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Opinião|O STF e o Poder Moderador

As importantíssimas funções do Supremo Tribunal Federal estão previstas no texto constitucional sem que faça a menor menção de poder usurpar funções que não são suas. Invadir a esfera de competência de um Poder com a desculpa de ser o Moderador, o que não existe em nosso sistema constitucional, coloca em risco a própria democracia

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convidado
Por César Dario Mariano da Silva

Voltou à baila a assertiva de que o Supremo Tribunal Federal teria funções políticas, sendo algo parecido com o Poder Moderador.

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Afirmou recentemente o Ministro Luís Roberto Barroso no Colóquio Franco-Brasileiro de Direito Constitucional:

“A democracia pressupõe o respeito às regras do jogo, que se chama Estado de Direito, e pressupõe o respeito aos direitos fundamentais”, afirmou o ministro. “As maiorias políticas podem pretender mudar as regras do jogo para se perpetuarem ou podem violar direitos fundamentais. É para isso que existem tribunais constitucionais: para dar limite ao poder das maiores políticas”.[1]

E, de lá para cá, assim tem se comportado a Excelsa Corte, agindo como verdadeiro Poder Moderador.

Com o devido respeito, ledo engano assim pensar e agir.

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O Poder Moderador se encontrava previsto na Constituição do Império de 1824 nos seguintes dispositivos:

“Art. 10. Os Poderes Politicos reconhecidos pela Constituição do Imperio do Brazil são quatro: o Poder Legislativo, o Poder Moderador, o Poder Executivo, e o Poder Judicial”.

“Art. 98. O Poder Moderador é a chave de toda a organisação Politica, e é delegado privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação, e seu Primeiro Representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da Independencia, equilibrio, e harmonia dos mais Poderes Politicos”.

“Art. 101. O Imperador exerce o Poder Moderador: I. Nomeando os Senadores, na fórma do Art. 43. II. Convocando a Assembléa Geral extraordinariamente nos intervallos das Sessões, quando assim o pede o bem do Imperio. III. Sanccionando os Decretos, e Resoluções da Assembléa Geral, para que tenham força de Lei: Art. 62. IV. Approvando, e suspendendo interinamente as Resoluções dos Conselhos Provinciaes: Arts. 86, e 87. V. Prorogando, ou adiando a Assembléa Geral, e dissolvendo a Camara dos Deputados, nos casos, em que o exigir a salvação do Estado; convocando immediatamente outra, que a substitua. VI. Nomeando, e demittindo livremente os Ministros de Estado. VII. Suspendendo os Magistrados nos casos do Art. 154. VIII. Perdoando, e moderando as penas impostas e os Réos condemnados por Sentença. IX. Concedendo Amnistia em caso urgente, e que assim aconselhem a humanidade, e bem do Estado”.

“Art. 142. Os Conselheiros serão ouvidos em todos os negocios graves, e medidas geraes da publica Administração; principalmente sobre a declaração da Guerra, ajustes de paz, nogociações com as Nações Estrangeiras, assim como em todas as occasiões, em que o Imperador se proponha exercer qualquer das attribuições proprias do Poder Moderador, indicadas no Art. 101, á excepção da VI”.

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O Poder Moderador, exercido pelo Imperador, no modelo brasileiro de então, concedia ao Monarca uma série de poderes absolutos, dentre eles a possibilidade de livremente nomear e demitir seus Ministros, e até mesmo de dissolver a Câmara dos Deputados, naqueles casos em que o exigir a salvação do Estado. Fazia-se possível, inclusive, suspender os Magistrados por “queixas contra eles feitas”.

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Ele se sobrepõe aos demais Poderes e cabe a seu detentor equilibrá-los, harmonizá-los e garantir-lhes a necessária independência.

Com o devido respeito a quem entende de modo diverso, nosso sistema constitucional não prevê o Poder Moderador e nada parecido, muito pelo contrário. O artigo 2º da Constituição Federal dispõe sobre o princípio da separação dos poderes da República: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

Na célebre definição de Montesquieu, o Poder Executivo é responsável por administrar o Estado, o Legislativo por criar as leis e o Judiciário por aplicar o direito, de modo que sejam independentes e harmônicos entre si. Essa repartição de poderes está presente em todos os países democráticos.

A nossa Constituição Federal, bem como a maioria das cartas constitucionais de todo o mundo, traz como princípio basilar a independência dos poderes. Não se trata de independência absoluta, já que um Poder deve fiscalizar e limitar o outro com algo que se denomina de sistema de freios e contrapesos. Do contrário, poder absoluto poderia levar à ditadura.

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Assim, o Poder Judiciário pode analisar e anular atos do Poder Executivo e do Legislativo no que tange à legalidade, no mais das vezes quanto à forma. Excepcionalmente, também é possível a análise e anulação quanto ao conteúdo, quando houver desvio de finalidade, ou seja, quando o ato aparentemente é legal, mas traz em seu bojo uma finalidade ilegal ou imoral, de forma dissimulada.

Essa análise realizada pelo Poder Judiciário não é fácil, posto que não é possível ingressar na esfera discricionária do Poder Público, já que a administração e a forma como ela dar-se-á incumbe ao chefe do Poder Executivo em todas suas esferas.

Ao Judiciário também incumbe julgar a constitucionalidade de leis e atos normativos em geral em face da Constituição Federal e da Estadual. Neste caso, a situação é muito mais simples, haja vista ser um julgamento meramente objetivo, pelo menos em regra.

Infelizmente, mesmo com determinação constitucional expressa que impõe a separação dos Poderes da República (art. 2º, da CF), tornou-se lugar comum o Judiciário, por meio do Supremo Tribunal Federal, invadir esfera de competência reservada ao Legislativo, ao criar ou alterar o teor de normas jurídicas, e, também, do Executivo, ao impor obrigações e determinar inações, cuja análise de pertinência é reservada ao chefe do respectivo Poder, seja na esfera federal ou estadual.

Todas as vezes que há indevida e excessiva ingerência do Poder Judiciário no Executivo cria-se uma crise institucional, já que o plano de governo é alterado e isso pode ocasionar sérios problemas na administração pública.

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O mesmo ocorre quando o Judiciário se arvora em legislador, criando leis ou alterando seu conteúdo, mediante interpretações extremamente abertas, o que a doutrina denomina de ativismo judicial, que é mais fortemente percebido quando a interferência se dá nas Casas Legislativas.

O regime democrático de direito pressupõe Instituições fortes, mas que se respeitem mutuamente, não interferindo um Poder em outro, ao não ser naqueles casos expressamente previstos na Constituição Federal, como ocorre com as ações diretas de inconstitucionalidade por omissão, mandados de injunção, impeachment ou declaração de estado de sítio.

Fora esses casos, de nada contribui para a democracia o protagonismo de um Poder em relação ao outro, o que tem levado ao enfraquecimento do Executivo e do Legislativo, e fortalecimento do Judiciário, que tem se apresentado como um superpoder da República, o que nem de longe é autorizado pela Magna Carta, pelo contrário, que consagra expressamente a separação dos Poderes como pressuposto do pacto federativo.

No Brasil, criou-se outra forma de ditadura, não imposta pela força, mas pelo direito, a pretexto de se interpretar a Constituição Federal, já que a palavra final é da Suprema Corte, não havendo a quem recorrer.

Tal distorção na seara do direito recebe o nome de ativismo judicial, ou seja, o Poder Judiciário se arvorando na função de legislar e interpretando as normas como bem lhe aprouver, mesmo que afrontando a Constituição Federal, que tem o dever de proteger. Além do mais, em alguns casos, usurpando o poder de administrar, que é próprio do Executivo.

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São muitos os episódios em que isso ocorreu, que sequer preciso mencionar.

Afirmar que o Supremo Tribunal Federal exerce o Poder Moderador, tal como propugnado pelo Ministro Dias Toffoli há pouco tempo,[2] é afrontar norma constitucional expressa.

Não canso de lembrar que a ditadura tanto pode ter como protagonista o Poder Executivo, que é o usual, mas também pode ser imposta pelo Poder Judiciário, quando reiteradamente descumpre a Constituição Federal, invadindo a competência dos demais Poderes sem que nada possa ser feito.

Em nenhum momento a Magna Carta delegou ao Supremo Tribunal Federal a função de ser o Poder Moderador, pelo contrário, vez que consigna expressamente a separação e independência dos Poderes, que é um dos fundamentos da nossa República.

Quem exerce as funções de legislar e de administrar o país são cidadãos eleitos pelo povo e não indicados e nomeados pelo Presidente da República, após aprovação pelo Senado Federal. As importantíssimas funções do Supremo Tribunal Federal estão previstas no texto constitucional sem que faça a menor menção de ser superior ao Executivo e Legislativo Federal e de poder usurpar funções que não são suas, mesmo que a pretexto de ser uma espécie de Poder Moderador.

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Enfim, invadir a esfera de competência de um Poder com a desculpa de ser o Moderador, o que não existe em nosso sistema constitucional, coloca em risco a própria democracia, posto que fere a harmonia entre os Poderes da República, levando muitas vezes a sérias crises Institucionais, que são resolvidas pelo próprio Poder Judiciário, que dá a última palavra, mas não pode se sobrepor e nem invadir a esfera de competência do Legislativo e do Executivo, que se encontra expressamente prevista no texto constitucional.

[1] https://www.camara.leg.br/noticias/1011170-barroso-dar-limite-ao-poder- politico-majoritario-e-papel-do-stf/

[2] https://www.gazetadopovo.com.br/republica/breves/toffoli-diz-que-brasil-vive-semipresidencialismo-com-stf-como-poder-moderador/

Convidado deste artigo

Foto do autor César Dario Mariano da Silva
César Dario Mariano da Silvasaiba mais

César Dario Mariano da Silva
Procurador de Justiça – MPSP. Mestre em Direito das Relações Sociais – PUC/SP. Especialista em Direito Penal – ESMP/SP. Professor e palestrante. Autor de diversas obras jurídicas, dentre elas: Comentários à Lei de Execução Penal, Manual de Direito Penal, Lei de Drogas Comentada, Estatuto do Desarmamento, Provas Ilícitas e Tutela Penal da Intimidade, publicadas pela Editora Juruá. Foto: Arquivo pessoal
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