Foto do(a) blog

Notícias e artigos do mundo do Direito: a rotina da Polícia, Ministério Público e Tribunais

Opinião|Os conselhos de preservação e o direito à cidade

PUBLICIDADE

convidados
Por Marcelo Cardoso de Paiva e Yussef D. S. Campos
Atualização:

Entre os anos 1970 e 1980, associações de bairro, sindicatos, artistas, sociedades beneficentes, instituições religiosas, universidades, institutos de pesquisa, museus, docentes, jornalistas e memorialistas, entre outros grupos da sociedade civil, como até mesmo movimentos ambientalistas, passaram a pressionar o poder público em defesa da preservação de lugares, edificações, bairros, paisagens, áreas verdes, objetos, monumentos, documentos, entre outros, aos quais atribuíam valor.

PUBLICIDADE

A solução encontrada foi a criação de conselhos participativos para que pudessem tomar decisões sobre a identificação, proteção, conservação e gestão de bens culturais junto aos representantes das Secretarias do poder público. Hoje, além do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), ligado ao Ministério da Cultura (MinC), existem diversos órgãos de preservação do patrimônio cultural ligados aos governos estaduais e municipais pelo Brasil.

Respondendo ao movimento de redemocratização do país, a criação de conselhos participativos foi institucionalizada pela Constituição Federal de 1988 - a Constituição Cidadã - elaborada ela própria com mais de cem projetos de iniciativa popular. O seu artigo 216 reconhece que “O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro”.

O mesmo artigo amplia a noção de patrimônio cultural reconhecendo formas de expressão, modos de fazer e viver, criações artísticas, científicas e tecnológicas, hoje conhecidas como patrimônio imaterial. Já o Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257/01), reconhece os “órgãos colegiados de política urbana, nos níveis nacional, estadual e municipal” como instrumentos necessários para a gestão democrática das cidades. Mais do que isso, torna obrigatório aos municípios com mais de 20 mil habitantes a elaboração participativa de planos diretores definindo “diretrizes e instrumentos específicos para proteção ambiental e do patrimônio histórico e cultural”.

Apesar dessas conquistas democráticas, nos últimos dez anos temos assistido a um desmonte sistemático dos conselhos de preservação por meio da alteração de sua composição e das regras para a participação por iniciativas de representantes eleitos dos Poderes Executivo e Legislativo. Como resultado, a sociedade civil vem perdendo poder de decisão sobre o patrimônio cultural na medida em que a paridade - o equilíbrio do número de representantes (e de votos) da sociedade civil e dos governos - desses conselhos tem sido afetada. O motivo é claro. Os conselhos de preservação do patrimônio cultural operam o tombamento, um instrumento jurídico que incide sobre a propriedade - pública e privada - para garantir que valores de interesse público se sobreponham aos interesses privados.

Publicidade

Em outras palavras, as políticas de preservação são o recurso mais potente para impedir que a maximização da exploração econômica de imóveis por construtoras e incorporadoras não seja privilegiada pelo poder público em detrimento de valores de outras naturezas como a memória, a paisagem, o ambiente, o uso e a convivência de certos lugares das nossas cidades, uma tendência lamentavelmente forte especialmente nas grandes capitais como Salvador, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo.

A solução para este problema já foi apresentada no I Fórum Nacional do Patrimônio Cultural promovido pelo IPHAN. O evento teve como objetivo a criação de um Sistema Nacional do Patrimônio Cultural (SNPC) como um subsistema do Sistema Nacional de Cultura (SNC), aprovado pela emenda constitucional nº 71/2012.

Projeto elaborado de forma participativa durante a gestão de Gilberto Gil como ministro da Cultura, o SNC prevê o repasse de verbas do orçamento federal para estados e municípios que atendam aos requisitos como a criação de fundos, conselhos, conferências e planos democráticos para garantir o acesso de artistas e agentes culturais - incluindo os sujeitos das práticas reconhecidas como patrimônio imaterial - às decisões e aos recursos públicos relativos às políticas culturais, articulando e coordenando as ações da União, estados, municípios e sociedade civil.

Ao ser instituído por uma emenda constitucional, o SNC se tornou uma política de estado sob o espírito democrático da Constituição de 1988. Não por acaso, essa emenda alterou justamente o artigo 216, que define o que é o patrimônio cultural brasileiro, incluindo nele as criações futuras, sob o espírito tropicalista do ministro que a concebeu. É preciso avançar, portanto, também para a instituição do SNPC como política de estado, garantindo, dessa maneira, a criação de conselhos, conferências e fundos democráticos para a preservação do patrimônio cultural em que a sociedade civil tenha garantida a sua participação e poder de decisão.

Convidados deste artigo

Foto do autor Marcelo Cardoso de Paiva
Marcelo Cardoso de Paivasaiba mais
Foto do autor Yussef D. S. Campos
Yussef D. S. Campossaiba mais

Marcelo Cardoso de Paiva
Historiador formado pela FFLCH-USP, mestre e doutor em História e Fundamentos da Arquitetura e Urbanismo pela FAU-USP
Conteúdo

As informações e opiniões formadas neste artigo são de responsabilidade única do autor.
Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.