Se as investigações da Operação Churrascada haviam revelado indícios de suposta venda de sentenças envolvendo o desembargador Ivo de Almeida, do Tribunal de Justiça de São Paulo, conversas mantidas por ele com o atual secretário-executivo de Segurança Pública de São Paulo, delegado Osvaldo Nico Gonçalves, levaram a Polícia Federal a enquadrar o magistrado também por advocacia administrativa, por três vezes.
No celular de Ivo, a PF recuperou diversas solicitações de favores a Nico, atual número 2 da Segurança Pública do Estado. Na avaliação dos investigadores, as mensagens do desembargador indicam “evidente interferência na gestão da prestigiada Polícia Civil de São Paulo”.
Nico, delegado com larga experiência e prestígio na Polícia paulista, não é investigado. Sua conduta não está sob suspeita. Antes de chegar ao topo na hierarquia da Segurança, ele foi diretor do Departamento de Operações Policiais Especializadas (Dope) e delegado-geral da Polícia Civil. Seu nome é citado no inquérito da Churrascada apenas porque mensagens gravadas no celular do desembargador mostram que ele procurou o delegado.
Ivo foi indiciado em cinco crimes - advocacia administrativa, associação criminosa, lavagem de dinheiro, corrupção e violação de sigilo. O desembargador está afastado das funções desde junho, por ordem do ministro Og Fernandes, relator da Churrascada no Superior Tribunal de Justiça.
No interrogatório a que foi submetido na PF, Ivo de Almeida confirmou ter encaminhado os pedidos. Ele disse que, por ter sido juiz-corregedor da Polícia Civil, “conhece bastante policiais”.
As mensagens do magistrado levaram os investigadores a concluir que Ivo, “utilizando sua evidente influência e qualidade de desembargador, patrocinou diretamente interesse privado perante a alta administração da Polícia Civil de São Paulo”.
Para a PF, o magistrado patrocinou por três vezes interesse privado perante a Polícia paulista, “valendo-se da qualidade e do prestígio do cargo de magistrado, especialmente por já ter sido juiz-corregedor da referida instituição de segurança pública”.
Os investigadores citam desde solicitações de ingressos de carnaval e de futebol a até pedidos envolvendo a promoção e remoção de policiais amigos do desembargador.
O favor “mais grave” solicitado por Ivo, no entendimento da Operação Churrascada, estaria relacionado a um escrivão que havia sido removido de cargo de chefia por, rotineiramente, apresentar-se ao trabalho embriagado.
Em uma mensagem recuperada pela PF, de setembro de 2022, o desembargador pediu ao delegado que interferisse no caso de seu “amigo”, o escrivão. Nico alertou o magistrado que o escrivão fora afastado por “estar de fogo” no expediente.
Ivo alegou que “não procede aquilo que disseram que ele (escrivão) está bebendo durante o expediente”. O delegado explicou que iria “conversar bastante com ele (escrivão)”.
Outros pedidos do magistrado envolveram a promoção de um amigo seu e a remoção de um delegado - também amigo de infância do desembargador - que estaria sendo transferido de uma delegacia por ter confrontado o chefe.
Nico disse que tem uma consideração muito grande pelo desembargador “por sempre ter sido justo com a Polícia”.
COM A PALAVRA, O DELEGADO NICO GONÇALVES
Ao Estadão, o delegado Nico Gonçalves disse que conhece o
desembargador Ivo de Almeida, uma vez que ele foi corregedor do Departamento de Inquéritos Policiais da Capital (Dipo). Nico disse que mantinha com o desembargador uma “relação de trabalho”.
O delegado afirmou que indicações são recebidas habitualmente. A indicação, anotou, é apenas um critério para ser submetido ao trâmite no Conselho da Polícia Civil, “não havendo, em nenhuma hipótese, ingerência indevida”.
“Fato que é comprovado pela não aceitação de algumas das indicações do corregedor”, esclareceu Nico.
COM A PALAVRA, A DEFESA DO DESEMBARGADOR
Manifestamente arbitrário e ilegal: é assim que a defesa classifica o indiciamento promovido pela Autoridade Policial.
“Coincidentemente”, no mesmo dia em que o desembargador Ivo de Almeida pediu ao Ministro Og Fernandes a revogação das medidas cautelares impostas, a autoridade policial indiciou, de forma desesperada e abrupta, o magistrado com a finalidade única de tentar salvar uma investigação que, desde o início, se mostrou sem fundamento.
Não há nos autos nenhuma decisão dada em sede de plantão, nem monocrática proferida pelo desembargador sob investigação. De igual forma, restou provado que nunca existiu decisão favorável a qualquer chefe de facção criminosa proferida pelo desembargador Ivo de Almeida.
Os depoimentos e as perícias realizadas no curso do inquérito policial, para além de comprovarem a absoluta inocência do desembargador, demonstram que ele foi vítima de um ex-amigo – falecido em 2019 – que vendia ilusões valendo-se do nome e do prestígio do magistrado, sem que este soubesse de nada e, principalmente, tivesse qualquer ganho financeiro.
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