Em meio a um grande empenho pessoal para tentar consumar um golpe de Estado em 2022, o general de brigada da reserva Mário Fernandes - ex-secretário executivo da Presidência no governo Jair Bolsonaro -, mantinha intensas tratativas com dois colegas de farda, a quem passava sua estratégia para a ruptura democrática. Os aliados de Fernandes, como ele empolgados com o plano que acabou malogrando, respondiam à altura: “democrata é o cacete”, “quatro linhas (da Constituição) é o caralho”, “vai dar guerra civil”, “o alto comando (do Exército) tem que acabar”.
Preso na terça-feira, 19, na Operação Contragolpe – investigação sobre o plano de assassinato do presidente Lula, de seu vice Geraldo Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) -, Mário Fernandes é apontado pela Polícia Federal como um radical. O teor de suas conversas indicam esse perfil.
As defesas indiciados no inquérito do golpe tem sinalizado que só vão se manifestar em detalhes após analisarem a íntegra do relatório de 884 páginas que levou aos enquadramentos por golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e organização criminosa. Em oitiva em fevereiro, Fernandes disse que contribuiria com as investigações, mas só após ter acesso à íntegra do inquérito. Ao Estadão, um dos interlocutores do general, o coronel Roberto Criscuoli negou participação no plano para assassinar o presidente Lula em 2022.
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Segundo a PF, Mário Fernandes externalizava explicitamente suas intenções antidemocráticas. Os investigadores recuperaram diálogos do general com os coronéis Roberto Raimundo Criscuoli e Reginaldo Vieira de Abreu, o ‘Velame’.
Nessas conversas, o grupo cita outros investigados ou personagens-chave da tentativa de golpe, como o general Freire Gomes, ex-comandante do Exército, que não embarcou na narrativa golpista.
Também é citado o ex-ministro Anderson Torres (Justiça e Segurança Pública) e uma suposta interferência para investigar uma denúncia de fraude nas urnas, “blindando ao máximo” Bolsonaro.
Ouça diálogos dos militares golpistas
‘Quatro linhas é o caralho’
Velame
‘Tem que montar uma narrativa em cima disso tudo (suposta fraude nas urnas) e botar pra f...; O pessoal ia fazer uma reunião essa semana, o comandante do Exército, aí chegou Paulo Guedes, chegou o pessoal da TCU, da AGU, aí não pode, tem esse pessoal, é... Esse pessoal acima da linha da ética não pode estar nessa reunião’
Velame
‘Democrata é o cacete. Não tem que ser mais democrata mais agora. Ah, não vou sair das quatro linhas. Acabou o jogo, pô. Não tem mais quatro linhas. O povo na rua tá pedindo, pelo amor de Deus. Vai dar uma guerra civil’
Criscuoli
‘Eu creio que o presidente deve se posicionar que aceita o resultado, pararí, parará e depois com as repercussões, tanto o povo na rua quanto essas denúncias, ele tomar uma outra atitude. Para não se queimar, para não ser denunciado como... Ele tem que aceitar o resultado, ele tem que aceitar o resultado da urna’
Criscuoli
‘Cara, porra, o presidente tem que decidir e assinar esta merda, porra’
Fernandes
‘Kid Preto, cinco não querem, três querem muito e os outros, zona de conforto. É isso. Infelizmente. E a lição que a gente deu para a esquerda é que o alto comando ele tem que acabar’
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