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Opinião|Pessoas antes da política

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convidado
Por Ivana David e Willian Sampaio*
Atualização:

O Brasil foi o último país a abolir a escravidão. Entretanto, dois anos após a Lei Aurea, criminalizou os libertos, tipificando como crimes o capoeirismo e o curandeirismo, próprios de sua cultura, além de enquadrar os desocupados na vadiagem.

No caso da maconha, no final do século 19, vieram pensamentos como o do médico e político José Rodrigues Dória: a erva era a vingança dos vencidos, dizendo que o “fumo de negro” escravizaria os brancos, conforme registra Luisa Saad.

Ivana David e Willian Sampaio Foto: Arquivo pessoal e Mauricio Garcia de Souza/Alesp

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No século 20 o Brasil copiou a Guerra às Drogas dos Estados Unidos da América, inspirada no proibicionismo de Harry Anslinger, diretor do departamento federal de narcóticos – FDN - de 1930 a 1962, para quem o efeito mais assustador da maconha era causado no negro. Segundo ele, o negro esquecia a diferença racial e deixava aflorar o desejo sexual por mulheres brancas.

As coincidências desses pensamentos mostram que, mais que embasamento químico e farmalogócico, a proibição do uso da maconha se deu lastreada no preconceito.

No caso de outras drogas, ainda nos EUA, nos anos 1900 a bebida mais consumida era a cerveja. Bastou a proibição do álcool naquele país para os destilados se tornarem os mais consumidos. Agregar valor é importante na atividade com risco e Al Capone sabia disso. Com a proibição veio o exercício da força para manter o controle da atividade ilícita exercida com conflitos e mortes.

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Se agregar valor era importante no álcool, também é com as outras drogas. E assim foi percebido, por exemplo, por Pablo Escobar e Joaquim Guzmán (El Chapo).

Hoje o The Global Drug Policy coloca o Brasil como a pior política de drogas no mundo, atrás de Uganda, indonésia, México, Argentina, Colômbia, Canadá, Austrália e, dentre outros mais, Portugal, que há 22 anos implementou política de redução de danos copiada por diversos países. Lá a regulação refletiu inclusive na saúde. Redução drástica, por exemplo, dos casos de HIV e Hepatite C nos usuários de drogas. Nesses 22 anos, segundo a agência Piaget, Portugal diminuiu o uso de drogas consideradas fortes, como cocaína e heroína. O que se viu por lá mostra que descriminalizar e regulamentar é o melhor caminho. É isso que afirmou a então alta comissária para os Direitos Humanos da ONU, Michelle Bachelet, em evento dedicado ao tema “Pessoas antes da política”, em 2019, na cidade do Porto, em Portugal. Bachelet insistiu na ideia de que a guerra a estas substâncias é impulsionada pela convicção de que a repressão pode vir a acabar com o uso de drogas. No entanto, para a alta comissária, a realidade mostrou o contrário, pois “após décadas dessa abordagem, os países que a adotaram não estão mais próximos de serem, “livres das drogas” e “o alcance e a quantidade de substâncias produzidas e consumidas são hoje maiores do que nunca.”

O julgamento em andamento no STF parece ser o início da rediscussão sobre drogas no Brasil.

A Lei vigente é errada e atrasada. Droga é e deve ser tratada, em primeiro lugar, como tema de saúde pública. O tráfico, a associação tráfico, o contrabando, o descaminho, temas do Direito Penal, devem ser analisados sob a ultima ratio, como se ensina nas faculdades, longe do “punitivismo populista”, como diz o professor da Sciences Po, de Paris, Gabriel Feltran, pesquisador do tema, ou punitivismo lacrador que busca voto mas não soluciona o problema.

Mas a discussão não deve ser pautada pelos grupos de Whattsapp, nos quais pessoas que criticam com veemência (eufemismo) os votos dos Ministros do STF, depois tomam Zolpidem (droga lícita) e vão dormir, enquanto seus filhos (criminosos, segundo critérios dessas mesmas pessoas) fumam um cigarro de maconha no térreo.

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*Ivana David, desembargadora no TJ/SP

*Willian Sampaio, advogado, foi subsecretário de Assuntos Estratégicos e secretário adjunto de Estado da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo 2007/2010

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