As trocas de farpas entre o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Beto Simonetti, e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), expõem a insatisfação dos advogados com o que veem como o cerceamento do direito de defenderam seus clientes.
O pano de fundo da rusga é a limitação das sustentações orais – momento em que os advogados expõem seus argumentos antes da abertura da votação.
Os tribunais superiores têm impedido as sustentações no julgamento de algumas modalidades de recursos e pedidos, como os agravos, embargos, petições de suspeição e medidas cautelares. A regra foi incluída nos regimentos internos do Supremo Tribunal Federal, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A OAB insiste que os advogados têm direito a fazer as sustentações orais. A prerrogativa está prevista no Estatuto da Advocacia, que tem status de lei.
Ao longo dos últimos dois anos, Beto Simonetti procurou o STF para conversar sobre o assunto. O presidente da OAB chegou a se reunir com o próprio Moraes, com o atual presidente do tribunal, o ministro Luís Roberto Barroso, e com a ministra Rosa Weber, sua antecessora.
A avaliação, no entanto, é que, até o momento, os ministros ouviram, mas não demonstraram disposição para promover mudanças. Interlocutores do presidente da OAB afirmam que ele considera que ainda há espaço para o diálogo. Uma nova reunião com Barroso deve ser solicitada nos próximos dias.
Em paralelo, medidas alternativas começaram a ser sopesadas, informalmente, para resolver o impasse se não houver um aceno do STF. Advogados veem com ceticismo a chance de uma ação para garantir as sustentações orais prosperar no tribunal. O caminho, para alguns, poderia ser a via legislativa. O Congresso já avança no debate de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para liminar o alcance das decisões monocráticas dos ministros. O texto é aprovado discretamente por uma ala da entidade. Conselheiros da OAB refletem sobre a possibilidade de reproduzir a estratégia.
A limitação das sustentações orais não é a única fonte de insatisfação dos advogados com o STF. A relação vem sendo “estressada” em outras frentes. O julgamento das ações penais dos atos golpistas do dia 8 de janeiro, por exemplo, gerou forte reação da categoria. Uma comissão da OAB elaborou um projeto de lei para proibir a análise de ações criminais no plenário virtual do STF.
A OAB também se mobilizou para garantir que os advogados tivessem acesso aos inquéritos das fake news e dos atos antidemocráticos organizados no feriado de 7 de Setembro de 2021 e aos processos correlatos conduzidos por Alexandre de Moraes.
A seccional da Ordem dos Advogados em São Paulo também saiu em defesa dos advogados dos empresários suspeitos de hostilizarem Moraes no aeroporto de Roma. A entidade pediu que o STF liberasse o acesso aos vídeos das câmeras de segurança do terminal.
Troca de farpas
Em julgamento nesta quinta, 23, no Tribunal Superior Eleitoral, o ministro Alexandre de Moraes barrou um advogado de fazer sustentação oral. Ele argumentou que o direito não está previsto no julgamento de recursos.
“A OAB vai lançar outra nota contra mim, vão falar que eu não gosto do direito de defesa. Vai dar mais uns quatro mil tuítes dos meus inimigos. Então vamos fazer, doutor, a festa do Twitter, das redes sociais”, ironizou o ministro.
No último dia 9, em sessão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, Moras já havia rejeitado um pedido de sustentação oral, o que levou a OAB a divulgar uma nota de repúdio.
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Beto Simonetti, reagiu nesta quinta e pediu respeito às manifestações da entidade.
“Queremos respeito às manifestações da OAB, que é a maior instituição civil do País, representa uma classe que cumpre função essencial à administração da Justiça e sempre se coloca ao lado do Estado Democrático de Direito”, afirmou o presidente da OAB.
Em acordo com os conselheiros e dirigentes das seccionais, Simonetti gravou um vídeo em defesa do direito da categoria às sustentações orais e prometeu buscar uma “solução” na Constituição para o cerceamento da palavra dos advogados. O ministro Alexandre de Moraes não é citado nominalmente.
“Utilizar a palavra nos julgamentos reflete diretamente o direito e o clamor por justiça de mais de 200 milhões de brasileiros e brasileiras que ali se fazem representar por seus advogados e advogadas constituídos”, defendeu.
A manifestação da OAB acontece às vésperas da Conferência Nacional da Advocacia Brasileira. O evento está previsto na próxima segunda, 27, em Belo Horizonte, reduto bolsonarista. A direção da entidade avaliou que um posicionamento claro em defesa da classe era necessário para frear a reação da ala bolsonarista no encontro.
A presidente da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo, Patrícia Vanzollini, também criticou Moraes. Ela classificou a manifestação do ministro como “infeliz”.
“O uso de ironia, de desrespeito, de deboche, não é compatível com a dignidade nem do Supremo Tribunal Federal e nem da Ordem dos Advogados do Brasil”, afirmou. “Esse tipo de tom em nada contribui com a pacificação social (...) e só fomenta a degradação das relações institucionais que já se revelou tão perigosa para a própria democracia.”
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.