A Polícia Federal aponta que o influenciador bolsonarista Allan dos Santos, dono do canal Terça Livre, tentou influenciar o presidente Jair Bolsonaro e os parlamentares da base aliada a darem um golpe de Estado durante as manifestações antidemocráticas realizadas entre abril e maio de 2020. As informações estão contidas nos autos do inquérito das milícias digitais, relatado pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Documento
Leia a íntegra do inquérito"A partir da posição privilegiada junto ao Presidente da República e ao seu grupo político, especialmente os Deputados Federais Bia Kicis, Paulo Eduardo, Martins, Daniel Silveira, Caroline de Toni e Eduardo Bolsonaro, dentre outros, além e particularmente o Ten-Cel. Mauro Cesar, ajudante de ordens do Presidente da República, a investigação realizada pela Polícia Federal apresentou importantes indícios de que Allan dos Santos tentou influenciar e provocar um rompimento institucional", relata o inquérito.
O inquérito das milícias digitais foi aberto em julho do ano passado para investigar a atuação de uma organização criminosa que atua nas redes sociais com o intuito de produzir, publicar, financiar e distribuir conteúdo político que atenta contra as instituições democráticas.
A investigação da PF mostra que durante as manifestações em apoio ao governo, realizadas nos dias 19 e 26 de abril e 6 de maio de 2020, Allan dos Santos encaminhou mensagens ao ajudante de ordens de Bolsonaro frisando a "necessidade de intervenção militar". A conversa termina com a declaração de que "as FFAA (Forças Armadas) precisam entrar urgentemente", pois "não dá" mais para aceitar decisões do STF citadas na conversa. O relatório da investigação divulgada ontem não cita se houve resposta.
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No dia 19 de abril, Bolsonaro discursou durante um ato em Brasília em frente ao Quartel General do Exército em que milhares de manifestantes defendem a intervenção militar e o fechamento do STF e do Congresso. "Nós não queremos negociar nada. Nós queremos é ação pelo Brasil. O que tinha de velho ficou para trás. Nós temos um novo Brasil pela frente. Todos, sem exceção, têm que ser patriotas e acreditar e fazer a sua parte para que nós possamos colocar o Brasil no lugar de destaque que ele merece. Acabou a época da patifaria. É agora o povo no poder", disse Bolsonaro.
O discurso golpista dentro e fora do governo é alvo de várias investigações. No mês passado, o procurador-geral da República, Augusto Aras, abriu uma apuração preliminar contra o ministro da Defesa, Walter Braga Netto, por ter ameaçado a realização das eleições em 2022. Como revelou o Estadão em julho, o ministro pediu a um interlocutor para enviar um recado "a quem de direito" com a mensagem de que não haveria eleições no ano que vem, se não houvesse impressão dos votos e contagem pública dos resultados.
O interlocutor escolheu o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressista-AL), para receber o recado. A PGR apura "possível infração político-administrativa" cometida pelo ministro.
Sigilo
Os documentos do inquérito das milícias digitais foram divulgados na íntegra por conta da expiração do prazo da investigação da PF. A delegada Denisse Dias Rosas Ribeiro encaminhou os autos ao ministro Moraes para que ele avalie se é necessário fixar um novo prazo para terminar a apuração.
A PF relata que laudos preliminares identificaram ataques sistematizados às instituições e a opositores do governo. Segundo os autos, as redes sociais são utilizadas como instrumento de "agressão, propagação de discurso de ódio e de ruptura ao Estado Democrático de Direito".
A delegada também enviou ao STF questionamento sobre a duração do inquérito que tem Bolsonaro como alvo. O presidente foi incluído em uma investigação já aberta após disseminar informações falsas a respeito das eleições em uma "live" no Palácio do Planalto em julho deste ano. Na época, Moraes atendeu a um pedido do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e determinou a instauração de investigação contra o presidente em razão das alegações sobre fraudes nas urnas eletrônicas. O caso foi autuado à parte, mas distribuído por prevenção ao inquérito das fake news. A parte que envolve Bolsonaro, porém, está sob sigilo.
Procurados, Allan dos Santos e o Palácio do Planalto não se manifestaram.