Famílias que se destacaram na segunda metade do século XIX e primeira do século XX na capital de Piratininga, evidenciaram que os “quatrocentões” estavam cedendo espaço aos “forasteiros”.
Nomes que se tornaram famosos hoje são lembranças obscurecidas pelo imediatismo egoísta das novas gerações. Um deles, foi o escritor e político de ascendência francesa Alfredo Gustavo Pujol, que se casou com Áurea Salles e morava num palacete da rua Pirapitingui.
Para Laura Rodrigo Octávio, amiga de Odila, filha dos Pujol, “tudo lá era um luxo! Camas com edredons vermelhos de enormes monogramas ao centro, comidas finíssimas; os primeiros biscoitos Pernot aparecidos em São Paulo, as célebres amandines recheadas de chocolate, e outros com recheio gelado, os biscuit-sorbet”.
Para as amigas de Odila Pujol, passar o dia em casa dela era uma coisa fantástica. O balanço de madeira do jardim fora construído no Liceu de Artes e Ofícios, eles tinham copeiro francês e um landau.
Outro personagem que ganhou fama foi Paulo Tagliaferro, franco-italiano, que veio para São Paulo ensinar canto. Nascera na Riviera, mais exatamente em Villefranche e viveu no Chile, onde aprendeu espanhol. Sua mulher, Madame Tagliaferro, era excelente e se dispôs a ensinar idiomas e música às paulistanas.
Moravam na Liberdade, e uma filha destacou-se: a pianista Magdalena Tagliaferro. Muito talentosa, foi com os pais para Paris e aos treze anos conquistou o primeiro prêmio no Concurso de piano do Conservatório da capital francesa. O pai já estava doente e faleceu pouco depois disso. Seus alunos de São Paulo promoveram um concerto e, com o apurado com os ingressos, edificaram um túmulo que correspondia à dignidade do falecido.
Já os Chiaffarelli moravam na Barra Funda, num belo chalé. Luigi Chiaffarelli era italiano e sua mulher, Wilhelmina, alemã. Os filhos Olindo e Liddy, cujo nome era Elisa Carolina Chiaffarelli, foi cantora, pianista, professora de piano e pioneira da iniciativa musical no Brasil. Faleceu num acidente aéreo em 1962.
O Maestro Chiaffarelli era um excelente professor de piano. Foi quem preparou Antonieta Rudge e Guiomar Novaes, duas das maiores pianistas brasileiras. Seu mérito era também orientar os frequentadores dos saraus e dos concertos, para que compreendessem os programas executados. Toda primeira quinta-feira de cada mês, a audição ocorria no Salão Steinway, à rua São João. Era muito concorrida a assistência e ao explicar, com minúcias, mas com graça e arte, o repertório, ele fazia com que a música erudita fosse realmente assimilada pelos paulistanos.
Todas as outras quintas-feiras as alunas se reuniam em sua casa. Ali havia um vasto salão com dois pianos e havia o adestramento para que se viabilizasse o enfrentamento do público.
Era tamanho o amor da família pela música, que em lugar de uma recepção de noivado quando Liddy se tornou noiva de Agostinho Cantu, os Chiaffarelli promoveram um concerto. Dele participaram alunos e amigas. Nessa tarde, a mãe dos Burle Marx cantou “Adelaide”, de Beethoven. Mas Liddy não se casou com Agostinho Cantu e sim com o Maestro Francisco Mignone e se radicou no Rio de Janeiro.
Outra família tradicional em São Paulo era a Vampré. Residiam em Rio Claro e mandaram o filho primogênito, Enjolras, estudar em São Paulo. Fabrício Vampré (1885-1938) era sergipano e cursou medicina no Rio de Janeiro. Seu nome era Fabrício Tupinambá, mas conheceu um Vampré na república e estudantes e adotou o nome para ele. e casou-se com Mathilde Andrade. Os prenomes de seus filhos indicam certo exotismo na escolha: Enjolras (1885-1938), cuja inspiração foi a personagem de “Os Miseráveis”, de Victor Hugo, foi Catedrático da cadeira de Neurologia da Escola de Medicina de São Paulo. Spencer (1888-1964), jurista e professor das Arcadas. Léven (1889-1956), advogado, fazendeiro e político, participou bravamente da Revolução Constitucionalista de 1932. Os outros filhos do Dr. Fabrício e de D. Mathilde eram Creúsa, Sesóstris e Micol.
É interessante fazer um passeio pela História de São Paulo e verificar quantas famílias ajudaram a entretecer essa trama cosmopolita, que produziu gente da melhor qualidade, um patrimônio espiritual que a pauliceia deve reverenciar. Nem sempre fomos este oceano de anônimos, este trânsito aterrador, esta inóspita conurbação que sugere, tanta vez, insensatez e irracionalidade.
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