A Polícia Federal (PF) deflagrou na manhã desta terça-feira, 26, uma operação batizada 'Cianose' para investigar supostas irregularidades na compra de 300 ventiladores pulmonares pelo Consórcio Nordeste durante a primeira onda da pandemia da covid-19. A PF calcula que os desvios podem alcançar R$ 49 milhões. O governador da Bahia, Rui Costa (PT), é investigado, mas não foi alvo da operação.
Agentes cumpriram 14 mandados de busca e apreensão no Distrito Federal, em São Paulo, no Rio de Janeiro e na Bahia. As ordens foram expedidas pelo ministro Og Fernandes, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), e as diligências contaram com a participação de auditores da Controladoria Geral da União. Não há governadores entre os alvos da ação.
De acordo com a Controladoria-Geral da União (CGU), os investigadores identificaram um suposto esquema envolvendo lobistas, empresários, agentes públicos e empresas que atuavam, principalmente, na Bahia e em São Paulo.
Os investigadores suspeitam de crimes de estelionato em detrimento de entidade pública, dispensa de licitação sem observância das formalidades legais e lavagem de dinheiro.
De acordo com a PF, as apurações se debruçam, principalmente, sobre o pagamento antecipado do contrato de fornecimento dos respiradores, em valor integral, sem garantia contra eventual inadimplência por parte da empresa contratada. A corporação diz que nenhum respirador foi entregue.
O acordo foi fechado em abril de 2020 e ficou definido pelos integrantes do Consórcio que, cada Estado da região Nordeste receberia 30 equipamentos - com exceção da Bahia, que ficaria com 60 respiradores.
O processo, por meio de dispensa de licitação, foi formalizado pela Secretaria de Saúde do Estado da Bahia. Em auditoria, a CGU diz ter identificado que não constava do procedimento justificativa para escolha da empresa, que se dedicava à comercialização de medicamentos à base de Cannabis. O órgão também afirmou não ter encontrado 'qualquer comprovação de experiência ou mesmo capacidade operacional e financeira para cumprir o contrato'.
A auditoria também questionou o fato de o pagamento ter sido realizado de forma antecipada, no valor de quase R$ 49 milhões, 'sem as devidas garantias contratuais e sem observar as orientações da Procuradoria Geral do Estado'.
A CGU diz que os respiradores nunca foram entregues e que o contrato foi rescindido sem que houvesse a restituição da quantia paga, 'resultando no prejuízo aos cofres públicos correspondente ao valor integral contratado (R$ 48.748.575,82)'.
A ação é um desdobramento da desdobramento da Operação Ragnarok. O ministro Og Fernandes, relator do caso no STJ, considerou que a nova fase da investigação é 'imprescindível' para aprofundar as apurações e preservar eventuais provas.
"O pedido de aprofundamento das investigações foi apresentado pela PF, e chancelado pelo Ministério Público Federal, para desvendar aparente engrenagem criminosa com diversas ramificações e envolvimento de grande número de pessoas, inclusive autoridades públicas", informou o STJ.
COM A PALAVRA, O CONSÓRCIO
"A aquisição conjunta de ventiladores pulmonares pelo Consórcio Nordeste foi realizada logo no início da pandemia, tendo como fundamento o art. 4º da Lei n º 13.979/2020, em processo administrativo que observou todos os requisitos legais. No entanto, o Consórcio foi vítima de uma fraude por parte de empresários que receberam o pagamento e não entregaram os aparelhos, fato que foi imediatamente denunciado pelo próprio Consórcio Nordeste às autoridades policiais e ao judiciário, através de ação judicial que resultou na prisão desses empresários e no bloqueio de seus bens. O Consórcio Nordeste segue aguardando a apuração desse crime, o julgamento e punição dos responsáveis e a devolução do dinheiro aos cofres dos respectivos estados."
COM A PALAVRA, O GOVERNO DA BAHIA
Em relação à compra de respiradores, o Estado da Bahia conquistou duas vitórias contra as empresas Ocean 26 INC e a Pulsar. A Ocean 26 INC devolveu o valor após acordo judicial, a partir de ação movida pela Procuradoria Geral do Estado (PGE); e a Pulsar, voluntariamente, após a notificação extrajudicial feita. Além disso, todos os esforços foram esgotados no âmbito administrativo no sentido de apurar as responsabilidades.
A PGE também acompanha a situação quanto à compra dos respiradores pelo Consórcio Nordeste da empresa Hempcare. Logo após a recusa da empresa em fornecer os bens contratados ou devolver o valor pago, foi dada a notícia crime, permitindo a imediata instauração de investigação policial, que resultou na prisão preventiva dos envolvidos, no que ficou conhecida por Operação Ragnarok. Também se ingressou com ação ordinária cível para lograr bloqueio dos bens localizados em nome da empresa e de seus representantes e, após, obter a devolução do valor pago. As providências tomadas contra os indiciados fizeram com que seus advogados de defesa buscassem a formalização de um acordo para a devolução do pagamento feito pelos equipamentos que não foram entregues.
Entretanto, antes que as negociações avançassem, em uma medida surpreendente, o Ministério Público Federal (MPF) assumiu a apuração do caso, com envio para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), e os indiciados foram liberados.
No campo administrativo, o Estado da Bahia ainda instaurou sindicância para apuração dos fatos (eventuais alterações ocorridas na minuta do contrato administrativo, após a sua aprovação pela PGE), com identificação dos responsáveis. O resultado da sindicância já foi encaminhado ao Ministério Público do Estado (MPE). O Consórcio Nordeste, à época liderado pelo Estado da Bahia, também instaurou processo administrativo sancionatório contra a empresa Hempcare, na qual foi já ela condenada e hoje está impedida de negociar com qualquer ente público.
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