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Opinião|Os servidores da OAB são equiparados a servidores públicos para fins penais

Tem-se que é da competência da Justiça Comum Federal, a teor do artigo 109, I, da Constituição Federal, para instruir e julgar crimes contra a Administração Pública que envolvam servidores da Ordem dos Advogados do Brasil

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convidado
Por Rogério Tadeu Romano

Sabe-se que as Ordens e Conselhos Profissionais são organismos destinados, em princípio, a administrar o exercício de profissões regulamentadas por lei federal.

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São geridos por profissionais da área, que são eleitos por seus pares. De regra, possuem natureza federativa, com um órgão de nível federal e outro de nível estadual.

É certo que nítido se afigura o caráter de fiscalização e de polícia das profissões por ele exercidos. É a chamada polícia das profissões, atividade típica de entidade de direito público.

Na doutrina, foram denominadas de autarquias para-administrativas, corporações autárquicas, corporações profissionais, instituições corporativas. Sempre entendi, como estarrecedor, o que foi editado na Lei 9.649, de 27 de maio de 1998, onde se atribuiu personalidade jurídica de direito privado a tais conselhos, ficando vedado o vínculo funcional ou hierárquico com a Administração Pública. Tal norma jurídica é de inconstitucionalidade material patente.

O artigo 58 daquela norma jurídica, e ainda seus parágrafos, fixou os seguintes moldes para os Conselhos, com exceção dos conselhos da OAB: os serviços de fiscalização de profissões regulamentadas são exercidos em caráter privado, por delegação do poder público, mediante autorização legislativa; a organização, a estrutura e o funcionamento dos conselhos devem ser disciplinados mediante decisão do plenário do conselho federal da respectiva profissão, garantindo-se que, na composição deste, estejam representados todos os conselhos regionais; seus empregados regem-se pela legislação trabalhista, sendo vedada qualquer forma de transposição, transferência ou deslocamento para o quadro da Administração Pública direta ou indireta; os conselhos podem fixar, cobrar e executar as contribuições anuais devidas por pessoas físicas ou jurídicas, bem como preços de serviços e multas, que formarão receita própria, constituindo título executivo extrajudicial a certidão relativa aos créditos decorrentes; o controle das suas atividades financeiras e administrativas cabe exclusivamente aos seus órgãos internos, ou conselhos de fiscalização das profissões regulamentadas, por constituírem serviço público, gozam de imunidade tributária total em relação aos seus bens, rendas ou serviços; compete à Justiça Federal a apreciação das controvérsias que envolvam os conselhos, quando no exercício dos serviços a ele delegados.

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Tal perfil surrealista, data vênia, dado pelo artigo 58 e parágrafos da Lei nº 9.649 era, sem dúvida, inconstitucional.

Destoa do articulado no Decreto nº 64.704, de 17.06.69, de natureza regulamentar, que dispunha sobre a personalidade jurídica de direito público dessas entidades.

O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o mérito da ADI 1.717, declarou a inconstitucionalidade do caput e dos parágrafos 1º, 2º, 4º, 5º, 6º, 7º e 8º do artigo 58 da Lei 9.649/98, restando consignado que a fiscalização das profissões, por se tratar de uma atividade típica do Estado, que abrange o poder de polícia, de tributar e de punir, não pode ser delegada.

Daí a natureza autárquica dos conselhos profissionais pelo caráter público da atividade desenvolvida por eles. Para isso, necessário lembrar-se do voto do Ministro Moreira Alves, no julgamento do Mandado de Segurança nº 22.643–9 SC, DJ de 04.12.98, onde se diz que esses Conselhos – o Federal e os Regionais – foram, portanto, criados por lei, tendo cada um deles personalidade jurídica de direito público, com autonomia administrativa e financeira. Exercem eles a atividade de fiscalização de exercício profissional que, como decorre do disposto nos artigos 5º, XIII, 21, XXIV, é atividade tipicamente pública. Estão eles sujeitos à prestação de contas ao Tribunal de Contas da União por força do artigo 71, II, da Constituição Federal, sem esquecer que, à época da edição da Lei nº 9.649, de 27.05.98, estava em vigor a redação originária do artigo 70 da norma paratípica, que previa fiscalização financeira, contábil, orçamentária, operacional e patrimonial da União Federal e entidades da administração direta e indireta pelo Tribunal de Contas da União.

Esse dever dos Conselhos de Fiscalização de prestar contas ao Tribunal de Contas da União indica essa natureza autárquica, que se soma a outros deveres, como a submissão a regime jurídico próprio do servidor público federal, Lei nº 8.112, naquilo em que se exige o concurso público tal como foi entendido no julgamento do MS 21797–9, Pleno, 9.3.00, DJ de 18.05.01. Absurda se afigura a tese da delegação de poderes a entidade privada de atividade típica do estado, abrangendo atividade de poder de polícia, tributação, punição no que concerne ao exercício de atividades profissionais regulamentadas. Esse o entendimento retirado da leitura da Ação Direta de Inconstitucionalidade, Relator Ministro Sydney Sanches, onde se julgou inconstitucionais o caput e os parágrafos 1º, 2º, 4º, 5º, 6º, 7º e 8º, do artigo 58 da Lei nº 9.649, de 27.05.98.

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Destaque-se, nessa parte do pronunciamento emitido, a finalidade compulsória, já delineada por Ruy Barbosa Nogueira, em Parecer sobre Contribuições Sociais e Empresas Urbanas e Rurais, das contribuições sociais cobradas por essas autarquias corporativas, cujo objetivo é cobrir ou custear os encargos dos benefícios e serviços a serem efetivamente prestados aos respectivos filiados, e não a terceiros ou estranhos e não filiados. Isso porque as contribuições parafiscais pressupõem necessariamente uma contraprestação devida aos jurisdicionados ou usuários do organismo ou serviço particular beneficiário. Impõe-se, pois, o concurso público de provas, para preenchimento de cargos públicos nessas autarquias, na medida em que se vê atividade de poder de polícia, tributação, punição no que concerne ao exercício de atividades profissionais regulamentadas.

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Estão os servidores dessas autarquias, sujeitos ao regime da Lei nº 8.112/90, seguindo-se os ditames expostos no artigo 37, II, da Constituição Federal, que dita que a investidura nos respectivos cargos e empregos públicos, ressalvados os de direção e de confiança, estão condicionados à realização de concurso público.

É certo que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADIN 3.026/DF, Relator Ministro Eros Grau entendeu, por maioria, que em razão da Ordem dos Advogados do Brasil não integrar a Administração Pública, não se haveria de exigir a regra do concurso público. Há, por certo, um evidente tratamento distinto que foi dado aquela Corporação em relação aos demais conselhos federais, do que se entendeu naquele julgamento que se fez em ordem de cognição constitucional concentrada.

Registro, porém, na linha do decidido no MS 22.643-9 – SC, Relator Ministro Moreira Alves, que deve ser destacado que os Conselhos – Federal e os Regionais – foram criados por lei, tendo personalidade jurídica de direito público com autonomia administrativa e financeira. Submetem-se, pois, ao regime republicano do concurso público e da prestação de contas como todos os entes públicos.

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário 539.224 – CE, Relator Ministro Luiz Fux, considerando o caráter jurídico de autarquia dos conselhos de fiscalização profissional, que são criadas por lei e possuem personalidade jurídica de direito público, exercendo uma atividade tipicamente pública, qual seja, a fiscalização do exercício profissional, concluiu pela obrigatoriedade da aplicação a eles da regra prevista no artigo 37, II, da Constituição de 1988, quando da contratação de servidores.

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O Supremo Tribunal Federal tem ainda o registro de decisões monocráticas que aqui cito: RE 611.947, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 6 de setembro de 2011; AI 791.759, Relator Ministro Gilmar Mendes, DJe de 2 de agosto de 2011, quando disse que, tendo em vista o disposto no artigo 37, II, da Constituição Federal, tem-se pela obrigatoriedade do respeito à regra do concurso público para a investidura em cargo ou emprego público.

É certo que o Ministro Marco Aurélio, lembrou que não poderia ser dado um tratamento linear na matéria, uma vez que quanto à Ordem dos Advogados do Brasil, há uma autarquia corporativista.

Em sendo assim, o Supremo Tribunal Federal, nos autos da ADI 3.026/DF (Relator Ministro Eros Grau, julgado em 8/6/2006, DJ 29/9/2006), firmou o entendimento de que a Ordem dos Advogados do Brasil - OAB é uma entidade sui generis, constituindo “serviço público independente”, não sendo autarquia federal e nem integrando a Administração Pública Federal.

No julgamento da ADI 3026, o Supremo Tribunal Federal deixou consignado:

1. A Lei 8.906, artigo 79, § 1º, possibilitou aos ¨servidores¨ da OAB, cujo regime outrora era estatutário, a opção pelo regime celetista, sendo a compensação para a escolha a indenização paga à época da aposentadoria;

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2. Não procede a alegação de que a OAB sujeita-se aos ditames impostos à Administração Pública Direta e Indireta;

3. A OAB não é uma entidade da Administração Indireta da União, pois é serviço público independente, categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro;

4. A OAB não está incluída na categoria na qual se inserem essas que se tem referido como ¨autarquias especiais¨ para pretender-se afirmar equivocada independência das hoje chamadas ¨agências¨;

5. Por não se consubstanciar uma entidade da Administração Indireta, a OAB não está sujeita a controle da Administração, nem a qualquer das suas partes está vinculada;

6. A OAB possui finalidade institucional;

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7. É incabível a exigência de concurso público para a admissão dos contratados sob o regime trabalhista pela OAB.

Tem-se, de toda sorte, como pública a atividade realizada pela OAB.

Ora, observe-se a redação do artigo 327 do CP.

Art. 327 - Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.

§ 1º - Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública.

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§ 2º - A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes previstos neste Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público.

Funcionários públicos, em sentido estrito, são os concursados, detentores de cargo de carreira e remunerados. Já os funcionários públicos lato sensu, são os que exercem função típica, transitória e sem remuneração, como os jurados. Os equiparados são aqueles que exercem cargo ou função em entidades paraestatais, empresas contratadas ou conveniadas para execução de atividade típica.

Como fica a situação dos servidores da OAB diante dos ditames desse artigo 327 do CP?

Informou o portal de notícias do STJ, em 25.6.2024, que para a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), embora a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) não integre a administração pública, seus funcionários são equiparados a servidores públicos para fins penais, conforme previsto no artigo 327, parágrafo 1º, do Código Penal.

O entendimento foi reafirmado pelo colegiado ao negar habeas corpus a um homem condenado pela participação em esquema de corrupção que tinha por objetivo fraudar exames de admissão na OAB. O esquema foi investigado na Operação Passando a Limpo.

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Realmente o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp 1.977.628/GO, entendeu que “a Ordem dos Advogados do Brasil é uma autarquia sui generis, que presta serviço público de fiscalizar a profissão de advogado, função essencial à administração da Justiça, nos termos do art. 133 da Constituição, e típica da Administração Pública” ( REsp n. 1.977.628, Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), DJe de 5/8/2022.).

Relator do habeas corpus, o ministro Ribeiro Dantas lembrou que o Supremo Tribunal Federal (STF), na ADI 3.026, estabeleceu que a OAB não é autarquia federal nem integra a administração pública, mas se constitui em entidade sui generis, um tipo de serviço público independente.

“As conclusões do Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 3.026/DF, no sentido de que a OAB não faz parte ou se sujeita à administração pública, não têm o condão de afastar o presente entendimento, alterando a condição de funcionário público por equiparação do empregado da OAB, pois a referida decisão não retirou a natureza pública do serviço prestado pela entidade, vinculado à sua finalidade institucional de administração da Justiça, relacionada ao exercício da advocacia”, concluiu o ministro.

O entendimento se deu no julgamento do HC 750.133.

O art. 327, § 1º, do Código Penal equipara a funcionário público para fins penais aquele que “exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública”, como neste caso da Ordem dos Advogados do Brasil.

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Tem-se que é da competência da Justiça Comum Federal, a teor do artigo 109, I, da Constituição Federal, para instruir e julgar crimes contra a Administração Pública que envolvam servidores da Ordem dos Advogados do Brasil.

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Rogério Tadeu Romano
Procurador regional da República aposentado, professor de Processo Penal e Direito Penal e advogado. Foto: Arquivo pessoal
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