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Paulo Bonavides: o constitucionalista da democracia e da igualdade

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Por Marcus Vinicius Furtado Coêlho
Atualização:
Marcus Vinicius Furtado Coêlho. FOTO: DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO  

Paulo Bonavides integra o grupo de grandes juristas impulsionadores da conformação das instituições, da interpretação e da efetivação do amplo rol de direitos e garantias fundamentais consagrados na Constituição de 1988, documento símbolo da superação da ditadura militar brasileira. Falecido em outubro passado, Bonavides deixou uma obra que extrapola a triste finitude do autor: são ensinamentos embasados na própria definição do Estado de Direito, do modo como instituído no preâmbulo da "Carta Cidadã": um Estado embasado na sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, designada a garantir o exercício dos direitos sociais e individuais, como liberdade, segurança, bem-estar, desenvolvimento, igualdade e justiça.

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Eminente cientista político, historiador, jornalista e jurista, Bonavides nasceu em 1925, na cidade paraibana de Patos. Formou-se em direito em 1948 pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e teve uma ativa vida profissional no Brasil e no exterior. Foi Nieman Fellow Associate em Harvard de 1944 a 1945. Catedrático emérito da Universidade Federal do Ceara? (UFC), da Universidade de Colônia (Alemanha) e da Universidade de Tennessee (EUA), foi fundador e presidente do Conselho Diretivo da Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais, presidente emérito do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional (IBDC), presidente de honra do Instituto de Defesa das Instituições Democráticas (IDID) e presidente da comissão de juristas da OAB para a elaboração do anteprojeto do Código Brasileiro de Processo Constitucional.

Seu livro "Ciência Política", de 1967, é um clássico sobre a Teoria Geral do Estado. É um abrangente estudo sobre as instituições políticas em seus aspectos jurídicos, sociológicos e filosóficos. O livro sublinha assuntos então atropelados pelos manuais, como golpe de Estado, revolução, tecnocracia, partidos políticos e grupos de pressão. Em "História Constitucional do Brasil", ele retratou a evolução social e as transações jurídicas entre a primeira Constituição brasileira, de 1824, até a atual. Em seu clássico "Curso de Direito Constitucional", Bonavides instituiu a teoria da dimensão dos direitos fundamentais, classificando-os a partir do contexto histórico e colacionando-os em gerações associadas aos valores da liberdade, igualdade e fraternidade.

Grande humanista, sempre ecoou o direito de defesa como um dos baluartes da democracia. Reconhecendo o papel da advocacia na consolidação dos direitos e garantias fundamentais, atuou como parecerista, presidente e membro de comissões e palestrante em diversas ocasiões em parceria com a OAB. Ferrenho defensor da ordem constitucional, questionado em 2005 sobre a convocação de uma nova assembleia constituinte, acenou no sentido de sua inconstitucionalidade. "Não podemos achar que é possível resolver crises institucionais por meio do desrespeito à instituição mais importante do país. Se a Constituição pode ser refeita a cada instante, então não há Estado de Direito", disse em 2005, em uma entrevista. Em 2013, compôs junto à OAB o movimento pela defesa da efetividade da Carta de 1988.

A obra de Bonavides evidencia seu compromisso pela construção de um discurso constitucional associado ao esforço de compreensão das limitações de um país em desenvolvimento. Sua interpretação está impregnada de um compromisso de superação de nossas mazelas.

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Em discurso, o grande constitucionalista afirmou: "Este Brasil, em suma, precisa com urgência de transladar-se de uma democracia de falsa representatividade, de sobrevivência apenas na ficção, no papel e nas aparências, em virtude de fazer da Constituição um salvo-conduto da ditadura dissimulada ou da democracia mutilada, que já arruinou três repúblicas constitucionais - a de 1891, a de 1934 e a de 1946 -, para uma democracia da lealdade constitucional, da normatividade jurídica, da participação, da honra, da legitimidade, do estado social, do decoro, da dignidade republicana, da solidariedade federativa, ou seja, portanto, da livre união e autonomia de suas unidades constitutivas."

Nosso eterno mestre nos deixou aos 95 anos. Incansável defensor da igualdade, da democracia participativa e do Estado Social, Paulo Bonavides estará para sempre nas fileiras dos grandes pensadores da história. Um jurista que influenciou não só a leitura constitucional, mas, também, o fazer político e a estabilidade das instituições.

Seu compromisso com a diminuição das desigualdades sociais e pela construção de uma sociedade igualitária, soberana e democrática é uma lição eterna, que nos acompanhará. Seguir na defesa intransigente da ordem constitucional e dos direitos e garantias fundamentais é nossa forma de honrar e agradecer ao inestimável mestre.

*Marcus Vinicius Furtado Coêlho, advogado, é ex-presidente nacional (2013-2016) e atual presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB

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