Com relação às pretensões da União assumir a segurança pública através de PEC como tema de prioridade federal, sob o suposto argumento de integração, é preciso atentar que 99% dos tipos de crimes previstos na Lei são da esfera estadual. Em suma, o discurso é de integração, mas o que se quer é controle. Melhor seria PEC para que Estados pudessem legislar sobre direito penal, fases procedimental penal e processual penal, além da execução da pena, todos de forma plena, como já foi no passado.
Afinal, no modelo de PEC da (IN)segurança pública defendido pelo setor federal, na prática, os Estados ficarão com as despesas, como é atualmente, mas se for caso que pode dar certo, ou mídia, a União assumiria ou “coordenaria”, afinal nem tem estrutura de pessoal para atuar de forma difusa. Basta comparar o número de policiais federais, os quais são poucos e em cidades maiores, em comparação com as polícias estaduais.
O tema acende os alertas quando a pretensão advém de grupos que trabalharam para implantar as audiências de custódia, com um custo agregado enorme em razão de plantões, transportes (audiências físicas), e ainda alegando redução de presos (e não redução de crimes). E que ainda estão atrasando as datas de audiências de instrução e aumentando as prescrições, pois precisam ser adiadas para gerar vaga para se fazer as audiências de custódia com foco em saber se o preso foi bem tratado na prisão.
Além disso, foi a área federal que impôs a criação do juiz de Garantias, o que será mais uma instância horizontal, e ainda mais prescrições, pois não previu a lei suspensão ou interrupção da prescrição nesta fase. Logo, como já temos um alto índice de prescrições, este índice será superado e gerando ainda mais impunidade. https://www.gazetadopovo.com.br/republica/juiz-de-garantias-pode-levar-a-prescricoes-apontam-criticos/
Temos apenas 600 mil presos no Brasil nos presídios, pois outros 250 mil estão em prisão domiciliar (prisão fake News), mas estes setores ideológicos insistem em tratar como se estivem nos presídios. Temos mais de 7 (sete) milhões de processos criminais ativos e apenas 600 mil presos, mas estes setores ideológicos que se apropriaram de órgãos jurídicos alegam que temos excesso de presos, em vez de excesso de processos ou excesso de crimes.
São estes setores que discutem federalizar a segurança pública e comemoram o número de soltura de presos antes de audiências de custódia, mas nada falam sobre o aumento do número de crimes a cada ano, inclusive a cifra negra de crimes (não informados à Polícia), o qual é avaliado pelo IBGE, em torno de 50% em casos de furtos), mas em casos de golpes pela internet tende a ser muito maior.
Outro aspecto sobre a pesquisas é que o Anuário de Segurança Pública avalia apenas dados que são informados às Polícias, sendo que o IBGE apura também o que não é informado às polícias.
Há órgãos públicos com viés ideológico alegando que nas audiências de custódia há poucas solturas. De fato, quando se é o caso de soltura, na esmagadora maioria das vezes esta é feita antes da custódia. E quando se vai para a custódia é porque a chance de soltura é menor. Ademais, é audiência de custódia e não audiência de soltura.
Outro aspecto é que a audiência de custódia é para verificar se houve violência policial, e alguns estão realizando mesmo que o réu esteja solto, ou seja, “Estado babá”. Afinal, para determinada ideologia o Estado é policial e abusivo, e os criminosos são vítimas do sistema. Embora defendam a ampliação do Estado, um paradoxo retórico, mas que durante o ensino em escolas públicas, em regra, é repetido, e particularmente não entendia muito bem este paradoxo, mas recentemente com aulas pela internet é que foi possível entender esta dubiedade proposital.
No entanto, quem criou a audiência de custódia não a realiza pessoalmente, e delega para assessor, ainda que seja juiz. Ora, se não tem jurisdição plena é assessor, o que acaba transformando em um ato meramente pro-forma, pois não nunca se viu um assessor, seja juiz assessor ou servidor assessor, revogar ato de prisão proferido pelo superior.
O tema de segurança pública está entre os de maior preocupação da população, mas determinada ideologia política é mais preocupada com os criminosos (que acreditam ser vítimas da sociedade e do Estado), e não responsáveis pelos seus crimes.
O Direito Penal sofre diretamente as consequências da ideologia política que predomina, embora muitos acreditem no mito de “isentões”. Por exemplo, a ideologia do garantismo penal tem como base sustentar que os criminosos são vítimas de perseguição do Estado, e apesar de usar verniz de alegados axiomas processuais, estes são apenas para blindar a ideologia. Basta estudar quem é o italiano autor da doutrina, seu amigo jurista na Argentina que aposentou e filiou a determinado partido; e quem foi a equipe brasileira que auxiliou o Autor do Garantismo a acusar o Brasil em um Tribunal de insignificante relevância, durante a pandemia, mas que alvoroçou a imprensa nacional. Para o garantismo o processo penal é para proteger o criminoso, por isso há uma verdadeira “pescaria de nulidades”, ou seja, “fishing for nullities”,
Não há “fishing expedition”, pescaria probatória, como os garantistas alegam, mas sim, pescaria de nulidades pelos garantistas para anularem processos penais com provas robustas, usando firulas processuais sem prejuízo algum à Defesa. É claro que não se consegue processar e provar todos os crimes, mas se conseguiu apurar determinado delito, este deve ser processado, não se pode presumir perseguição, principalmente se provado o crime. Mas, quando criticados os Garantistas querem direito penal máximo, e sem recursos, e outras garantias básicas.
Quanto mais se trata os criminosos como vítimas, mais as pessoas se sentem no direito de cometerem crimes, e inicia-se um círculo vicioso, ainda que se gaste bilhões de reais, não se consegue manter a ordem pública, o crime cresce e organiza-se.
Para se ter ideia de quem tem mais diálogo “cabuloso” com os criminosos basta verificar qual ideologia teve mais de 80% dos votos em presídios. E defendem a criação permanente de uma infinidade de crimes, mas com penas minúsculas (direito penal simbólico) e cumprindo a pena, como se fosse um favor por parte do réu, o que acaba desmoralizando o direito penal, onde deixa de ser apenado e sentenciado para ser um reeducando, como se o Direito Penal tivesse a mágica função de obrigar as pessoas a se reeducarem, pois não sabem que não se pode matar, roubar, estuprar e até mesmo desviar verba pública.
Já o funcionalismo penal, o qual atualmente prevalece na Europa e América Latina, menos no Brasil, tem origem alemã, e expandiu a partir da década de 90 pelo mundo, e preocupa-se em defender a sociedade e as vítimas, mas focam apenas em casos graves, e crimes devem ser por condutas graves e cumprimento de pena com rigor, pois o crime não foi uma imposição social, mas sim uma escolha e vontade por parte do criminoso.
A segurança pública está no centro praticamente de todos os debates por candidatos a prefeito no país, ou seja, os municípios estão sentido esta necessidade em razão da sensação de impunidade, sendo que boa parte provocada pela União que aprova leis frouxas, notadamente na execução penal, preocupa-se mais com os presos do que com as vítimas, e ainda foca em pesquisas com viés ideológicos como divulgar cor de vítimas, mas sem divulgar a cor dos agressores, o que dificulta qualquer política preventiva. Além de incentivar mutirões em execução penal, com juízes mais garantistas indicados sem processo seletivo, e se forem rigorosos, certamente no próximo mutirão não serão convidados. Mas, não se faz mutirão para cumprir os quase 500 mil mandados de prisão em aberto.
A área federal tem apenas 1.000 presos, e ainda, ficam a cargo dos presídios estaduais, pois nos presídios federais há apenas alguns presos de maior periculosidade, ainda que por crime estadual. Portanto, dos quase 600 mil presos, apenas 1.000 ficam a cargo da União, a qual quer assumir a segurança pública de forma centralizada.
Este modelo de “SUS” tem na área de educação em que municípios estão sendo proibidos de ter seu modelo de educação próprio ao argumento de que cabe á União as diretrizes, inclusive nem questões sobre usar a linguagem culta nas escolas podem exigir, e devem aceitar a linguagem neutra. Embora a maioria das despesas fiquem com os municípios e Estados, estes ficam de pires na mão perante a União para receberem parte do Fundeb e para transporte escolar. Quando dá certo o êxito é da União, mas se der problema o problema fica com o Estado e Município.
Na área de saúde também impõe políticas públicas aos Municípios, através de Conselhos Nacionais, inclusive aprovando que determinada religião é uma medida de saúde, mas apenas determinada religião. As demais não, e recursos públicos são destinados para estes locais religiosos e até quem tem fé, ainda que de outras religiões, são obrigados a frequentar cursos financiados pelo Governo nesses locais em que funcionam essa religião que consta como uma espécie de tratamento de saúde.
Conforme os dados do Justiça em ´Números do CNJ, em 2023, verifica-se que:
“A Justiça Estadual é o segmento com maior representatividade de litígios no Poder Judiciário, com 72,9% da demanda. Na área criminal, essa representatividade aumenta para 94,2%. A Figura 157 mostra que o quantitativo de processos novos criminais aumentou em 2021 (de 3,1 milhões para 3,3 milhões entre 2021 e 2022), com posterior diminuição em 2022, voltando para o patamar de 3,1 milhões, registrando variação no último ano de 3,7%. Os três últimos anos da série histórica possuem volume de demanda processual similar ao verificado entre os anos de 2011 e 2014, após a queda na série histórica que foi verificada entre os anos de 2015 a 2019. Quanto ao acervo, após um período de certa manutenção dos valores durante os anos de 2009 a 2019, a partir de 2020 se verifica um salto nos casos pendentes, que passou a atingir 7,1 milhões, mas que diminuiu nos dois anos subsequentes, com no acervo de 8% entre os anos de 2021 e 2022, chegando a 6,4 milhões. O número de baixados cresceu em 11,4%, registrando um total de 3,7 milhões casos solucionados durante o ano de 2022.”
Em pesquisa analisando o PNAD de 2009 pesquisadores da área de economia constataram que:
Os resultados impressionam, já que 66,13% das vítimas de furto não realizaram registro policial. Destaca-se também que 56,29% das vítimas não fizeram o registro policial de que foram roubadas e impressionantes 61,51% das vítimas não registram agressão física. Percebe-se também que o local de maior ocorrência para os três tipos de crime são as vias públicas e as cifras para esses delitos ultrapassam 59%. Percebe-se também em relação aos bens furtados e roubados que as taxas da cifra oculta tendem a ser menores para roubo do que para furto. No crime de agressão física (lesão corporal), em relação ao agressor, as menores taxas de cifra oculta ocorrem quando o agressor é segurança privada (51,26%) e quando o agressor é cônjuge/ex-cônjuge (52,05%). (https://www.scielo.br/j/ee/a/R9pWKkmKBctxjGvDHzpXfTt/)
Um detalhe curioso, é que o meio jurídico, influenciado pelo finalismo (ontológico) não preocupa muito em saber sobre a criminologia e fatores criminógenos, apenas focam em processos judiciais por crimes já cometidos.
Por outro lado, segurança pública não se confunde apenas com polícia, ou similares, pois a maioria dos candidatos querem criar uma espécie de polícia municipal, o que corre o risco de se tornar milícias estatais a serviço de grupos locais, sem controle algum, inclusive podendo candidatar livremente, o que não é permitido para Juízes e Promotores. Tem sido comum criar polícias sem previsão na Constituição, e nem mesmo em lei, como as Polícias legislativas e agora até Polícia Judicial, mas não se pode o Município ter assistência jurídica gratuita (forte lobby para monopólio de pobre) e nem ter presídio municipal. Afinal, não tem vedação para município ter presídio, notadamente CEAPAs ou albergues para regime aberto, em vez de domiciliar ou tornozeleiras, e nisso o município também pode ajudar muito, como melhorias na iluminação pública, mas pouco se fala sobre isso.
No livro Bandidolatria e democídio mostra dados interessantes sobre o número de presos em relação ao número de habitantes, em vários países, além do Brasil. E ficamos em torno da 30ª posição, mas parece que setores técnicos de órgãos jurídicos insistem em focar no número absoluto. Ora, se temos a 7ª população do mundo, é natural que tenha posição similar em número de presos. Este critério é falho, o mais adequado seria dividir pelo número de habitantes, ou pelo número de processos, ou até mesmo de crimes, incluindo nesse último caso, a cifra negra, apurada pelo IBGE.
Focar em segurança pública como se fosse Defesa Social transforma em assistencialismo o combate ao crime, e instrumento de doutrinação banalizando remições (diminuição) de cumprimento de condenações.
A União, de forma inconstitucional, mantém leis federais que violam a autonomia do Estado ao prever que os recursos apurados em processos penais estaduais devem ir para o Fundo da União, ou seja, os Estados ficam com as despesas de Justiça Criminal e Polícias, e depois precisam ficar de pires na mão perante a União para ter recursos complementares com requisitos burocráticos exigidos em Projetos Tecnocratas. No entanto, melhor seria que cada Estado criasse sua política de combate ao crime e ficasse com os bens e valores dos processos criminais na esfera estadual.
A União nem consegue combater os crimes de corrupção no âmbito federal, e tentar controlar o combate a crimes como furtos, roubos, estupros seria ainda mais um fator para impunidade. Na verdade, boa parte da impunidade decorre do setor federal com um código penal e um código de processo penal arcaico e com pequenos retalhos de mudança que acabam gerando confusão e impunidade, como no caso de terem, por erro, colocado dois momentos de recebimento judicial da denúncia, um acrescido em 2008 por lei no processo penal, enquanto todos os países europeus e da América Latina revisaram, por completo, a partir da década de 90 seus Códigos de Processo `Penal, mas para proteger a sociedade e a vítima, e não para proteger o criminoso.
Nesse debate embora seja importante a participação dos municípios em atividades de prevenção, o que se vê nos debates é focar na repressão criando guardas municipais, o que potencializa o risco de milícias partidárias nos municípios. Curioso, que não há muita vontade em se ter a assistência jurídica municipal (atividade de cunho social), mas se quer guarda municipal (poder de polícia).
Recentemente, determinado órgão federal comemorando medidas de combate ao Crime de Violência Doméstica, mas este crime é da alçada estadual. Seria mais adequado o órgão divulgar as medidas exitosas de combate à corrupção no âmbito federal, notadamente, na execução dos contratos de maior valor, e o quanto foi recuperado, não devolvido ao autor do crime, e onde foi investido.
Basta citar que a UNIÂO aprovou lei que tem pena mínima maior para quem bater em cachorro do que quem bater em mulher. E fica com postura de paisagem em relação ao problema gerado, pois não atuam nesta seara, pois são crimes estaduais.
Nem mesmo se sabe efetivamente se a fase de prisão em flagrante é um aspecto processual (privativo da União) ou seria procedimental (podendo ser regulamentado pelos Estados), pois formalmente o processo apenas existe a partir da denúncia pelo Ministério Público.
Se a União quer realmente ajudar na segurança pública pode começar aprovando um Código Penal mais rígido, e enxuto, além de um Código de Processo Penal mais célere, com menos ritos processuais para cada crime, e que geram confusão, e deixar de apropriar dos valores apurados nos processos penais estaduais, pois ainda que previstos em Leis Federais, são é inconstitucional a previsão de entregar os recursos para a União.
Ou então, aprovando PEC permitindo aos Estados legislarem sobre Direito Penal e Processual Penal, e direito prisional, pois assim cada Estado teria a sua política de segurança pública adequada à sua realidade, como tentou recentemente o Estado de Goiás ao criar a figura do crime de incêndio, mas cuja lei foi julgada inconstitucional pelo STF a pedido da PGR.
Em suma, somos uma República Federativa e não um Estado Unitário, logo a autonomia dos Estados precisa ser respeitada e ampliada, e não aniquilada e sufocada. Afinal, boa parte da impunidade decorre da omissão da União em aprovar leis adequadas ao combate ao crime, notadamente com penas mínimas razoáveis e também normas processuais que protejam a vítima e a sociedade em vez de beneficiar o criminoso com prescrições e burocracia processual. Ou seja, a União faz leis penais e processuais ruins, e o problema recai para os Estados, que além do gasto com segurança pública, ainda agora terão que ser submissos às políticas públicas da União e ao grupo ideológico que estiver no controle dos Entes Federais.
Este texto reflete a opinião do(a) autor(a). Esta série é uma parceria entre o blog do Fausto Macedo e o Movimento do Ministério Público Democrático (MPD). Os artigos têm publicação periódica
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