Embora considerado racional, o humano se comporta às vezes com a mais surreal irracionalidade. É a teimosia em não se reconhecer frágil e efêmero, destinado a um encontro inevitável com o mistério, ou seja, a morte.
O apego à vida é um instinto preservador da espécie. Mas condutas insensatas à margem do precipício são inexplicáveis. O que ameaça a vida no planeta não são as guerras, a violência, o excesso de autoritarismo egoísta, a intensificação na produção de armamentos, enquanto falta comida, água, teto para boa parte da população.
O maior perigo é aquilo que produzimos com a inclemente emissão de gases venenosos causadores do efeito-estufa, que tornaram enferma a Terra e dão origem a catástrofes que inexistiram em outras eras.
O ano passado superou a marca do grau e meio de temperatura que foi objeto do Acordo de Paris, mais um compromisso desrespeitado pela comunidade das nações. O limite de 1,5º C é considerado o teto para impedir as mais drásticas consequências da elevação da temperatura na Terra. Depois disso, desaparecerão os países insulares, derreterão as calotas polares, a maior parte da Terra se desertificará.
Enquanto isso, os governos centrais se preocupam com emendas pix, financiamento de campanhas eleitorais, aumento dos Fundos Partidário e Eleitoral, comando das duas Casas do Congresso. O que é essencial fica de lado, o acidental, o supérfluo, o superficial e o medíocre ganham a atenção dos representantes que elegemos para nos defender no Parlamento.
É urgente que as entidades subnacionais – Estados e Municípios – assumam o protagonismo que está sendo negligenciado pelo governo federal. Enquanto o mal bate recordes – em 2023, foram emitidas 57,1 gigatoneladas de CO2. Aumento de 1,3% em relação a 2022 e crescimento acima da média na década anterior à pandemia de COVID19 – 2010/2019 – que foi de 0,8%.
Incoerentemente, insiste-se na exploração de petróleo na Foz do Amazonas. Depois da prospecção, da exploração, se for encontrado o combustível que está matando a humanidade, sua extração só se dará nas proximidades do ano 2050. Ironicamente, a data estabelecida para a emissão zero de carbono, se se quiser que a humanidade tenha sobrevivência neste maltratado planeta.
É preciso acreditar na força individual de cada pessoa que se comover com o desastre que está sendo acelerado por vontade soberana dos que realmente mandam na Terra. E forçar os governantes a assumirem suas responsabilidades. A ouvirem a ciência. A alertarem a população, notadamente a parte daquela que, tendo de procurar o que comer a cada dia, não tem condições de se importar com o futuro remoto.
Cada cidadão pode e deve se interessar pelo tema. É só pensar que há algumas décadas não tínhamos este calor sufocante. Não havia tamanha escassez hídrica. Não éramos ainda especializados em fabricar desertos. Não se morria tanto por causa das temperaturas elevadas, embora o calor não conste dos assentos de óbito como causa-mortis. Só que ele, remotamente deflagra os acidentes cardiovasculares, os AVCs, as embolias, os enfartes, o recrudescimento da hipertensão, as diabetes, as inúmeras síndromes que apressam o fenômeno morte.
As chuvas eram as necessárias para irrigar a terra e reabastecer os lençóis freáticos. Hoje, quando chove – e isso é cada vez mais raro – as precipitações pluviométricas são violentas. Causam mortes, porque as cidades impermeabilizadas, outro fruto de nossa ignorância, fazem com que a água não consiga se escoar. Ela corre pelas vias asfaltadas ou concretadas, só encontra cimento nas residências, forma enxurradas, enchentes, correntezas, inundações, alagamentos e enchentes. Com isso, há mortes por afogamento, por deslizamento de terra, por desmoronamento das construções toscas que abrigam os excluídos.
A preocupação com as emergências climáticas não é mania de fundamentalistas ecológicos, não é coisa de xiita ambiental, é algo muito mais sério. O que está em jogo é a vida. É a subsistência da humanidade. Pois, não canso de dizer, não é o planeta que corre risco. Ele continuará a existir, perdido nessa galáxia que não é das maiores do cosmos. Quem desaparecerá é o homem. E, paradoxalmente, isso acontecerá por vontade do próprio ser humano, que se considera primícia da criação e o exemplar mais aproximado à concepção que fazemos do Criador.
O que há de mais importante do que viver? Se você também acredita nisso, faça alguma coisa. Não reste inerte, à espera do caos.
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