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Opinião|Organizações criminosas empresariais e crimes de formação de cartel

No Brasil, ao menos no âmbito criminal, devido à falta de compreensão teórica e de capacitação, as investigações são, de forma geral, falhas e ineficientes e as condenações, pífias, quase inexistentes por parte dos Juízos e Tribunais do País afora, muito aquém do mínimo desejável pelos parâmetros de referência da OCDE/OECD

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convidado
Por Marcelo Batlouni Mendroni

Organizações Criminosas Empresariais são formadas no âmbito de Empresas lícitas, vale dizer, licitamente constituídas. Neste formato, os empresários se aproveitam da própria estrutura hierárquica da empresa para praticar crimes. Mantém as suas atividades primárias lícitas, fabricando, produzindo e comercializando bens de consumo para, secundariamente, praticar crimes fiscais, crimes ambientais, cartéis, fraudes (especialmente em concorrências em licitações, dumping, lavagem de dinheiro, falsidades documentais, materiais ideológicos, estelionatos etc.).

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Cartel é um acordo ou prática concertada entre concorrentes para fixar preços, dividir mercados, estabelecer quotas ou restringir produção, ou adotar posturas pré-combinadas em licitação pública. Os cartéis “clássicos”, por implicarem aumentos de preços e restrição de oferta e nenhum benefício econômico compensatório, causam graves prejuízos aos consumidores, tornando bens e serviços completamente inacessíveis a alguns e desnecessariamente caros para outros. Por isso, essa conduta anticoncorrencial é considerada, universalmente, a mais grave infração à ordem econômica existente.

Segundo estimativas da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE/OECD), os cartéis geram um sobrepreço estimado entre 10% e 20% comparado ao preço em um mercado competitivo.

Já não era novidade que as organizações criminosas, quanto mais evoluem, mais buscam a prática de crimes econômicos, de colarinho-branco, para tenderem a conseguir mais êxito sem deixar pistas. A Cosa Nostra em um determinado momento da sua história, a partir dos anos 1990, passou a evitar ao máximo a prática de crimes violentos, porque eles causam perplexidade e comoção pública, forçando as autoridades públicas a reagirem de forma mais eficiente contra elas. Passaram então a se infiltrar na política e nos negócios dos estados, com ênfase para a prática de fraudes em concorrências públicas, conseguindo assim evidentes superfaturamentos nos fornecimentos de obras e serviços com o estado. É o que o autor sociólogo Pino Arlacchi chamou de “La Mafia imprenditrice” (A Máfia empreendedora).

A prática de cartel não é exclusividade de organizações criminosas clássicas quando criam empresas, como as máfias; também são exaustivamente praticadas por empresas, que então se tornam Organizações Criminosas Empresariais.

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Nos crimes de formação de cartel, previstos no artigo 4º da Lei nº 8.137/90, é especialmente perceptível que, na medida em que os envolvidos se reúnem, eles atingem e lesam, não uma ou duas vítimas, mas a coletividade; não pessoas determinadas, mas as relações econômicas de determinadas regiões.

As vítimas, no fim, são os consumidores, que pagam seus impostos já exorbitantes para a realização de obras e serviços. Não podem e não conseguem perceber ou compreender o tamanho da lesão causada pela prática de cartéis. Aumentar impostos para conseguir pagar superfaturamento das obras e serviços, que é o que parece estar acontecendo no Brasil de hoje, smj, não pode ser solução minimamente aceitável em um País descente.

Na maioria dos casos que envolvem prática de cartel nas concorrências públicas, há agentes públicos envolvidos para, mediante corrupção, de alguma forma, favorecer o “jogo de cartas marcadas” pelas empresas, tais como editais direcionados e, por diversas formas, a simulação de concorrência.

O crime de formação de cartel abala sobremaneira a saudável livre concorrência de mercado, mas também é capaz de violar princípios básicos da economia como da oferta-procura, gerando inevitáveis altos índices de inflação, e com ela a indesejável volta da anarquia econômica.

Através dessa prática criminosa, empresas ou grupos delas, que funcionam como a forma de organizações criminosas empresariais, controlam os preços praticados, controlando as vendas e antes disso a produção. Melhor explicando, eles podem, por exemplo, diminuir a produção de um produto (em conjunto) se a oferta está baixa, para gerar maior procura e viabilizar a elevação dos preços. Empresários, diretamente ou por funcionários de alto escalão, geralmente “diretor comercial ou de vendas”, se reúnem, direcionando e estabelecendo as vendas a clientes preestabelecidos e consequentemente praticam os preços que querem.

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A capacidade de prática do crime de formação de cartel está ligada diretamente não só ao controle de mercado, como também ao poder de controle de mercado, entendido este como a reunião de condições de extirpar concorrentes.

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Os empresários do cartel estabelecem uma espécie de “carteira” de clientes, dividindo-os entre eles. Assim, cada empresário participante do cartel vende para os seus próprios clientes, e se algum de seus clientes pretender comprar de um outro empresário, encomendando cotação, aquele, sabedor que se trata de cliente de outro integrante do cartel, apresentará um preço maior, chamado de “preço de cobertura”, obrigando o cliente a comprar sempre da mesma empresa, que artificialmente apresenta menor preço. Desta forma, aquele empresário “dono do cliente” poderá praticar os preços que quiser, pois o comprador não encontrará cotação mais barata.

Para agir assim, as empresas participantes do cartel, juntas, necessitam ter o “comando” do mercado, assim entendido por economistas, que o denominam de market share, como algo em torno de 70%, aliado à impermeabilidade do mercado ao ingresso de novos concorrentes, especialmente; mas também a outros fatores como rivalidade com os competidores atuais, importações etc.

Em todos os casos, o objetivo é especificamente formar acordos, convênios, ajustes e alianças, visando:

  1. à fixação artificial de preços e quantidades vendidas e/ou produzidas;
  2. ao controle regionalizado do mercado por empresas ou grupo de empresas; e
  3. ao controle, em detrimento da concorrência, de rede de distribuição ou de fornecedores.

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O fato é que no Brasil, ao menos no âmbito criminal, devido à falta de compreensão teórica e de capacitação, as investigações são, de forma geral, muito falhas e ineficientes e as condenações pífias, quase inexistentes por parte dos Juízos e Tribunais do País afora, muito aquém do mínimo desejável pelos parâmetros de referência da OCDE/OECD.

O Brasil necessita evoluir muito, muito mesmo no combate a essa forma de criminalidade econômica, que afeta sobremaneira a economia do País e consequentemente a qualidade de vida das pessoas.

Cui prodest scelus, is fecit. “Cometeu o crime quem dele tirou proveito”

Trecho de Medéia de Sêneca

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Marcelo Batlouni Mendroni
Procurador de Justiça/SP. Foto: José Patricio/Estadão
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