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O STJ como garantidor da legalidade e dos direitos e garantias fundamentais do réu

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Por Willer Tomaz
Willer Tomaz. Foto: Arquivo pessoal

Em direito penal, conforme expresso no artigo 5º, inciso XXXIX, da Constituição Federal, não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal, dicção essa reproduzida no artigo 1º do Código Penal.

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Paralelamente, o artigo 5º, inciso XL, da Constituição, prevê que a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu, norma replicada no artigo 2º do Código Penal, segundo o qual a lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado.

Trata-se do princípio da legalidade e seus três postulados. Um quanto às fontes das normas penais incriminadoras. Outro concernente à enunciação dessas normas. E um terceiro relativo à validade das disposições penais no tempo, sendo que o primeiro postulado é o da reserva legal. O segundo é o da determinação taxativa. E o último é o da irretroatividade (LUIZI, Luis. Os princípios constitucionais penais. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002. p. 17-18).

Embora elementares, tais postulados ainda encontram desafios em sua aplicação prática, o que naturalmente demanda do Superior Tribunal de Justiça, como uniformizador do direito federal, a definição do alcance e do conteúdo do princípio da legalidade nos casos concretos.

Foi o que aconteceu recentemente no último dia 2/3/2023, quando a Terceira Seção daquela Corte, à unanimidade, em sede de embargos de divergência no EREsp 1.896.620-ES, da relatoria do ministro JOEL ILAN PACIORNIK, julgou que não configura dano qualificado a lesão a bens das entidades não previstas expressamente no rol do artigo 163, parágrafo único, inciso III, do Código Penal, em sua redação anterior à alteração legislativa veiculada pela Lei n. 13.531/2017.

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O caso envolvia a acusação de crime de dano a imóvel da empresa pública Caixa Econômica Federal e discutia a possibilidade de artigo 163,

parágrafo único, inciso III, do Código Penal, que estabelece a forma qualificada do crime, ser interpretado extensivamente para incluir as empresas públicas no rol do dispositivo por fatos ocorridos antes da alteração veiculada pela Lei n. 13.531/2017.

Como se sabe, a redação original do Código Penal previa no rol da qualificadora apenas o dano contra o patrimônio da União, de Estado ou de Município. Posteriormente, a Lei n. 5.346, de 3/11/1967, incluiu no rol restrito o patrimônio de empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista. E por fim, a Lei n. 13.531/2017, de 7/12/2017, deu nova redação ao dispositivo, prevendo que o crime será qualificado também quando praticado contra o patrimônio da União, de Estado, do Distrito Federal, de Município ou de autarquia, fundação pública, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviços públicos.

Ou seja, somente após a Lei n. 13.531/2017 que o rol taxativo do inciso III do parágrafo único do artigo 163 do Código Penal passou a prever que a forma qualificada do delito também se consuma quando praticado contra bens do Distrito Federal e de empresas públicas.

Não obstante, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, no EREsp 1.896.620-ES, então sob a relatoria do ministro ROGERIO SCHIETTI, havia decidido em 16/8/2022 que a inovação trazida pela Lei n. 13.531/2017 consistiu em mero aclaramento do rol do art. 163, III, do Código Penal mediante a inclusão das empresas públicas, o que não se confunde com a ausência de norma reguladora, e portanto, a sua aplicação retroativa não seria fruto de analogia in malam partem, mas sim de interpretação extensiva da lei para dar-lhe a finalidade real, a traduzir a vontade do legislador.

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Já a Quinta Turma, no AgInt no REsp n. 1.585.531/DF, da relatoria do ministro JOEL ILAN PACIORNIK, havia concluído que o inciso III do parágrafo único do art. 163 do Código Penal, ao qualificar o crime de dano, não faz menção aos bens do Distrito Federal, de modo que é vedada a interpretação analógica in malam partem, devendo os prejuízos causados ao patrimônio público distrital configurarem apenas crime de dano simples, previsto no caput do referido artigo.

Interessante notar que o paradigma foi admitido para justificar o cabimento dos embargos de divergência mesmo com certa distinção fática entre

os julgados, pois o acórdão paragonado tratava da retroatividade da Lei n. 13.531/2017 quanto à ofensa a bens de empresas públicas, e o paradigma tratava da retroatividade quanto à ofensa a bens do Distrito Federal.

Ou seja, a despeito das particularidades, ambos os casos cuidavam da mesma ratio decidendi em torno da aplicação retroativa do artigo 163, parágrafo único, inciso III, do Código Penal, com a redação dada pela Lei n. 13.531/2017.

No mérito dos embargos de divergência, a Terceira Seção frisou que, ao contrário do entendimento da Sexta Turma, inexistia previsão legal sobre o enquadramento do patrimônio de empresas públicas no rol original do artigo 163, parágrafo único, inciso III, do Código Penal, motivo pelo qual qualificar o dano praticado em detrimento dos bens da referida entidade seria hipótese de aplicação da analogia in malam partem, não admitida no direito penal.

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Vale destacar a expressividade e a força do princípio da legalidade penal e seus postulados: mesmo reconhecendo a óbvia discrepância de tratamento entre situações materialmente semelhantes e a intenção do legislados de proteger o patrimônio público, a Terceira Seção advertiu que mostra-se inadmissível a inclusão das empresas públicas no rol dos entes constantes do dispositivo legal em apreço, haja vista que, no direito penal, não se admite a analogia em prejuízo ao réu, além do dever de se respeitar o princípio da reserva legal quanto às normas incriminadoras.

Em tempo, em que pese a mitigação do princípio da legalidade no julgado da Sexta Turma, o entendimento majoritário no Tribunal da Cidadania é justamente o de que à vista do princípio que proíbe a analogia in malan partem, não é possível tipificar como dano qualificado aquele levado a efeito contra patrimônio de empresa pública antes da entrada em vigor da Lei n.º 13.531/2017, que alterou o inciso III do art. 163 do Código Penal (STJ, REsp 1.857.827, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe 18/3/2020).

No mesmo sentido: REsp 1.727.202, Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe 28/5/2018; REsp 1.683.732/SP, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, DJe 3/12/2018; AgRg no REsp 1.480.502/DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, DJe 4/8/2015; AgRg no REsp 1.469.224/DF, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 20/2/2015.

Dito isso, o julgamento em comento representa, em verdade, não só mais uma decisão judicial, mas também o restabelecimento da legalidade e das garantias civilizacionais mais elementares em contraposição ao jus puniendi e às mazelas do processo penal, o que interessa a toda a sociedade.

Além disso, a decisão reforça uma vez mais a necessidade de existir de uma terceira instância revisora para dirimir conflitos acerca da legislação federal, papel esse exercido com louvor pelo Superior Tribunal de Justiça, o que coloca a Corte como um verdadeiro ator de manutenção da legalidade, dos direitos e das garantias fundamentais do réu.

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*Willer Tomaz, sócio do escritório Aragão & Tomaz Advogados Associados

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