Relatório da Polícia Federal indica que generais, outros militares, ex-ministros, assessores e outros personagens do entorno do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) faziam parte de uma organização criminosa dividida em seis núcleos, com o objetivo de atacar o sistema eleitoral e preparar o ambiente para um golpe de Estado que revertesse os resultados das eleições de 2022.
O relatório serviu como base para a operação Tempus Veritas que nesta quinta-feira, 8, mirou aliados do ex-presidente, como Braga Netto, Augusto Heleno, Anderson Torres, Paulo Sérgio Nogueira e Almir Garnier Santos. De acordo com o documento, eles e outras pessoas próximas a Bolsonaro tinham um esquema que operacionalizava medidas para desacreditar o processo eleitoral, planejar e executar um golpe de Estado e abolir o Estado Democrático de Direito, “com a finalidade de manutenção e permanência de seu grupo no poder”. Os investigados afirmaram, via defesa, que vão cumprir as determinações impostas pela Justiça, mas que ainda não tiveram acesso às investigações para saberem o que pesa contra cada um deles.
Os núcleos indicados pela PF envolvem 26 pessoas. Entre os investigados, estão 18 militares, incluindo altas patentes do Exército e da Marinha. Há ainda ex-assessores, ex-ministros, um empresário, um advogado e até um padre, que, segundo o relatório, atuavam em conjunto em ações que “visavam, na prática, a reversão do resultado das eleições presidenciais de 2022, de modo a impedir a posse do candidato eleito (Luiz Inácio Lula da Silva) e, assim, manter o ex-presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, no poder”.
Entenda como os núcleos se organizavam e quem fazia parte de cada um deles
1. Núcleo de desinformação e ataques ao Sistema Eleitoral
Segundo a PF, o primeiro núcleo atuou na “produção, divulgação e amplificação de notícias falsas e de ‘estudos’ quanto à falta de lisura das eleições presidenciais de 2022″. Era também sua função apontar supostas incongruências no processo, como registros de votos após o horário oficial ou inconsistências no código-fonte das urnas.
A finalidade do grupo seria de estimular os bolsonaristas a manterem-se em frente aos quartéis e “criar o ambiente propício para a execução de um golpe de Estado”.
O ex-ajudante de ordens do Bolsonaro, Mauro Cid, cuja delação levou à operação da PF nesta quinta-feira, é o primeiro citado neste grupo. Ele é acompanhado também de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro e chegou a ser preso à época do 8 de Janeiro.
Outros integrantes são o consultor político argentino Fernando Cerimedo, responsável por uma transmissão ao vivo realizada em novembro de 2022 com uma série de alegações falsas e infundadas sobre as urnas eletrônicas brasileiras, e um empresário do ramo de tecnologia da informação de Uberlândia (MG) chamado Eder Lindsay Magalhães Balbino. Segundo a PF, Balbino foi o responsável pelo estudo que sugeriu falsamente falhas em alguns modelos mais antigos de urnas, anteriores a 2020.
O ex-assessor do então presidente Bolsonaro, Tércio Arnaud Tomaz – considerado um dos pilares do “gabinete do ódio” – também fazia parte do time, assim como quatro militares: Ângelo Martins Denicoli, Hélio Ferreira Lima, Guilherme Marques Almeida e Sérgio Ricardo Cavaliere de Medeiros.
2. Núcleo responsável por incitar militares a aderirem ao golpe de Estado
A PF relata que este grupo elegia alvos para “amplificação de ataques pessoais contra militares em posição de comando que resistiam às investidas golpistas”. Para isso, usavam canais diversos e influenciadores em posição de autoridade perante a “audiência militar”.
O grupo tem como destaque o general da reserva Walter Braga Netto, que foi ministro da Defesa e candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro nas eleições de 2022. Ele teria, para atuar nesse núcleo, uma posição de destaque e autoridade nas Forças Armadas.
Junto dele, havia outros três militares: Mauro Cid, novamente, o capitão reformado Ailton Gonçalves Moraes Barros e o coronel Bernardo Romão Correa Neto, que foi alvo de mandado de prisão na operação desta quinta-feira.
Para completar o time, a PF aponta o empresário Paulo Renato de Oliveira Figueiredo Filho, neto do general João Baptista Figueiredo, último presidente da ditadura militar.
3. Núcleo jurídico
O esquema apontado pela Polícia Federal envolvia também a produção de minutas de decretos que atendessem aos interesses golpistas. Para isso, o grupo contava com um núcleo jurídico.
Além do trabalho de criar supostas bases legais para um golpe de Estado, esse grupo também prestava assessoramento jurídico para os membros da organização criminosa.
Mauro Cid e Anderson Torres, já citados, aparecem aqui também. Junto deles, estão o advogado Amauri Feres Saad e o ex-assessor de Bolsonaro Filipe Martins. Segundo a PF, ambos foram responsáveis por entregar a minuta do golpe para Bolsonaro. Por fim, há ainda José Eduardo de Oliveira, um padre de Osasco.
4. Núcleo operacional de apoio às ações golpistas
A organização criminosa contava com uma equipe responsável por organizar reuniões de planejamento e execução de medidas para manter manifestações em frente aos quartéis, incluídas a mobilização, a logística e o financiamento de militares das forças especiais, em Brasília.
O grupo era completamente composto por militares. Além dos já citados Sérgio Ricardo Cavaliere de Medeiros, Bernardo Romão Correa Neto e Hélio Ferreira Lima, havia também Rafael Martins de Oliveira, Alex de Araújo Rodrigues e Cleverson Ney Magalhães.
5. Núcleo de inteligência paralela
Para coletar dados e informações que pudessem ajudar na tomada de decisões de Bolsonaro e aliados na consumação do golpe de Estado, a organização montou também um núcleo de inteligência. Segundo o relatório, além de buscar as informações, essa equipe também monitorava Alexandre de Moraes e possíveis outras autoridades para serem presas, assim que o golpe acontecesse.
O general Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) do governo Bolsonaro, fazia parte dessa equipe e, como mostrado pelo Estadão, sondou a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para infiltrar agentes em campanhas de rivais de Bolsonaro.
Acompanhavam o general o tenente-coronel Mauro Cid e o coronel Marcelo Costa Câmara, também ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. Câmara está entre os presos da operação desta quinta-feira.
6. Núcleo de oficiais de alta patente
O último grupo citado pela Polícia Federal tinha como objetivo mobilizar a caserna a favor do golpe. Segundo o relatório, a equipe – composta por militares de alta patente – usavam sua posição de autoridade para “influenciar e incitar apoio aos demais núcleos de atuação por meio do endosso de ações e medidas a serem adotadas para consumação do Golpe de Estado”.
O grupo tinha o já citado Walter Braga Netto e outros quatro generais, Mário Fernandes (da reserva), Estevam Theophilo Gaspar de Oliveira, Laércio Vergílio (reformado) e Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, que foi ministro da Defesa de Bolsonaro. Além deles, há ainda o almirante da marinha Almir Garnier Santos, que já havia sido acusado por Cid de oferecer apoio das suas tropas para o ex-presidente dar início a um golpe de Estado após as eleições de 2022.
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