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O vinho que perdeu o sabor e a graça

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Por Célia Lima Negrão
Célia Lima Negrão. Foto: Inac/Divulgação

Muitos conhecem as vinícolas do Sul do país, local que propicia momentos maravilhosos, em meio aos sabores dos vinhos produzidos na região. Porém, na próxima visita os vinhos não terão o mesmo sabor. Como não lembrar dos trabalhadores que viviam em condições análogas à escravidão para produzí-los?

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O desrespeito aos direitos humanos gera problemas sociais, danos reputacionais e financeiros a países e organizações. Há séculos se entende a urgência de erradicar o trabalho escravo e degradante. Desde1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, considerada a mais relevante em matéria de direitos humanos em todo o mundo, já previa os principais direitos e deveres que todas as pessoas do planeta deveriam lanc?ar ma?o. Um deles, trata exatamente da escravidão: "Ninguém será mantido em escravidão ou servidão e serão proibidos em todas as suas formas"; "Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante".

Ainda assim, após tantos anos, trabalhadores vivem situações análogas à escravidão a despeito do reconhecimento do Brasil a tal Declaração e da própria Constituição Federal que prevê os direitos humanos como fundamentais, considerados cláusula pétreas que são imutáveis, cruciais para o estado de direito.

Dentre outros dispositivos, o Decreto 9.571/2018 define as diretrizes nacionais sobre os Direitos Humanos nas empresas, inclusive as multinacionais que atuam no Brasil, e as obrigações do Estado, no sentido de proteger, promover e respeitar os Direitos Humanos.

De acordo com o referido Decreto em seu artigo 7º "Compete às empresas garantir condições decentes de trabalho, por meio de ambiente produtivo, com remuneração adequada, em condições de liberdade, equidade e segurança, com iniciativas para: (...) "VI - avaliar e monitorar os contratos firmados com seus fornecedores de bens e serviços, parceiros e clientes que contenham cláusulas de direitos humanos que impeçam o trabalho infantil ou o trabalho análogo à escravidão.

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O referido Decreto, destaca o Programa de Integridade, em seu artigo 10º, previsão certeira, tendo em vista que o desenvolvimento de instrumentos de prevenção, a exemplo da due diligence de terceiros, que são análises e avaliações usadas para mapear os riscos de contratação, em apoio a tomada de decisão, permite também monitorar e controlar determinados pontos de atenção de riscos junto aos terceiros contratados.

Tais instrumentos de prevenção podem apoiar as organizações que, por ventura, sejam acionadas por terem responsabilidade subsidiária nestes contratos, pois a prevenção e o monitoramento das empresas contratadas são diligências que ajudam a descaracterizar uma possível imputação de responsabilidade subsidiária.

Sim, é possível o tomador de serviços demonstrar que agiu com diligência e correição, a partir da comprovação de práticas adequadas de compliance que apoiam o afastamento da culpa in elegendo, por exemplo, quando há má escolha do prestador do serviço, ou culpa in vigilando que decorre da falta de atenção com o procedimento de outrem, por exemplo, ausência de fiscalização.

Nestes dois casos, as práticas de due diligence seriam cruciais: a uma por que serviriam para evitar que tal situação fosse perpetuada, pois haveria, no mínimo, melhor avaliação do prestador de serviço e potenciais riscos, além do monitoramento constante, no qual uma mera visita às instalações dos funcionários já seria suficiente para identificar problemas; a duas por que quando da materialização do risco, é possível demonstrar objetivamente quais medidas foram adotadas para cumprir as responsabilidades que competem ao tomador de serviço.

Destaca-se que falhas como estas, de organizações que subcontratam mão de obra sem o mínimo de cuidado e controle, possuem o poder de causar grande perda da confiança externa nas instituições do Brasil. Nota-se que o caso repercute em um mercado promissor e em ascensão do vinho brasileiro que movimenta milhões e abastece diversos países mundo a fora.

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Inclusive, em países regulados, a exemplo da Alemanha, que possui a Lei da Cadeia de Suprimentos - Supply Chain Act - que busca proteger as normas de proteção aos direitos humanos e ambientais que impõe requerimentos para aceitação de produtos de outros países, diante deste caso, o vinho brasileiro teria dificuldades.

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Nesse sentido, a boa notícia é que há normas sendo editadas por outros países da Europa no mesmo sentido, o que favorece os países e organizações que buscam atuar com responsabilidade e boas práticas. É uma tendência regulatória mundial, de diversos países, e não há espaço para países e organizações que desrespeitam direitos humanos, ambientais e de governança.

Por falar nisso, a OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - que conta com 38 países membros, dentre eles os mais desenvolvidos do mundo, na qual o Brasil tenta se incluir há mais de uma década, possui o documento que intitulado "Diretrizes da OCDE para Empresas Multinacionais".

Este documento, de extrema relevância e potencial fomentador, se destaca ao fornecer os princípios e padrões voluntários para uma conduta empresarial responsável, consistente com os padrões internacionalmente reconhecidos. Trata-se de um estímulo às contribuições positivas para o progresso econômico, ambiental e social no âmbito mundial.

Portanto, erradicar o trabalho escravo e as práticas degradantes é um apelo mundial, faz parte de uma política de estado, com o condão de transcender uma mensagem, de maior ou menor grau de respeito e confiança, a depender da atuação de cada país e suas organizações, em favor da geração denegócios, fomento de políticas conjuntas e obtenção de investimentos externos.

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*Célia Regina Lima Negrão, escritora, produtora de conteúdo digital de compliance e riscos e empregada pública dos Correios. Especialista em Governança e Compliance, Estratégia, Lei de Proteção de Dados e Direito Trabalhista

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção

Esta série é uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Os artigos têm publicação periódica

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