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Opinião | O tempo histórico da Lava Jato

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convidado
Por Victor Augusto Ramos Missiato

Em 2024, a Operação Lava Jato completará 10 anos. Trata-se da maior investigação anticorrupção da história do Brasil, pois suas ramificações atingiram uma parte importante da elite política e econômica de um dos países mais desiguais do mundo. Para muitas pessoas que cresciam ouvindo que no Brasil os poderosos nunca sofriam as consequências da lei, a Lava Jato representou uma nova cultura jurídica no Brasil, inclusive com novos métodos de investigação e julgamento.

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O inicio das investigações ocorreu quando o Ministério Público do Paraná encontrou fortes indícios de um esquema de corrupção envolvendo a Petrobrás e grandes empresas de infraestrutura no que diz respeito ao repasse de propinas para políticos e empresários interessados em assegurar seus privilégios nas licitações e/ou garantir verbas ilícitas para interesses partidários e privados. Os dois principais personagens dessa trama inicial foram o doleiro Alberto Youssef e o ex-diretor da Petrobrás, Paulo Roberto Costa.

Ao todo, foram criadas mais de 70 fases de investigação, percorrendo cerca de sete anos de investigações e condenações. A raiz do problema estava na concentração de licitações por parte de algumas poucas empresas que formavam uma espécie de cartel de pagamentos já estabelecidos e institucionalizados no sistema político por décadas. Com o boom das commodities no início do século XXI, o sistema ampliou demasiadamente os canais de corrupção. Inicialmente, o destino das propinas era feito em espécie, via pagamentos no exterior. Com a maior complexidade do negócio, os pagamentos passaram a ser feitos por transferência internacional ou entrega de bens.

De acordo com o Ministério Público Federal, ocorreram 163 prisões temporárias, 132 prisões preventivas, 1.450 buscas e apreensões, 211 conduções coercitivas, 35 ações de improbidade administrativa, dois acordos de colaboração homologados no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), 138 acordos homologados no STF, 553 denunciados, 723 pedidos de cooperação internacional, R$ 4,3 bilhões devolvidos aos cofres públicos, R$ 2,1 bilhões previstos em multas compensatórias decorrentes de acordos de colaboração, R$ 12,7 bilhões em multas compensatórias de acordos de leniência, R$ 14,7 bilhões previstos para serem recuperados e R$ 111,5 milhões em renúncias voluntárias de réus.

Uma das características mais marcantes da Lava Jato foi o seu processo de americanização dos métodos investigativos e balizamentos de teses para respaldar as decisões judiciais. Trata-se de um movimento iniciado anteriormente, quando foi promulgada a Constituição de 1988. Transformações no perfil político, cultural, econômico e religioso da sociedade brasileira passaram a conviver, também, com transformações profundas na cultura jurídica do país. No texto “Revolução Processual do Direito e Democracia Progressiva”, presente no livro A democracia e os Três Poderes no Brasil (UFMG, IUPERJ/FAPERJ, 2002) Werneck Vianna e o sociólogo Marcelo Burgos analisaram o contexto da transformação americanista do poder judiciário brasileiro. Para os autores, “o federalismo e a separação de Poderes, com a criação de um tribunal superior independente quanto à representação política, importando a novidade na arquitetura republicana da institucionalização de mecanismos de checks and balances, foi o que definiu o excepcionalismo americano” na modernidade (p. 364-365).

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Em contraposição ao sistema jurídico civil law, fundamentado em uma tradição romano-germânica do direito, quando cabe ao juiz apenas o papel de interpretação e aplicação da lei, o common law é uma arquitetura jurídica construída nos países anglo-saxões, em especial Inglaterra e, principalmente, EUA. Uma das principais diferenças é que no common law, a aplicação da lei ocorre mediante a regras que vão se consolidando ao longo tempo e transformações nas relações culturais dos cidadãos. Isso confere um grande poder ao juiz, pois cabe a ele acompanhar tais mudanças e aplicar a lei nesses novos contextos. No cenário da Lava Jato, o ex-juiz Sérgio Moro, então responsável pela 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba, assumiu esse protagonismo.

Para além de interesses políticos diversos na escalada de poder e fama de Sérgio Moro, atual senador pelo Paraná, bem como os processos de anulação de julgamentos da Lava Jato, que se iniciaram nos últimos cinco anos, a rede de investigações e métodos da Lava Jato consolidou, indubitavelmente, uma nova cultura jurídica no Brasil. Métodos como a delação premiada passaram a ganhar maior destaque no poder decisório dos juízes, inclusive a partir de decisões feitas pelo Superior Tribunal Federal (STF).

Sendo assim, do tríplex de Lula à suposta tentativa de golpe por parte de Bolsonaro, os juízes brasileiros de várias instâncias vêm se respaldando cada vez mais nas delações premiadas e nas representações político-culturais adjacentes aos cargos que Lula e Bolsonaro ocupavam enquanto ocorriam as supostas criminalidades. No universo das representações, a Lava Jato abriu as portas para uma dialética ainda inconclusiva da cultura jurídica brasileira. Para os amigos a civil, para os inimigos a common.

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica

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Victor Augusto Ramos Missiato
Doutor em História (Unesp/Franca), professor e pesquisador do Instituto Presbiteriano Mackenzie, campus Tamboré
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