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Opinião|O trágico acidente aéreo em Vinhedo: uma fatalidade?

O direito à segurança, sobretudo o direito à vida, é elencado como o primeiro direito do consumidor, previsto no artigo 6º, inciso I, e não seria diferente deduzir essa primazia, afinal, sem vida humana, o nada se instaura! Nessa linha, indaga-se: a mínima segurança no transporte aéreo ocorreu?

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convidado
Por Maria Fernanda Dias Mergulhão
Atualização:

Na sexta-feira, dia 9 de agosto, o país foi tomado por incomensurável tristeza pela ocorrência de acidente aéreo fatal no interior de São Paulo, em Vinhedo.

No início da tarde daquele fatídico dia uma aeronave modelo ATR-72 da Voepass, no voo 2283, da antiga empresa Passaredo, decolava de Cascavel, no Paraná, com destino a São Paulo, quando já nas proximidades da capital paulista, até às 13:20 hs nenhuma ocorrência fora relatada pelo piloto e copiloto mas, inesperadamente, às 13:21 hs iniciou-se processo de descida abrupto, movimentos semicirculares da aeronave, até o contato violento ao solo e explosão vitimando 62 pessoas a bordo e um animal, dentre elas 57 passageiros (uma criança) e 04 tripulantes. O denominado “estol” e “queda em parafuso chato”, verticalmente tocando o solo e relegando a todos, em menos de 1 minuto, à morte. Todos mortos!

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Houve caso fortuito ou força maior, o que apontamos no Direito, para justificar a ausência de nexo de causalidade para fins de reparação civil? Há responsabilidade criminal pela omissão do dever de cuidado de alguns dos partícipes na manutenção e/ou condução da aeronave? Todas as conjecturas são formuladas e os prudentes reafirmam ser temerário antecipar qualquer juízo de valor porque a fase é de investigação e as caixas pretas foram recuperadas de forma intacta, o que possibilitará, segundo eles, ter certeza sobre as causas reais do acidente que ceifou a vida de 62 pessoas e, por cascata, um sem número de pessoas- amigos e familiares- que precisarão assumir a missão de ressignificar a vida após essa tragédia.

A par dessas questões que aqui só estão sendo apresentadas como simples relatório prefacial, apresento a minha indignação, que passo a externar:

Todos sabemos que a aviação civil nacional é regida pelo Código Brasileiro de Aeronáutica- Lei 7565, de 19/12/86 contando com a imperiosa supervisão da ANAC- Agência nacional de aviação, que reguladora do setor. Sabemos, também, que nos contratos de transporte aéreo, principalmente os de âmbito nacional, rege o Código de Proteção e Defesa do Consumidor- Lei n. 8078, de 11/09/90 diante da relação de consumo caracterizada não só pela forma difusa na sua prestação como também pela irretorquível vulnerabilidade dos passageiros (consumidores), que aderem ao sistema de transporte pela boa-fé nutrida pela confiabilidade da prestadora de serviço na condução até o destino incólumes, e em segurança.

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O direito à segurança, sobretudo o direito à vida, é elencado como o primeiro direito do consumidor, previsto no artigo 6º, inciso I, e não seria diferente deduzir essa primazia, afinal, sem vida humana, o nada se instaura! Nessa linha, indaga-se: a mínima segurança no transporte aéreo ocorreu? Há fortíssimos indícios em sentido contrário, não só pelos relatos de outros passageiros que revelavam medo ao utilizarem o transporte da referida empresa no modelo ATR-72 diante das condições internas que a aeronave apresentava (poltronas quebradas, ar condicionado sem funcionamento), relatos de ex funcionários noticiando que a manutenção das aeronaves era precária e mesmo relato de Comandante, regularmente identificado, e com profunda indignação, apontou que em 2019 testemunhou um palito, semelhante ao utilizado para dentes ou fósforos no botão antigelo.

E para essa espécie de aeronave- ATR- o que seria o botão antigelo? Para essas aeronaves, que são utilizadas para voos de curta distância porque não são aeronaves tão velozes e que não alçam voos altos, movidas a hélices, o botão antigelo é peça de vital importância para o regular transporte aéreo porque retira o acúmulo de gelo que fica retido, principalmente nas asas da aeronave.

Ainda que se atribua falha humana pela omissão na análise do botão antigelo, que se em mal funcionamento autorizaria a condução da aeronave, mesmo sem autorização da torre de comando, empreender voo mais baixo rumo a uma aterrisagem forçada, chama a atenção não ter existido qualquer relato de inconformidade em quase todo o trajeto aéreo, já que o destino final- Guarulhos- seria muito perto do acidente fatal- Vinhedo, no mesmo Estado de São Paulo e até 13:20 qualquer relato nesse sentido não ocorreu porque, logo após, 13:21 o acidente fatal já tinha sido noticiado.

Falha mecânica ou falha humana, são hipóteses que nessa fase não podem ser descartadas, mas o que falar acerca da PREVENÇÃO? Como poderiam ter sido poupadas as 62 vidas humanas e 01 vida animal?

Como o consumidor obtém dados de transparência acerca das fiscalizações realizadas e de possíveis casos de acidentes ou intercorrências com as aeronaves que está realizando contrato de transporte? Cegamente contratar e seguir seria o comportamento esperado por um consumidor, de plano, vulnerável? Essa vulnerabilidade ínsita à proteção merecida pelo Código de defesa do consumidor lhe retira o direito de conhecer as a fase interna promovida pela ANAC quanto à manutenção das aeronaves?

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O que falar da Inteligência Artificial? O uso da IA nas situações de filtragem da manutenção de uma aeronave, por algo que possa ser imperceptível aos olhos humanos (se essa hipótese servir de algum argumento...), não deve ser utilizada no transporte aéreo?

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E quanto ao absurdo de sequer ter sido decretada medida cautelar de paralisação de voos dessa espécie de aeronave- ATR- até que se realizasse uma nova inspeção da ANAC? O Neoliberalismo, na busca da ciranda “infreável” do nefasto capitalismo não tem o condão de suspender o tráfico aéreo em homenagem ao valor vida humana?

E o que dizer sobre a instauração de uma CPI- Comissão Parlamentar de Inquérito, que tantas vezes a mídia noticiou suas instaurações para casos de corrupção, condutas de autoridades reprováveis, dentre várias hipóteses que causem abalo no contexto social.

Em ano eleitoral, inclusive, nenhuma voz parlamentar, até agora, não ecoou para a formação de uma CPI! URGE seja instaurada uma CPI pelos membros do Congresso Nacional- Senadores e Deputados Federais- para analisar o processo pelo qual as fiscalizações, e efetivo cumprimento, de todos os quesitos inerentes à manutenção de uma aeronave sejam rigorosamente cumpridos.

Lembrando que uma CPI tem envergadura nacional sendo criada para hipóteses que, em tese, possam configurar crime, e crime de omissão é uma categoria tão autônoma quanto aos crimes praticados mediante ação!

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Importante registrar a necessária comparação no trajeto anterior operado pela mesma empresa na quarta-feira no voo ATR 72-600 a fim de comparar as condições de ambas aeronaves, guardadas todas as intempéries, segundo informações do site Flight Radar 24.

Por fim, não temos o poder de trazer conforto a tantas pessoas que estão em intensa dor e sofrimento, muito menos a dádiva da vida àqueles que pereceram nesse voo, MAS podemos MUDAR ESSE PANORAMA impondo segurança com o uso da IA, instauração de uma CPI, tal qual fora já realizada nos transportes rodoviário e metroviário por causas, acredita-se, bem menos complexas, e , sobretudo, exterminar o que já se inseriu na cultura popular quanto à segurança dos transportes aéreos quando comparados aos terrestres e marítimos serem de incidência bem mais reduzida.

Não são os acidentes, per si, muito menos os anos de intervalo entre um e outro acidente aéreo, que devem produzir credibilidade nessa espécie de transporte, MAS a segurança na manutenção do equipamento e o plano B nas situações de efetivo risco para os passageiros e tripulantes, merecendo esse desafio para os anos vindouros com a ajuda da Inteligência Artificial e dos corações de lideranças menos comprometidas com o capital e mais empática com seu semelhante.

Meu respeito e profundo sentimento a todos familiares dos que estavam a bordo do ATR-72 da Voepass, no voo 2283.

Este texto reflete a opinião do(a) autor(a). Esta série é uma parceria entre o blog do Fausto Macedo e o Movimento do Ministério Público Democrático (MPD). Os artigos têm publicação periódica

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Maria Fernanda Dias Mergulhão
Doutora e mestre em Direito. Mestre em Sociologia Política. Promotora de Justiça MPRJ e presidente do Ministério Público Democrático (MPD). Foto: MPD/Divulgação
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