BRASÍLIA – A Polícia Federal indicou que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) usou dinheiro em espécie obtido por meio da venda de joias desviadas da Presidência da República para bancar as despesas dele e da família na temporada de três meses que ficou nos Estados Unidos, no início de 2023. Bolsonaro viajou ao País norte-americano no último dia do seu mandato.
Leia também
“A análise contextualizada das movimentações financeiras de Jair Messias Bolsonaro no Brasil e nos Estados Unidos demonstra que o ex-presidente, possivelmente, não utilizou recursos financeiros depositados em suas contas bancárias no Banco do Brasil e no BB América para custear seus gastos durante sua estadia nos Estados Unidos, entre os dias 30 de dezembro de 2022 e 30 de março de 2023″, diz relatório da Polícia Federal.
“Tal fato indica a possibilidade de que os proventos obtidos por meio da venda ilícita das joias desviadas do acervo público brasileiro, que, após os atos de lavagem especificados, retornaram, em espécie, para o patrimônio do ex-presidente, possam ter sido utilizados para custear as despesas em dólar de Jair Bolsonaro e sua família, enquanto permaneceram em solo norte-americano”, complementa.
A defesa de Bolsonaro argumenta que todos os presentes recebidos seguiram protocolo rigoroso de tratamento e catalogação pelo Gabinete Adjunto de Documentação Histórica da Presidência da República (mais informações abaixo).
Segundo a PF, o uso de dinheiro em espécie para pagamento de despesas cotidianas é uma das formas mais usuais para reintegrar o “dinheiro sujo” à economia formal, com aparência lícita.
Bolsonaro foi indiciado na última semana por crimes de associação criminosa, peculato e lavagem de dinheiro. Nesta segunda-feira, 8, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes retirou o sigilo do relatório final da PF e deu 15 dias para que o procurador-geral da República, Paulo Gonet, se manifeste sobre a conclusão dos investigadores. O caso das joias foi revelado pelo Estadão em março do ano passado.
Leia também
Segundo a PF, a associação criminosa tentou desviar joias avaliadas em R$ 6,8 milhões. Os bens incluem relógios de luxo das marcas Rolex e Chopard, além de canetas, colar e brincos. Os valores obtidos das vendas dos presentes eram convertidos em dinheiro em espécie e ingressavam no patrimônio pessoal do ex-presidente, por meio de pessoas interpostas.
Em um áudio obtido pela Polícia Federal, o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, afirma que seu pai, o general Mauro Lourena Cid, estaria em posse de US$ 25 mil, que deveria ser entregue em espécie a Bolsonaro.
“Eu acho que quanto menos movimentação em conta, melhor né? Tem 25 mil dólares com meu pai. Eu estava vendo o que que era melhor fazer com esse dinheiro, levar em ‘cash’ aí. Meu pai estava querendo inclusive ir aí falar com o presidente”, afirmou Mauro Cid, em 18 de janeiro de 2023, em conversa com o coronel Marcelo Câmara, assessor do ex-presidente. Na ocasião, Bolsonaro estava em Orlando, nos Estados Unidos.
O relatório final da PF indicava inicialmente que as joias desviadas pela associação criminosa ligada a Bolsonaro eram avaliadas em R$ 25,3 milhões. Após a retirada do sigilo, a PF disse que houve “erro material” e que o valor verdadeiro é de R$ 6,8 milhões.
No X (antigo Twitter), Bolsonaro afirmou que vai aguardar “muitas outras correções” por parte da Polícia Federal sobre o inquérito do caso das joias. “Aguardemos muitas outras correções. A última será aquela dizendo que todas as joias ‘desviadas’ estão na CEF (Caixa Econômica Federal), Acervo ou PF, inclusive as armas de fogo”, escreveu.
COM A PALAVRA, A DEFESA DE BOLSONARO
A defesa de Bolsonaro argumenta que os presentes recebidos pelo ex-presidente seguem um protocolo rigoroso de tratamento e catalogação pelo Gabinete Adjunto de Documentação Histórica (GADH), sem influência do ex-chefe do Executivo. Cita, também, relógios de luxo que ficaram com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas que não foram objetos de investigação da Polícia Federal, o que demonstraria tratamentos diferentes entre os dois.
“A despeito de tratar-se de situação absolutamente análoga, inclusive quanto a natureza e valor expressivo do bem, o ministro Alexandre de Moraes, na condição de relator da presente investigação, determinou o pronto arquivamento da representação, em 6 de novembro de 2023, sem declinar as razões que tornariam aquela situação e a do ex-presidente Bolsonaro não”, afirmam os advogados Paulo Cunha Bueno e Daniel Tesser.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.