Além de espreitar a atuação do suposto lobista de sentenças Andreson Gonçalves em ao menos doze processos do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a Polícia Federal investiga sua influência em feitos que tramitaram no Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT). Na Corte estadual, Andreson, preso no último dia 26 pela Polícia Federal, teria contado com a parceria do advogado Roberto Zampieri, o ‘lobista dos tribunais’, assassinado a tiros em dezembro do ano passado em Cuiabá.
Vasculhando as mensagens trocadas entre os dois, a PF encontrou um diálogo no qual Andreson “teria questionado ao advogado possível preço para obtenção de decisão judicial favorável com o investigado João Ferreira Filho”.
O Estadão buscou contato com a defesa de Andreson e de João Ferreira Filho (via associação mato-grossense de magistrados). Não houve retorno. O espaço está aberto para manifestações.
Ferreira Filho é desembargador do TJ de Mato Grosso. Em agosto do ano passado, sob suspeita de envolvimento com venda de sentenças, ele foi afastado do TJ por ordem do ministro Luís Felipe Salomão, então corregedor nacional de Justiça - no âmbito dessa mesma investigação, o ministro decretou o afastamento de outro desembargador, Sebastião de Moraes Filho, também do Tribunal de Justiça de Mato Grosso. Este último negou envolvimento quando houve o afastamento.
A informação sobre o desembargador Ferreira Filho consta da decisão do ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal, responsável pela Operação Sinsamnes, investigação da Polícia Federal que levou à prisão de Andreson Gonçalves na semana passada.
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“Pergunta se dá e valor. João Ferreira Filho. Prevento”, perguntou Andreson na conversa.
“Ok. À tarde te falo”, respondeu Roberto Zampieri. .
Segundo o inquérito da PF, a conversa foi mantida no dia 11 de dezembro de 2019, ocasião em que Andreson encaminhou a Zampieri informações sobre um recurso que tramitou no gabinete do desembargador João Ferreira Filho. Partes do processo eram representadas pela mulher de Andreson, a advogada Mirian Ribeiro Rodrigues de Mello Gonçalves.
O recurso versava sobre seis diferentes ações que discutiam a propriedade de cargas de soja e o pagamento de obrigações pactuadas por meio de cédulas de produto rural - promessa de entrega de produtos rurais.
Os clientes de Mirian pediam a suspensão dos processos para que fossem julgados em conjunto. Eles se mostraram preocupados com a possibilidade de levantamento da penhora realizada em um dos casos.
Inicialmente, o pleito de Mirian foi negado por um outro desembargador, Sebastião Barbosa Farias.
Em 21 de janeiro de 2020, Andreson reclamou com Zampieri que não teve êxito no caso. Em resposta, o ‘lobista dos tribunais’, supostamente ‘amigo íntimo’ de desembargadores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, interpelou o colega. Disse que aguardaria o retorno de João Ferreira Filho para que se obtivesse uma decisão favorável por meio de pedido de reconsideração.
Veja o diálogo:
Andreson: Pô, eu jogo tão limpo com você, e sai uma merda dessa. Quem decidiu foi o Sebastião. Moço, era falar que não ia dar. Nem era o João.
Roberto Zampieri: Deixa eu te falar uma coisa, eu te falei que o des. João não estava essa semana, lembra? Agora eu vou esperar o des. João voltar e reconsiderar.
Roberto Zampieri: Peça p [sic] preparar o Agravo Regimental e dar entrada na segunda-feira. Ele retorna p [sic] o TJ na segunda-feira. Ele vai reconsiderar, aquele dia que falei com você eu estava com ele, no gabinete dele, ele sabe que você é além [sic] que resolve lá em cima, ele sabe que você que resolveu o negócio do Jair, e sabe que você é meu amigo. PREPARE o A (agravo) regimental e entra na segunda-feira.
Roberto Zampieri: VAI SER RECONSIDERADO
Menos de uma semana depois, João Ferreira Filho reconsiderou a decisão que havia sido proferida por seu colega. Ele determinou a suspensão das ações de primeiro grau, inclusive uma de execução, até que a Primeira Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de Mato Grosso desse a palavra final sobre o caso.
No despacho assinado no dia 24 de janeiro, João Ferreira Filho citou “nefastos efeitos” das decisões que haviam determinado o arresto de soja contra as clientes de Mirian.
Segundo o desembargador, o despacho “inegavelmente resultaria em danos gravíssimos, diante da iminência de realização de levantamento de altos valores, quando existem discussões acerca da propriedade do produto arrestado e também do efetivo pagamento das obrigações constantes da CPR (Cédula de Produto Rural) que embasa a execução”.
Três dias depois da assinatura do despacho, Zampieri questionou Andreson se ele “conseguiria aquele valor amanhã”, já que precisaria satisfazer “um amigo aqui”. Segundo os investigadores, a frase faz alusão a possíveis pagamentos a João Ferreira Filho. Ao analisar o caso, Zanin entendeu que é “bastante indiciária” a plausibilidade da tese da PF de que “ele” e “nosso amigo” possam corresponder ao desembargador.
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