A Polícia Federal e a Receita encontraram transações financeiras entre empresas controladas pelo grupo do empresário Willian Barile Agati, o Concierge do PCC, e duas das maiores empresas de ônibus de São Paulo: a Transwolff e a Transunião. Os federais investigam, pagamento que somados chegam a R$ 10 milhões que envolvem a empresa Jet Class Aviation S.A., dona da aeronave Dassault Falcon 50, prefixo PR-WYW, e Jair Ramos de Freitas, o Cachorrão.

A Transwolff foi alvo da Operação Fim da Linha, em abril de 2024, e, em janeiro deste ano, teve seu contrato com a Prefeitura de São Paulo rescindido por decisão do chefe do Executivo municipal, Ricardo Nunes (MDB). Ela foi acusada de lavar dinheiro do PCC ao lado de outra empresa, a UPBUs. O Ministério Público Estadual investigava integrantes da Transunião em razão de pagamentos de R$ 70 mil semanais ao PCC.
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A Transunião tem 482 ônibus em sua frota e opera em dois lotes do sistema de transporte público de São Paulo e conta com dois mil funcionários. Diretores da empresa são suspeitos de extorsão e de lavagem de dinheiro no inquérito que apura o assassinato de Adauto Soares Jorge, seu ex-presidente, morto a tiros em 4 de março de 2020, em um estacionamento, no Lajeado, na zona leste.
A empresa, que teve entre seus fundadores o vereador Senival Moura (PT), informou ao Estadão ter desligado o então conselheiro apontado pelas investigações como envolvido com o crime organizado. A Transunião criou departamentos de compliance e controladoria desde que as investigações começaram em uma tentativa de evitar transações que coloquem a empresa sob suspeita. Cachorrão, que segundo a PF recebeu R$ 8 milhões da Transunião, chegou a ser preso pela polícia em 2022 sob a acusação de ser o pistoleiro que emboscou e matou Jorge a mando do PCC mas acabou solto. Ele se tornou diretor da empresa após Adauto Jorge ser afastado. O valor milionário foi para compra de ônibus, informou a empresa nesta quarta-feira, 19, ao Estadão.

A reportagem não conseguiu localizar a defesa de Cachorrão. Agati nega os crimes e questiona a legalidade das provas obtidas pela PF. A defesa da Transwolff sempre negou ter lavado dinheiro da facção e recorreu da decisão de Nunes de rescindir o contrato. Procurada desta vez, a empresa informou por meio de nota refutar de forma categórica as informações de vínculo com o crime organizado (leia abaixo a íntegra da nota).
Segundo as investigações que deram origem à Operação Mafiusi, da PF, deflagrada em 10 de dezembro de 2024, Agati participou do quadro societário de 12 empresas, das quais quatro estão com o CNPJ baixado. De outras duas ele se retirou da sociedade entre junho de 2021 e outubro de 2022. Atualmente, ele participa ativamente de sete empresas, das quais seis ele é sócio direto e uma, indireto.
Parte dessas empresas de Agati, segundo a Receita, “apresentam características de empresas não operacionais”. Ou seja, elas teriam sido constituídas para integrar o grupo econômico para dissimular operações com o objetivo de “dar lastro e aparência de licitude aos acréscimos patrimoniais ocorridos no período”. Haveria ainda lucros e dividendos fictícios, fraudes contábeis, omissões e acréscimos patrimoniais sem origem, simulação de negócios, confusão patrimonial, ocultação de bens, aquisição e a revenda de produtos com indícios de emissão de notas fiscais “frias”.
Essa lista de condutas características da lavagem de dinheiro foram enumeradas e descritas pelo delegado Eduardo Verza, do Grupo Especial de Investigações Sensíveis (GISE), de Curitiba, da Polícia Federal. Por cerca de 300 páginas, o policial descreveu centenas de operações financeiras envolvendo dezenas de empresas e pessoas físicas que teriam facilitado as operações financeiras do império bilionário de Agati.

Um dos casos tratados é do da Jet Class Aviation S.A, que controlava a aeronave prefixo PR-WYW. Em comunicações pelo sistema criptograda de mensagens Sky ECC, os federais encontraram mensagens de Agati no qual ele usa aspas para descrever o “dono” da Jet Class. O delegado não tem dúvida de que o recurso demonstra que “é uma interposta pessoa”, um “testa de ferro que está no controle da empresa Jet Class”.
A empresa está em nome de um laranja, de acordo com a PF, cujo último trabalho registrado foi em 2011, quando ganhava R$ 1,4 mil e foi demitido em 11 de novembro daquele ano por justa causa. Para o delegado, o homem não tem condições financeiras de ser o proprietário da Jet Class, que tem capital social declarado de R$ 2 milhões.
“Diante disso, é possível concluir que, ao utilizar aspas para se referir ao novo dono da empresa Jet Class, Agati estava fazendo alusão à sua condição de interposta pessoa”, concluiu a PF, pois, ao que tudo indica, a empresa pertenceria ao empresário, “que se utiliza de interpostas pessoas” para não chamar a atenção dos órgãos fiscalizadores.
Para a PF, não há dúvidas de que a Jet Class era usada pela organização criminosa no esquema de tráfico transcontinental de cocaína em aeronaves privadas. Conforme o Relatório de Informação Financeira (RIF) 77.277, durante o período de 1.º de dezembro de 2020 até 12 de janeiro de 2021, foram identificados créditos de R$ 1.308.631,00 na empresa. “As principais entradas são TEDs de empresas de transporte e pessoas físicas, com destaque para a Transwolff Transportes e Turismo Ltda.”

No caso da Transunião, os federais chegaram à empresa por meio da análise das contas do investigado Fábio Fernandes de Souza, o Fábio Jaga, então conselheiro da Transunião, apontado como um dos associados a Agati e a Edmílson de Meneses, o Grilo, do PCC. Jaga foi identificado pelo GISE/PR por meio de várias transações financeiras suspeitas com a MJ Augusta Representações Comerciais, de propriedade do empresário Marcos José de Oliveira. Preso na Operação Narcobroker, Oliveira delatou o PCC e o império de Agati.
Jaga é sócio na empresa Universo Bus Comércio e Serviço ao lado de Cachorrão. A partir da análise de dados bancários de Cachorrão, os federais estabeleceram o vínculo dele com a Transunião, empresa que “comprovadamente envolvida na lavagem de dinheiro do PCC, transacionou cerca de R$ 8,18 milhões” com Cachorrão. Um segundo diretor da empresa foi sócio de Fábio Jaga e um terceiro diretor fez pagamentos a Cachorrão.
“Foram identificadas ainda outras transações da empresa Jair Ramos de Freitas ME (de Cachorrão) com contas bancárias de ‘laranjas’ e valores bastante vultosos, não havendo dúvidas de que se trata de dinheiro proveniente do crime organizado”, concluiu o delegado.

A empresa informou que os R$ 8 milhões fizeram parte de transação lícita para compra de novos ônibus. A defesa afirmou que a empresa não pode ser responsabilizada por atos de pessoas físicas e colabora com as investigações. A Transunião informou ainda que, hoje, atua com 380 locadores/fornecedores.
Leia a íntegra da nota da Tranwolff
A Transwolff Transporte e Turismo Ltda e seus diretores refutam de forma categórica as informações de vínculo com o crime organizado e reafirmam que a empresa e seus dirigentes jamais tiveram relações com organizações criminosas. Todos os esclarecimentos estão exaustivamente demonstrados no procedimento administrativo perante a Secretaria dos Transportes e no processo que corre sob o sigilo de Justiça.
O que diz a Transunião
A empresa criou um compliance e um departamento de controladoria para avaliar todos os contratos em uma tentativa de evitar novas transações que possam comprometer a empresa, informou a diretora Kelly Ribeiro. O advogado Anderson Minichillo da Silva Araújo afirmou que as transações envolvendo R$ 8 milhões foram lícitas e para compra de ônibus. Por fim, a direção informou que desligou Fábio Jaga da função de conselheiro quando as investigações apontaram possível transação financeira envolvendo crime organizado.