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Opinião|Os vícios da instrução normativa que regulamenta os efeitos da lei do voto de qualidade

Ora, se há empate de votos, não se formou um consenso quanto à procedência da acusação fiscal. Restando dúvida, a norma deve ser interpretada de maneira favorável ao contribuinte, ocasionando, pelo menos, o cancelamento de todas as multas aplicadas (seja de ofício, qualificada, duplicada, isolada, de mora ou aduaneira)

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Por Sérgio Grama Lima, Bruno Romano e Leonardo Rubim Chaib

Em 20/09/2023, foi publicada a Lei nº 14.689, que teve por objeto principal o restabelecimento do voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”). Ademais, a lei incluiu o § 9º-A ao art. 25 do Decreto nº 70.235/72 para estabelecer que “ficam excluídas as multas e cancelada a representação fiscal para os fins penais […], na hipótese de julgamento de processo administrativo fiscal resolvido favoravelmente à Fazenda Pública pelo voto de qualidade previsto no § 9º deste artigo”.

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Ou seja, se um julgamento do CARF for solucionado a favor do Fisco pelo voto de qualidade (após empate no julgamento), então as multas devem ser excluídas. Todavia, em 24/07/2024, foi publicada a IN RFB nº 2.205, por meio da qual a Receita Federal do Brasil (“RFB”), visando regulamentar a matéria, disciplinou que o § 9º-A do art. 25 do Decreto nº 70.235/72 é aplicável apenas às multas:

1. de ofício de 75% sobre a totalidade ou diferença de imposto ou contribuição nos casos de falta de pagamento ou recolhimento, de falta de declaração e nos de declaração inexata (inc. I do art. 44 da Lei nº 9.430/96);

2. isolada de 50% do valor do imposto sobre a renda incidente sobre pagamentos oriundos do exterior e de 50% do valor do imposto sobre a renda da pessoa jurídica apurado por estimativa mensal (alíneas “a” e “b” do inc. II do caput do art. 44 da Lei nº 9.430/96);

3. qualificada de 100% sobre a totalidade ou a diferença de imposto ou de contribuição objeto do lançamento de ofício, aplicada em caso de dolo, fraude ou conluio, nos termos dos arts. 71 a 73 da Lei nº 4.502/1964 (inc. VI do § 1º do art. 44 da Lei nº 9.430/96), afastando a qualificação, mas mantendo a penalidade de ofício de 75% do valor do tributo;

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4. qualificada de 150% sobre a totalidade ou a diferença de imposto ou de contribuição objeto do lançamento de ofício, em caso de reincidência de práticas de dolo, fraude ou conluio (inc. VII do § 1º do art. 44 da Lei nº 9.430/96), afastando tal percentual, mas mantendo a qualificação de 100% do valor do tributo e a representação fiscal para fins penais; e

5. majorada que é aplicada em dobro por embaraço à fiscalização (§ 2º do art. 44 da Lei nº 9.430/96).

Por conta disso, a IN RFB dispôs que o § 9º-A do art. 25 do Decreto nº 70.235/72 não seria aplicável para multas (i) isoladas, (ii) moratórias, e (iii) aduaneiras.

Ocorre que, ao assim dispor, a IN acaba por ser inconstitucional, visto que reconhece que, mesmo havendo uma situação de dúvida, ainda assim o contribuinte deverá ser penalizado com multas, em violação ao princípio do in dubio pro contribuinte.

A Constituição consigna que, em processos acusatórios, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (inciso LVII do art. 5º), sendo a norma que insculpe o princípio do in dubio pro reo, também aplicada nos casos de acusação em processos tributários.

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Isso, porque o art. 112 do Código Tributário Nacional (“CTN”) disciplina que “[a] lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades, interpreta-se de maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto I - à capitulação legal do fato; II - à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou extensão de seus efeitos; III - à autoria, imputabilidade, ou punibilidade; IV - à natureza da penalidade aplicável, ou à sua gradação”.

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Ou seja, primeiro o CTN reconhece que o contribuinte é acusado, e, posteriormente, consigna que a interpretação da legislação deve ser a mais favorável ao contribuinte em caso de dúvida.

Ora, se há empate de votos, não se formou um consenso quanto à procedência da acusação fiscal. Restando dúvida, a norma deve ser interpretada de maneira favorável ao contribuinte, ocasionando, pelo menos, o cancelamento de todas as multas aplicadas (seja de ofício, qualificada, duplicada, isolada, de mora ou aduaneira).

Por essa razão, a IN RFB, ao realizar tal restrição, acabou por criar norma inconstitucional, como também ilegal, pois a Lei nº 14.689/23 não traz qualquer limitação, dispondo apenas que “ficam excluídas as multas” caso o julgamento seja concluído pelo voto de qualidade em favor do Fisco, inexistindo razão para disciplinar quais multas podem e quais não podem ser excluídas em tal cenário, já que a lei não realizou tal distinção.

Tal como leciona Hans Kelsen (Teoria Pura do Direito. 6ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999, pp. 245-246), ao analisar a norma (Lei nº 14.689/23), o intérprete (RFB) não pode exarar regra hierarquicamente inferior (IN RFB nº 2.205/24), consignando entendimento que extrapola ou restringe indevidamente a moldura fixada na norma superior (lei).

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Com isso, é de se concluir que a IN nº 2.205/24 (i) é inconstitucional em razão da violação ao in dubio pro contribuinte (disposto no inc. LVII do art. 5º da Constituição e no art. 112 do CTN), e (ii) é ilegal por ter restringido indevidamente o direito concedido aos contribuintes por meio do § 9º-A do art. 25 do Decreto nº 70.235/72.

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Sérgio Grama Lima
Advogado e sócio da área tributária do escritório Leite, Tosto e Barros Advogados. Foto: Arquivo pessoal
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