tomada de empréstimo pelo governo brasileiro?
A resposta é naturalmente afirmativa. O governo sabe exatamente como os mercados se comportam e quais seus critérios para a precificação dos títulos do governo. Aliás, não teria como não conhecer suas regras: o Estado brasileiro está no mercado desde sempre! É tão vendedor de ativos quanto qualquer empresa privada.
Me pergunto então: por qual razão o governo anunciou um pacote de corte de gastos que provocará, em pouco tempo, aumento de despesas, que apenas servirão para remunerar rentistas (talvez aqueles que recebem acima de R$ 50 mil) por meio de uma das maiores taxas de juros praticadas no mundo?
Não há outra explicação: o populismo. Esse mal, de direita ou de esquerda, que insiste em assombrar o mundo. Mirando eleições de curto prazo, o populismo é assim. É narrativa, livre de racional, que não explica, mas convence eficazmente. A estratégia é tão eficiente que, caso o parlamento brasileiro não aprove o referido pacote – ou aprove apenas a parte que de fato corta R$ 70 bilhões -, o populismo não perderá a narrativa: o culpado serão os outros.
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