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Opinião|O sequestro internacional de menores por um dos genitores

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convidado
Por André Smith de Vasconcellos Suplicy e Bruna Queiroz Riscala*

A Constituição Federal[1] estabelece que o Estado tem o dever de proteger os menores em todos os âmbitos possíveis. No caso de os direitos da criança ou adolescente serem ameaçados por um de seus próprios genitores, o papel de proteção do Estado se mostra ainda mais importante.

Neste mundo atual em que as relações interpessoais frequentemente ultrapassam fronteiras, é cada vez mais comum a formação de casais com membros de países distintos, que se veem obrigados a optar por uma das nações – ou ainda por uma terceira - para estabelecer residência, ter filhos e criá-los.

André Smith de Vasconcellos Suplicy e Bruna Queiroz Riscala Foto: Divulgação

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São situações em que inevitavelmente ao menos um dos membros do casal tem de deixar seu país e sua cultura para se estabelecer com sua família em uma nova nação, onde será então fixada a residência habitual dos membros desta família.

Quando ocorrem separações ou divórcios nas famílias assim descritas, verifica-se uma situação recorrente: a retirada de menores do país em que residem por um dos genitores (“Taking Parent”) para estabelecer domicílio em diferente nação (“Estado de refúgio”) à revelia do outro genitor (“Left Behind Parent”), seja por este não ter sido consultado previamente, seja por haver negado autorização para tanto (hipótese mais grave, pois aí a viagem terá sido clandestina, longe dos controles oficiais de imigração).

Não raras vezes, com o fim da relação amorosa ou mesmo antes disso - em meio a uma crise conjugal, por exemplo -, o genitor estrangeiro que se estabeleceu em outro país em prol de sua família decide retornar ao seu país de origem e levar os filhos consigo, à revelia do outro genitor.

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Trata-se em geral de uma forma – ilícita - de tentar fazer justiça com as próprias mãos, o que pode ocorrer pelos mais variados motivos. Por exemplo, por temer que o Poder Judiciário não lhe autorizará mudar do país de residência habitual com os filhos, ou por não querer ou não poder esperar uma decisão judicial favorável a isso.

Essa espécie de situação levou diversos países a se unirem para celebrar a “Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças” (“Convenção da Haia”), concluída na cidade de Haia em 25 de outubro de 1980 e promulgada no Brasil somente em 14 de abril de 2000, pelo Decreto nº 3.413. O Brasil e outros 111 países, incluindo os Estados Unidos, Itália, França, Alemanha, Japão e Israel, são signatários da Convenção[2].

O objetivo do tratado internacional é proteger os menores dos potenciais efeitos prejudiciais resultantes de mudança de domicílio ou retenção ilícitas. Isso, por meio do estabelecimento de procedimentos para garantir uma efetiva cooperação internacional para o célere retorno das crianças ou adolescentes aos seus lares ou para assegurar os direitos de guarda e visita existentes em um Estado contratante.

Daí seu Artigo 12 prever: “Quando uma criança tiver sido ilicitamente transferida ou retida nos termos do Artigo 3 e tenha decorrido um período de menos de 1 ano entre a data da transferência ou da retenção indevidas e a data do início do processo perante a autoridade judicial ou administrativa do Estado Contratante onde a criança se encontrar, a autoridade respectiva deverá ordenar o retorno imediato da criança” (negritamos).

Em que pese, evidentemente, o foco da Convenção ser a proteção dos interesses dos menores, ela tem importância fundamental na defesa dos interesses do genitor que se vê súbita e ilicitamente privado do convívio com seus filhos por ato do outro genitor. Essa situação é agravada, em geral, pelas grandes distâncias existentes entre as nações da residência habitual e do Estado de refúgio e todas as dificuldades que a situação impõe.

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Caracteriza-se o sequestro internacional com a retirada da criança ou sua retenção em outro país quando houver violação ao direito de guarda, visitas, e/ou ao direito de um dos genitores de decidir sobre o local de residência da criança. E esta retirada ou retenção for assim considerada ilícita pelas leis vigentes no país de residência habitual da criança.

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A Convenção da Haia não fixou critérios para determinar a residência habitual, o que permite certa subjetividade na avaliação do tempo necessário para caracterizá-la em cada caso. Cartilha disponibilizada na página do Ministério da Justiça na internet afirma que, “ainda que residindo por pouco tempo (meses, por exemplo), a residência habitual da criança no país de onde ela foi abruptamente removida estará configurada se esta, dentre outros elementos, frequentava a escola, creche, possuía residência fixa”. Parece-nos um bom critério.

De outro lado, de acordo com o artigo 16[3] da Convenção da Haia, compete exclusivamente ao Estado de residência habitual do menor tratar de questões de fundo do direito de guarda, e ao Estado de refúgio, cuidar da decisão sobre o retorno da criança para o local em que vivia em momento imediatamente anterior à transferência ou retenção ilícita.

Assim, por exemplo, se a criança é levada do Brasil, local de sua residência habitual, para outro país ilicitamente, será vedada ao magistrado estrangeiro a tomada de qualquer decisão sobre a guarda relativa à criança. Igualmente, ao magistrado brasileiro será vedado tomar qualquer decisão relativa à guarda da criança trazida ilicitamente do exterior se este for o local da residência habitual desta.

No mesmo sentido, o artigo 7º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro[4] estabelece que “A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família”, ao passo que seu § 7º dispõe que “Salvo o caso de abandono, o domicílio do chefe da família estende-se ao outro cônjuge e aos filhos não emancipados, e o do tutor ou curador aos incapazes sob sua guarda”.

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Portanto, tanto a legislação original brasileira como a Convenção da Haia são claras no sentido de que a jurisdição competente para tratar de questões relativas à guarda de menores é sempre aquela da residência habitual da criança antes de sua subtração.

Nádia de Araújo ensina[5]:

A meta da Convenção sobre os aspectos civis do sequestro de menores é restabelecer a situação anterior à subtração ou retenção, de forma rápida e desburocratizada. Possui regras sobre a determinação da ilicitude da retirada ou retenção do menor, sob a égide da lei da residência habitual, e às exceções possíveis ao retorno. Também estabelece normas para a cooperação administrativa, levada a cabo por autoridades centrais previamente designadas, e que estão em constante comunicação para atingir os objetivos do tratado [...].

A Convenção não cuida de nenhum aspecto relativo à guarda, ou seja, somente na volta da criança a situação relativa à guarda será objeto de decisão pelo juiz da residência habitual do menor.”

Não obstante a Convenção da Haia busque assegurar o imediato retorno da criança subtraída ao país de sua residência habitual, de preferência de forma amigável, seus Artigos 12 e 13 estabelecem exceções a esta regra: se houver transcorrido mais de um ano da retirada ou retenção, no momento do recebimento do pedido, e ficar provado, perante as autoridades judiciais do Estado de refúgio, que a criança já se encontra adaptada ao seu novo meio; ou restar cabalmente comprovada a ocorrência real de um risco grave de a criança ou adolescente, no seu retorno, ficar sujeito a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, em situação intolerável; ou quando a própria criança se opuser ao retorno e, pela sua idade e maturidade, a autoridade judicial se convencer de que sua opinião vem manifestada de forma livre e isenta de vícios de consentimento; ou ainda, se ficar provado que a pessoa que tinha a seu cuidado a criança não exercia efetivamente o direito de guarda na época da transferência ou da retenção, ou que havia consentido ou concordado posteriormente com esta transferência ou retenção.

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Essas exceções devem ser analisadas pelo Poder Judiciário e aplicadas restritivamente, com muita cautela, e de modo a evitar que o genitor subtrator se beneficie de sua própria torpeza. A regra é o retorno imediato, para que a discussão de fundo sobre a guarda se dê no país de residência habitual.

Destarte, se há resistência do genitor subtrator e consequente necessidade de ação judicial para exigir a busca, apreensão e restituição do menor, não deve o Poder Judiciário deflagar, espontaneamente, investigação profunda para verificar a eventual existência de hipótese de exceção à regra do retorno imediato, sob pena de a demora na solução do caso criar situações fáticas ainda mais prejudiciais aos interesses da criança.

Em harmonia com a Convenção da Haia, os artigos 84 e 85 do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA tratam da necessidade de autorização de ambos os pais para viagem internacional do menor de dezesseis anos, a qual somente é dispensada se (i) a criança ou o adolescente estiver acompanhada de ambos os pais ou responsável ou (ii) o menor estiver viajando na companhia de um dos pais, autorizado expressamente pelo outro por meio de documento com firma reconhecida (por autenticidade ou semelhança).

O Conselho Nacional da Justiça editou a Resolução nº 131[6], de 26 de maio de 2011, para uniformizar a interpretação dos referidos dispositivos do ECA e regulamentar a concessão de autorização de viagem ao exterior de crianças e adolescentes brasileiros.

É altamente recomendável que essa autorização contenha prazo de validade, pois não é incomum que o genitor estrangeiro utilize uma autorização válida para sair do território brasileiro com os menores de forma legal, a pretexto de viagem de férias ou de visita a parentes, por exemplo, mas não retorne com estes após o período combinado com o outro genitor. Se na autorização não constar seu prazo de validade, ela será válida por dois anos, o que pode dificultar ou mesmo impossibilitar o acionamento dos procedimentos para exigir o rápido retorno dos menores.

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Expirado o prazo de autorização sem o retorno dos menores ao Brasil, configura-se o sequestro internacional destes, nos termos do artigo 3[7] da Convenção de Haia, o que legitima o Left Behind Parent a requerer a adoção dos procedimentos administrativos para exigir o retorno de seus filhos ao Brasil.

A partir de então, ocorre a movimentação de diversos órgãos governamentais para que haja a absoluta cooperação entre o Brasil e o país signatário da Convenção da Haia para onde foi levado o menor (ou de onde ele foi trazido ilicitamente ao Brasil, quando ocorre a hipótese inversa), tudo com o objetivo de garantir o rápido retorno da criança e/ou do adolescente ao seu lar habitual. No Brasil, esse papel é exercido pela Autoridade Central Administrativa Federal (“ACAF”), vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública.

Interessante notar que, uma vez iniciados os trâmites administrativos, a missão de restituir o menor subtraído deixa de ser exclusivamente pessoal e assume o feitio de obrigação de Direito Internacional Privado dos países envolvidos, especialmente do país em que a criança se encontra ilicitamente.

Assim é que, se o retorno de um menor retido ilicitamente no Brasil, trazido do exterior, não for conseguido extrajudicialmente, apesar dos esforços das Autoridades Centrais de cada país, a União, por meio da Advocacia Geral da União – AGU, tem competência para ingressar com ação judicial de busca, apreensão e restituição da criança a seu país de residência habitual. Nessa hipótese, o processo tramitará perante a Justiça Federal.

Nessa época em que se aproximam as férias escolares e as comemorações típicas de final de ano, com a intensificação de viagens internacionais envolvendo menores filhos de casais de nacionalidades distintas, a Convenção da Haia tem importante aplicação.

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[1] “Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

[2] HCCH | Membros da HCCH.

[3] Artigo 16: “Depois de terem sido informadas da transferência ou retenção ilícitas de uma criança nos termos do Artigo 3, as autoridades judiciais ou administrativas do Estado Contratante para onde a criança tenha sido levada ou onde esteja retida não poderão tomar decisões sobre o fundo do direito de guarda sem que fique determinado não estarem reunidas as condições previstas na presente Convenção para o retorno da criança ou sem que haja transcorrido um período razoável de tempo sem que seja apresentado pedido de aplicação da presente Convenção”.

[4]Decreto -lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942.

[5] NÁDIA DE ARAÚJO: https://legado.justica.gov.br/sua-protecao/cooperacaointernacional/subtracao-internacional/arquivos/a-convencao-da-haia-sobre-os-aspectos-civis-dosequestro-de-menores-nadia-de-araujo.pdf O

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[6] atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/atos-normativos?documento=116

[7] “Artigo 3: A transferência ou a retenção de uma criança é considerada ilícita quando: a) tenha havido violação a direito de guarda atribuído a pessoa ou a instituição ou a qualquer outro organismo, individual ou conjuntamente, pela lei do Estado onde a criança tivesse sua residência habitual imediatamente antes de sua transferência ou da sua retenção; e b) esse direito estivesse sendo exercido de maneira efetiva, individual ou em conjuntamente, no momento da transferência ou da retenção, ou devesse está-lo sendo se tais acontecimentos não tivessem ocorrido.

O direito de guarda referido na alínea a) pode resultar de uma atribuição de pleno direito, de uma decisão judicial ou administrativa ou de um acordo vigente segundo o direito desse Estado”.

*André Smith de Vasconcellos Suplicy e Bruna Queiroz Riscala são sócios da área de Contencioso Cível de Chiarottino & Nicoletti Advogados

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