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Opinião | Oitenta anos de sonhos

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convidado
Por José Renato Nalini

A celebração dos oitenta anos de Miguel Reale Júnior foi uma epifania. Duas emocionantes solenidades. Na noite de 25 de abril, a saudação feita pelo Ministro José Carlos Dias, amigo de uma vida toda de Miguel, antecedeu a fala dos que discorreram sobre “Política Criminal. Respostas ao crime organizado dentro e fora do sistema penal”, a cargo de Antonio Sérgio Pitombo, Helena Lobo da Costa, Maurício Campos, Theodomiro Dias Neto e Mário Sarrubbo.

Miguel Reale Júnior Foto: Tiago Queiroz/Estadão

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Todos eles abordaram as questões angustiantes da Justiça criminal. A prisão como única resposta a um fato complexo que é o crime. Este fenômeno ocorre na faixa dos quinze aos vinte e quatro anos, envolvendo jovens do sexo masculino predominantemente negros ou pardos.

O populismo que grassa numa República extremamente polarizada reage com as medidas já repisadas: redução da maioridade penal, criação de novos tipos criminais, agravamento das sanções, tratamento mais austero no sistema prisional.

Já somos o terceiro país do mundo com mais encarcerados. A multiplicação de presídios e o enrijecimento da lei penal em nada contribuiu para a redução da delinquência.

O relato de Maurício Campos, foi sua experiência no setor da Defesa Social em Minas Gerais, um exitoso exemplo de que é possível tratar com racionalidade um sistema cujo arcaísmo e retrocesso atraem a atenção de pretensos especialistas. Muitos desses contribuem para disseminar o medo generalizado e a sensação de insegurança em todo o país.

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O cárcere, para jovens condenados por uso e porte de substâncias entorpecentes, é sua entrega para as facções delitivas. Estas oferecem ao preso e às suas famílias, aquilo que o Estado promete e não cumpre. Cumprida a sanção, o egresso tem de ser reinserido na sociedade, com a qual acertou contas quando cumpriu sua pena. E não é o que acontece.

O atual Secretário do Ministério da Justiça e da Segurança Pública, ex-Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, Mário Sarrubbo, partilhou com os presentes suas preocupações, mas também se comprometeu a enfrentar essa questão recorrente e aparentemente insolúvel, com todos os instrumentos de que dispuser.

Encerrou a noite a fala emocionante e contundente do homenageado. Miguel Reale Júnior foi lembrado, pelos oradores que o antecederam, como o professor instigante, que não se limita a cobrar de seus discípulos a fidelidade ao programa. Não. Mais do que isso, suscita entre eles saudável divergência, convertendo-os em agentes críticos do sistema e transformadores da realidade penal.

A postura destemida e coerente de Miguel Reale Júnior tem sido uma lição para todos os que se devotam à Justiça Criminal, a mais sensível e a mais próxima às criaturas racionais.

Juntamente com René Ariel Dotti e outros juristas, Miguel se encarregou de elaborar a modernização do Direito Penal, atualizando o vetusto Código de 1940, com notável contribuição que foi a edição da Lei de Execução Penal em 1984.

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Ele parafraseou Michel Foucault, que escreveu “Vigiar e Punir”, falando em “Punir e Humanizar”. A sanção penal tem vários propósitos, não apenas castigar. Mas também recuperar aquele que delinquiu, para que volte ao convívio apto a repartir seus talentos com os demais. O crime é um erro e a falibilidade é uma característica dos racionais.

Proclamando sua crença no resgate daquilo que é confiado à Justiça Penal no Brasil, Miguel Reale Júnior propôs a formação de uma verdadeira “Confraria de Racionalidade”, pois o que mais transparece no debate ácido e prenhe de ira, quando se cuida de reforma penal, é uma extrema irracionalidade.

Sem perder o humor, afirmou que a Inteligência Artificial não assusta. Ao contrário, pode ser valioso instrumento na condução das coisas que interessam à sociedade. O que verdadeiramente assombra é a burrice natural.

Aplaudido em pé por seguidos minutos, Miguel Reale Júnior não aparenta seus oitenta bem vividos anos. É porque se alimenta de sonhos e, além da prolífica produção em Direito Penal, escreve contos: o livro “Confrontos” é uma deliciosa leitura.

O Brasil ainda tem muito a receber de Miguel Reale Júnior, de erudição, de sua coerência, de seu comprovado amor à Democracia. Sorte nossa!

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José Renato Nalini
Reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo. Foto: Iara Morselli/Estadão
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