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Opinião|Pão e circo

Circo é fundamental, diziam os romanos. E muitos políticos têm trazido diversão para seus seguidores. Dizem que projetos envolvendo costumes causam engajamento. As pessoas se transformam em torcedores fanáticos de um determinado time ou partido

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Por Ricardo Prado Pires de Campos

Dizem que na Roma antiga havia um provérbio associando o êxito do governo a sua capacidade de fornecer para a população dois ingredientes: pão e circo. Isto é, para a manutenção da paz social ou para a manutenção da estabilidade da administração pública bastaria dois elementos tidos como imprescindíveis: alimentação (o pão) e a diversão (o circo). Não foi à toa que o Coliseu acabou obtendo tal fama e dimensão.

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Com a evolução da civilização trocamos a luta de gladiadores e o Coliseu por estádios de futebol, esportes olímpicos e shows de música, dentre outros. É verdade que lutas marciais e competições de luta livre ainda persistem, embora com menor grau de violência.

As formas de diversão se sofisticaram, invadiram inclusive o cenário político. A necessidade de chamar a atenção, dentre milhares de candidatos, faz com que as bizarrices ganhem forma cada vez mais inusitadas. E elas vêm inclusive daqueles que já estão no poder, mas pretendem continuar ou galgar maior espaço.

Recentemente, tivemos uma sucessão de projetos legislativos que ganharam a atenção da mídia graças a essas bizarrices, mas algumas maldosas. Do Congresso Nacional veio o projeto para punir como homicida as vítimas de estupro que fizessem o aborto legal. Ou seja, queriam transformar o aborto legal em ilegal e, mais ainda, queriam obrigar meninas a levar a termo uma gravidez indesejada, traumática, fruto de atos de violência. Mas esse não foi o único. Da Câmara Municipal de São Paulo surgiu a “brilhante ideia” de punir a caridade: doar comida para pessoas famintas seria proibido. O objetivo: desaparecer com os “moradores de rua”. Ora, é evidente o absurdo de projetos desta espécie, mas eles ganham espaço na mídia. Pior, seus autores passam a ser conhecidos e, com isso, conseguem se eleger. “Falem bem ou mal, mas falem de mim”, essa máxima se aplica perfeitamente na política.

As pessoas dão atenção para bizarrices; mas não para quem fala coisas sérias, em tom de voz normal. Tem candidato que fez campanha aos berros, com xingamentos, e foi eleito. Há momentos, em que a discussão dos grandes temas de interesse do país, cede espaço para a diversão: tudo vira um grande circo com os diversos atores executando os mais diferentes malabarismos para ganharem e manterem a atenção do grande público.

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As redes sociais seguem na mesma linha, afinal, se divertir é uma necessidade do ser humano, e ela vem permeada nos mais diferentes assuntos. Quanto mais sério o tema, mais eficiente o humor.

Não foi por acaso que, em alguns lugares, se proibiu a piada e até o humor. Religião era assunto sério, não podia brincar dentro da missa. No entanto, alguns pastores descobriram o sucesso divertindo seus fiéis, ou seguidores.

Circo é fundamental, diziam os romanos. E muitos políticos têm trazido diversão para seus seguidores. Dizem que projetos envolvendo costumes causam engajamento. As pessoas se transformam em torcedores fanáticos de um determinado time ou partido.

É verdade que essas propostas, por vezes, sequer são para valer. São factoides para distrair a torcida enquanto “a boiada passa”, ou enquanto se aprova a anistia para os partidos políticos ou a reforma tributária.

Esse sistema de marketing que visa gerar reações emocionadas dos seguidores quer usar as pessoas como marionetes, quer garantir sua atenção e seu apoio, sua adesão e seu voto. O mesmo sistema tem sido usado em vendas, não se vende mais um produto, mas “uma experiência” (emoção). Tem sido mais eficiente.

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E com as pessoas se divertindo bastante, mas também se enfurecendo por vezes, a vida continua; e até o pão, em alguns momentos, é esquecido.

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A reforma tributária está sendo votada e quase passa desapercebida pela população. Não fosse o tema da carne, e os debates teriam ficado restritos ao Congresso Nacional e aos lobbies setoriais. Todavia, a decisão sobre a isenção do imposto se atingiria a picanha ou ficaria restrita apenas ao frango, acabou rompendo a bolha do Parlamento, subiu a Esplanada e ganhou as ruas. Afinal, além do circo, é preciso pão. E o pão moderno também se sofisticou, inclui não só carboidratos, mas proteínas e gorduras, vitaminas e sais minerais, dentre outros elementos necessários para uma boa dieta.

Até o momento, a picanha vem vencendo a maratona da isenção tributária, mas a competição é feroz e o resultado imprevisível, afinal, são muitos os concorrentes. Os setores da saúde e da agropecuária são os dois candidatos mais visíveis no caminho do pódio da isenção tributária, mas há outros correndo por fora, e não são poucos os interesses nesse prêmio.

Acompanhar os debates e a competição olímpica entre os diversos setores da economia, também, pode ser divertido para quem consegue enxergar os meandros da disputa. Quiçá a ração nossa de cada dia, digo, o pão nosso de cada dia fique mais acessível após a reforma tributária, mas não se iludam “alguém” vai pagar a conta. Afinal, ela sempre vem. Mas isso, fica para mais tarde, afinal, assunto sério é chateação, sinônimo de trabalho. Antes, vamos apreciar o almoço e o espetáculo. A conta e a louça ficam para depois.

Este texto reflete a opinião do(a) autor(a). Esta série é uma parceria entre o blog do Fausto Macedo e o Movimento do Ministério Público Democrático (MPD). Os artigos têm publicação periódica

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Ricardo Prado Pires de Campos
Mestre em Direito Processual Penal, foi promotor e procurador de Justiça. Ex-presidente do Movimento do Ministério Público Democrático (MPD). Coautor nos livros Em defesa da Democracia (Editora Dialética) e 200 anos de independência do Brasil (Quartier Latin). Foto: MPD/Divulgação
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