A lei que regula o direito de resposta (13.188/15) aos que se sentem ofendidos em sua honra por matérias jornalísticas foi concebida por e para políticos que cada vez mais temem a imprensa com a mesma inquietação dos navegadores de outrora, quando, às vésperas de suas peripécias, temiam os monstros marinhos guardados no mar.
Para o bem da comparação, em tempos de terra plana, vale aclararmos que os monstros marinhos nunca existiram, e que os navegadores combatiam, assim, as sombras de sua própria imperícia e de seu próprio insucesso. Vale aclararmos ainda que os empreendimentos dos navegadores eram grandiosos somente na visão deles e de seus patrocinadores. Mas se a história registrou os fatos de forma diversa, assim deixemos.
A história também registrou que a lei 13.188/15 visa à democratização da imprensa, possibilitando que os por ela ofendidos possam dar sua versão dos fatos, e assim também deixemos. Ignoremos a agressão havida na ingerência do judiciário no trabalho jornalístico, e até mesmo os diversos artigos constrangedoramente inconstitucionais da referida lei, que pouco são questionados judicialmente, e, quando o são, perdem-se na gaveta funda dos questionamentos impertinentes, afinal, em briga de político e imprensa, é recomendável pudor.
No entanto, o ponto que não podemos ignorar, sob pena de a referida lei inviabilizar o exercício livre da liberdade de imprensa, é que está tramitando a pleno vapor na Câmara dos Deputados o absurdo projeto de Lei 6.337/19, do deputado Luis Miranda (DEM-DF), que altera o texto original da 13.188/15 para ampliar o direito de reposta, tornando obrigatório aos veículos de comunicação notificarem e disponibilizarem aos envolvidos a matéria a ser publicada, para que optem, em dez dias, por dar ou não a sua versão dos fatos de forma concomitante à publicação da matéria jornalística.
Os trechos mais picantes da pretendida alteração constam redigidos da seguinte forma: "o veículo deverá notificar previamente as pessoas que constarem de matéria a ser divulgada, publicada ou transmitida (...) uma vez notificada (...) a pessoa terá o prazo de dez dias para exercer o direito de reposta ou retificação (...) que deverá ser divulgada concomitantemente à matéria"
Não há dúvida de que estamos diante de uma flagrante inconstitucionalidade, afinal, estaria instituída a censura prévia, haja vista o projeto pretender que se submeta o exercício do jornalismo a certos requisitos e condições para que seja lícito. Pretende, ao que nos parece, o legislador reeditar a memória grotesca dos tempos de ditadura em que os jornalistas tinham de entregar previamente seus textos para a aprovação de um censor.
Ora, por lógica, se há determinadas condições e requisitos para o exercício da liberdade da imprensa, ela não pode ser considerada livre. Livre será a imprensa se expressar como bem entender, e livres são os retratados para se insurgirem contra a imprensa, responsabilizando-a. Esse é o jogo da democracia. Jogar âncoras que impeçam ou controlem o exercício da atividade jornalística é censura. Esse é o jogo dos regimes autoritários. E nunca é demais lembrarmos que a censura prévia foi devidamente rechaçada pelo Supremo Tribunal federal no julgamento da ADPF 130, justamente por não se adequar tal instituto à nossa Constituição democrática.
Além disso, estaríamos, decerto, inviabilizando o impacto social da imprensa. Imaginemos, por exemplo, em tempos de epidemia do coronavírus, as redações serem obrigadas a notificar todos os envolvidos e aguardar dez dias. Imaginemos ainda uma reportagem investigativa sobre determinado político corrupto como poderia ser esvaziada se encontrasse tamanhos obstáculos.
A proposta não tem pé nem cabeça por qualquer ângulo que a queiramos enxergar. O que passa longe de não possuir intenção. E ainda que tal projeto esteja fadado a retumbante insucesso, em face de sua inconstitucionalidade, deixa a mensagem de que a classe política lamentavelmente busca se proteger da imprensa, e, por consequência, do olhar da população a quem deveria por ofício estar preocupada em servir.
Os combates à imprensa e aos monstros marinhos, ainda que sejam ao final um combate ao receio da própria sombra, são importantes de serem fiscalizados, pois sempre feitos com o bolso alheio, e muitas vezes anunciam conquistas grandiosas mas proporcionam relevantes perdas de valores democráticos.
*André Marsiglia Santos, advogado especializado em liberdades de expressão e de imprensa. Membro da comissão de liberdade de imprensa da OAB e da comissão de mídia e entretenimento do Iasp (Instituto dos Advogados de São Paulo). Idealizador da L +: Speech and Press e sócio da Lourival J Santos advogados
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