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Opinião|Os credores privilegiados e seu eterno embate com as empresas em recuperação judicial

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Por Bruno Chatack Marins e Júlia Ramos Silva

A alienação fiduciária é uma forma de garantia que visa proteger o credor em caso de inadimplência. No entanto, o credor tem a opção de recorrer a outros meios para satisfazer a obrigação, ignorando a garantia prestada e executando o negócio jurídico em sua totalidade. Isso inclui a possibilidade de realizar a execução direta dos bens do devedor, utilizando meios como arresto e penhora.

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No âmbito da recuperação judicial, a alienação fiduciária recebe um tratamento específico de acordo com o artigo 49, §3º da Lei 11.101/2005. Esse dispositivo estabelece que os créditos garantidos por alienação fiduciária não são afetados pelos efeitos da recuperação judicial, sendo considerados extraconcursais.

Isso significa que o credor fiduciário pode exercer seus direitos sobre o bem objeto da garantia independentemente do processo de recuperação judicial em andamento, preservando assim sua posição privilegiada em relação aos demais credores.

Essa exceção se justifica pelo fato de que o bem dado em alienação fiduciária está sob a propriedade resolúvel do credor, não sendo mais considerado parte do patrimônio da devedora em recuperação. A propriedade só retorna à devedora após a quitação da obrigação, caso contrário, permanece com o credor.

Entretanto, surge uma questão sobre a renúncia ou não da garantia fiduciária quando o credor opta por uma execução direta ao invés de acionar a garantia. Essa decisão pode afetar a concursalidade ou extraconcursalidade do crédito.

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Referida discussão é recorrente no Tribunal de Justiça de São Paulo, no qual a jurisprudência ainda não é pacífica sobre o tema. Isso porque, existem diversos julgados com entendimento no sentido de que não há renúncia do direito à garantia fiduciária se o credor não houver expressamente o renunciado, preservando a natureza extraconcursal do crédito.

Com base nesse entendimento, o credor pode prosseguir com a ação de execução por quantia certa, sem que haja qualquer vinculação à recuperação judicial, ou seja, sem a necessidade de ingressar como credor quirografário na recuperação judicial.

Nesse sentido, considerando o artigo 66-B, §5º, da Lei Federal n.º 4.728/65, que determina a aplicação do artigo 1.436 do Código Civil à alienação fiduciária, entende-se que a garantia só se extingue mediante renúncia expressa.

Dessa forma, sob uma perspectiva positivista, quando o credor opta pela execução por quantia certa em vez da execução da garantia, não se configura uma renúncia tácita, permitindo assim que o credor mantenha sua posição privilegiada conforme previsto no artigo 49, § 3º da lei de recuperação judicial.

Conforme essa interpretação legal, a escolha do credor pela ação de execução da dívida não implica em renúncia tácita à garantia fiduciária, nem submete seu crédito à recuperação judicial, pois presume-se que ele mantenha sua natureza concursal.

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Contudo, embora essa perspectiva positivista tenha uma expressiva fundamentação e seja considerada mais adequada do ponto de vista processual e jurídico, a argumentação de que a execução da dívida poderá implicar na sujeição do crédito aos efeitos da recuperação é recente e inovadora, também contando com embasamento expressivo.

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Não se pode ignorar que, ao recair a execução por quantia certa sobre todo o patrimônio da devedora, ocorre um prejuízo econômico e jurídico para todos os credores, que serão afetados pelo esgotamento dos recursos da empresa em recuperação.

O respaldo legislativo para esse argumento advém do artigo 66-B, §5º, da Lei 4.728/65, como já mencionado. No entanto, neste caso, a interpretação do dispositivo segue uma direção contrária àquela anteriormente discutida.

Isso porque, embora o caput artigo 1.436 do Código Civil estabeleça que a garantia apenas se extingue mediante renúncia expressa, o §1º presume a renúncia quando o credor concorda com a substituição por outra garantia.

Portanto, a interpretação da renúncia também encontra robusta fundamentação, resultando na ausência de uma posição definitiva a ser adotada, considerando a falta de consenso jurisprudencial sobre o assunto. Não há, igualmente, um direito do credor ou do devedor que deva prevalecer sobre o outro.

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São diversos os aspectos que precisam ser considerados. Cada devedora enfrenta um cenário único, assim como a ação de execução proposta pelo credor apresenta suas particularidades. Por esse motivo, a interpretação a ser adotada necessita ser determinada pela análise caso a caso.

Por conseguinte, o que se percebe de imediato é a impossibilidade de se entender que a execução por quantia certa proposta pelo credor implica automaticamente em renúncia à garantia fiduciária.

Isso porque não é razoável que a escolha entre as diferentes execuções acarrete imediatamente prejuízo ao credor. O ordenamento jurídico, ao assegurar ao credor a oportunidade de intentar a ação que mais lhe convém, não pode puni-lo por optar por uma via processual específica.

No entanto, também é importante observar que as ações do credor podem prejudicar a viabilidade da recuperação judicial da devedora. Portanto, embora não se possa considerar a renúncia automática da alienação fiduciária, é necessário analisar as circunstâncias do caso concreto.

Depreende-se do exposto que não se pode interpretar a renúncia tácita à garantia fiduciária apenas pela propositura da ação de execução pelo credor. Contudo, também não se pode ignorar o fato de que a propositura da execução por quantia certa acende um alerta quanto ao desinteresse do credor em relação à excussão da garantia.

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Por esse motivo, é cabível que se analise o caso concreto, a fim de impedir que todo o patrimônio da empresa devedora seja diretamente afetado por um determinado negócio jurídico.

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Bruno Chatack Marins
Sócio do Chatack, Faiwichow & Faria Advogados, especialista em Reestruturação de Dívidas, Direito Empresarial e Agronegócio. Foto: Chatack, Faiwichow & Faria Advogados/Divulgação
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