Ao olhar a composição dos Tribunais Superiores de seu país, o brasileiro incauto poderia concluir que a população seria predominantemente masculina; ou, ainda, que as mulheres não se interessariam pela área jurídica; ou, pior, que não possuiriam currículo ou competência para integrar a cúpula do Judiciário.
Mas os dados da realidade não enganam: a população brasileira é de maioria feminina e elas estão massivamente presentes nas Faculdades de Direito, na graduação, pós-graduação e na Academia. Por que, então, é tão pouca sua representatividade nos órgãos superiores do Poder Judiciário?
A Constituição estabelece que o Supremo Tribunal Federal (STF) será composto por onze Ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco anos e menos de setenta anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada; já o Superior Tribunal de Justiça, é composto por trinta e três ministros, um terço de juízes dos Tribunais Regionais Federais, um terço dentre desembargadores dos Tribunais de Justiça e um terço, em partes iguais, de advogados e membros do Ministério Público, alternadamente.
No STJ, há atualmente seis mulheres, menos de vinte por cento do Tribunal. No STF, atualmente, a desproporção é semelhante: dos onze componentes, duas são mulheres, uma delas na iminência de sua aposentadoria.
A indicação de Daniela Teixeira eleva o número para sete Ministras, mitigando a pouca presença de mulheres nas Cortes Superiores, devendo ser muito festejada; mas está longe de ser suficiente para reparar a imensa disparidade em proporção entre juristas mulheres e homens de alto gabarito. Acrescente-se que a última mulher indicada havia sido a Ministra Regina Helena Costa, no longínquo ano de 2013, sucedida por oito indicações de homens.
As estatísticas não param por aí. Em todos os seis Tribunais Regionais Federais, a participação feminina não chega a um terço, sendo que em um deles há mísero um oitavo de mulheres em sua composição.
Dados de participação feminina na Magistratura Federal compilados pela AJUFE Mulheres, com informações até 2018, trazem conclusões assustadoras: nada mudou em termos proporcionais de 2008 a 2018 em relação à presença de mulheres nos Tribunais de segunda instância .
Além disso, a maioria das mulheres se promove por antiguidade, sendo preteridas nas listas de merecimento, quando compilados os dados de todas as Regiões. Neste ponto, anote-se os avanços de alguns Tribunais, como o Tribunal Regional Federal da 3a Região, em que diversas Juízas foram indicadas em listas tríplices para promoção por merecimento nos últimos anos.
Esses dados são preocupantes pois, longe de cumprir o que determina a Constituição, a formação de Cortes homogêneas impede o diálogo, aprendizado e enriquecimento trazidos pelas diversas visões de mundo que cada segmento da sociedade possui, que permitem o próprio debate democrático dentro dos colegiados, com a troca de mútuas experiências e avaliações empáticas sobre a posição de cada um.
O Estado Democrático brasileiro, como preconizado pela Carta Magna, busca uma sociedade justa, igualitária, solidária, fraterna e pluralista, sem preconceitos, estando garantida, no art. 5º, a igualdade em direitos e obrigações entre homens e mulheres.
O Poder Judiciário será tão mais democrático quanto mais plural for a sua composição.
O Brasil, como signatário da Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher, ratificada pelo decreto 4.377/02, assumiu os compromissos de “modificar os padrões socioculturais de conduta de homens e mulheres, com vistas a alcançar a eliminação dos preconceitos baseados na ideia da inferioridade ou superioridade de qualquer dos sexos ou em funções estereotipadas de homens e mulheres” e “desenvolver medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher na vida política e pública do país”.
Essa formação predominantemente masculina contribui para a manutenção das estruturas sociais, deixando de ouvir a voz de metade da população ao impedir o acesso de sua visão de mundo ao Judiciário, em especial às Cortes Superiores.
Ruth Ginsburg, falecida Chief Justice da Suprema Corte Norte-Americana, ressaltava a necessidade de ascensão das mulheres a postos mais altos na hierarquia social, justificando que à medida que as mulheres alcançam o poder, as barreiras caem, a sociedade enxerga o que elas podem fazer e maior é o estímulo a outras mulheres se lançarem em projetos e desafios em benefício geral da sociedade.
E que fique bem claro que não se trata de pedir nenhum favor em razão do gênero. Ao contrário, luta-se por igualdade de oportunidades, porque competência e currículo não faltam às mulheres.
Há inúmeras mulheres altamente qualificadas, que preenchem todos os requisitos exigidos pela Constituição Federal para compor a Suprema Corte. Reduzir ainda mais a proporção já tão deficiente é retroceder, o que não pode ser aceito jamais.
*Taís Vargas Ferracini de Campos Gurgel, juíza federal em São Paulo/SP, presidente da Associação dos Juízes Federais de São Paulo e Mato Grosso do Sul (AJUFESP)
*Raquel Coelho Dal Rio Silveira, juíza federal em Campinas/SP, diretora secretária da Associação dos Juízes Federais de São Paulo e Mato Grosso do Sul (AJUFESP)
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