Ao indiciar o ex-presidente Jair Bolsonaro por associação criminosa e inserção de dados falsos em sistema de informação, a Polícia Federal correlacionou a fraude na carteira de vacinação do ex-chefe do Executivo à apuração que o colocou no centro de uma suposta tentativa de golpe de Estado.
Segundo os investigadores, o ex-presidente e seus aliados podem ter emitido os cartões de vacina falsificados para que, ‘após a tentativa inicial de golpe de Estado, pudessem ter à disposição os documentos necessários para cumprir eventuais requisitos legais para entrada e permanência no exterior, aguardando a conclusão dos atos relacionados à nova tentativa de Golpe de Estado que eclodiu no dia 8 de janeiro de 2023′.
Nas redes sociais, o advogado Fábio Wajngarten, que representa o ex-presidente, disse que seu indiciamento é um ‘absurdo’. Além do ex-chefe do Executivo, foram incriminados outros 16 investigados, entre eles o ex-ajudante de ordens da Presidência, tenente-coronel Mauro Cid, o deputado federal Gutemberg Reis de Oliveira e o ex-major do Exército Ailton Gonçalves Barros.
A indicação sobre a trama golpista foi feita quando o delegado Fábio Alvarez Shor explicou sobre a ligação das fraudes nas carteiras de investigação com as milícias digitais sob investigação no Supremo Tribunal Federal (STF). Ele destacou como a inserção de dados falsos de vacinação no sistema do SUS faz parte do eixo do inquérito que apura o “uso da estrutura do Estado para obtenção de vantagens ilícitas”.
Segundo Shor, a estrutura criminosa criada em Duque de Caxias (RJ) - base da operacionalização das fraudes nas carteiras de vacinação - foi usada para que aliados de Bolsonaro “pudessem burlar as regras sanitárias impostas na pandemia e por outro lado, manter coeso o elemento identitário do grupo em relação a suas pautas ideológicas, no caso, sustentar o discurso voltado aos ataques à vacinação contra a Covid-19″.
Em outro trecho do relatório final da Operação Venire, a PF diz ter identificado Bolsonaro como “difusor inicial das mensagens de conteúdos falsos ou não lastreados em relação às vacinas contra a covid, com objetivo criar um temor e descrédito na população, e com isso, manter coeso o elemento identitário do grupo em relação a suas pautas ideológicas”.
“A recusa em suportar o ônus do posicionamento contrário a vacinação, associada à necessidade de manter hígida perante seus seguidores, a ideologia professada (não tomar vacina contra a covid-19), motivaram a série de condutas criminosas perpetradas”, disse o delegado.
Já com a ponderação sobre o elo entre as fraudes na carteira de vacina e a trama golpista, a PF fecha ainda mais o cerco sobre Bolsonaro. Isso porque a Polícia Federal coloca a inserção de dados falsos no sistema do Ministério da Saúde dentro da cronologia do suposto plano de golpe sob investigação no Supremo.
De acordo com a PF, Bolsonaro deu a ordem para que Cid arranjasse os documentos falsos. O militar então teria buscado o ex-major do Exército Ailton Barros para operacionalizar a inserção dos dados falsos no sistema do SUS, com a ajuda do Secretário Municipal de Duque de Caxias, João Carlos de Sousa Brecha.
As informações falsas sobre as vacinas que Bolsonaro foram inseridas no sistema do SUS no dia 21 de dezembro de 2022. As doses teriam sido ministradas em agosto e outubro do mesmo ano, meses após a suposta imunização – o que levantou suspeitas da PF, vez que os dados, em geral, são enviados imediatamente ao Ministério da Saúde.
Seis dias depois, as informações foram excluídas por uma servidora, Claudia Helena Acosta Rodrigues da Silva (também indiciada) sob a justificativa de erro. O mesmo teria ocorrido com os dados da vacinação da filha do ex-presidente Laura Bolsonaro.
Nesse intervalo, no entanto, os certificados de vacinação do ex-presidente e de sua filha foram emitidos. Cid usou uma impressora do Palácio do Alvorada para imprimir no dia 22 de dezembro, dois arquivos: “Certificado de Vacinação Covid-19″ e “Covid 19 National Vaccination Certificate”. O delator ainda narrou que entregou os papeis nas mãos de Bolsonaro.
Uma semana antes da inserção de dados falsos no sistema do Ministério da Saúde ocorreu uma reunião, no gabinete do então ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, para apresentação da “minuta de golpe” aos comandantes das Forças Armadas. Ela foi apenas uma das que foram convocadas, pelo governo Jair Bolsonaro, para a discussão da suposta tentativa de golpe de Estado.
Tensa, a reunião do dia 14 de dezembro foi marcada pela pronta negativa, pelos ex-chefes do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, e da Aeronáutica, brigadeiro Carlos Almeida Baptista Júnior, de aderir à narrativa de Bolsonaro. Os detalhes do encontro foram narrados à PF em depoimentos tornados públicos na sexta-feira, 15.
Na ocasião, Oliveira disse aos comandantes que teria uma minuta, que gostaria de presentear para ‘conhecimento e revisão’. Nesse momento, Baptista disse ter questionado: “Esse documento prevê a não assunção do cargo pelo novo presidente eleito?”. Oliveira se calou e em seguida o brigadeiro disse que não admitira receber o papel.
Freire Gomes indicou ainda que a versão do decreto apresentada no dia 14 era diferente da que ele havia recebido em outra reunião, no dia 7 de dezembro. Foi em tal encontro que o ex-assessor de Bolsonaro, Filipe Martins teria lido os ‘considerandos’ de um primeiro decreto golpista. Na ocasião, o ex-chefe do Exército ouviu de Bolsonaro que ‘o documento estava em estudo’ e depois o ex-presidente ‘reportaria a evolução aos comandantes’.
Assim, o quadro formado pelos investigadores coloca, cronologicamente, a investida em busca dos certificados falsos de vacinação logo após o estudo, pelo governo Jair Bolsonaro, de medidas de exceção para que ele se mantivesse no poder e a consequente negativa dos então chefes da FAB e do Exército - essa que contou até com alerta de uma possível prisão do ex-presidente.
Também no apagar das luzes do governo Bolsonaro ocorreu a tentativa de resgate de joias sauditas que acabaram apreendidas pela Receita Federal no Aeroporto de Guarulhos - caso revelado pelo Estadão. O confisco também passou a ser investigado pela PF e então foi descortinado um suposto esquema de venda de presentes entregues por autoridades de outros países ao governo Bolsonaro.
Bolsonaro deixou o País rumo aos EUA, no penúltimo dia de seu governo. Não participou da cerimônia de posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. E também não estava no Brasil quando radicais que o apoiavam invadiram a Praça dos Três Poderes e vandalizaram as dependências do Supremo, Congresso e Planalto.
Dias após a intentona golpista, a Polícia Federal vasculhou a casa do então secretário de segurança do Distrito Federal, Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro. Ele também estava fora do País no 8 de janeiro de 2023. Em sua residência, os investigadores encontraram uma versão da ‘minuta golpista’ - a qual, segundo Freire Gomes, teria sido apresentada no dia 14 de dezembro, após ‘ajustes’ feitas pelo ex-presidente.
O registro feito por Shor é o primeiro sobre a apuração entre a ligação entre o inquérito sobre as fraudes na carteira de vacinação e a investigação sobre o golpe de Estado. Trata-se de um indicativo de que os investigadores devem ser aprofundar nas apurações para buscar provas que sustentem tal hipótese de investigação.
Como mostrou o Estadão, a PF aguarda informações do Departamento de Justiça dos Estados Unidos para identificar se o grupo usou os certificados de vacinação ideologicamente falsos para entrar naquele País. Segundo ele, a eventual confirmação pode configurar novas condutas ilícitas.
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, deu 15 dias para que a Procuradoria-Geral da República se manifeste sobre o relatório em que a Polícia Federal indicia o ex-presidente Jair Bolsonaro e mais 16 investigados pela fraude na carteira de vacinação do ex-chefe do Executivo.
Já no bojo do inquérito da suposta tentativa de golpe, a expectativa é a de que os investigadores, cruzem as informações dadas por Cid com os dados coletados nos diversos depoimentos prestados por militares de alta patente. A investigação também conta com as provas que já haviam sido coletadas, assim como as perícias dos matérias coletados na fase ostensiva da Operação Tempus Veritatis. A PF ainda pode fazer novas diligencias - inclusive oitivas - que possam esclarecer o passo a passo da trama golpista sob suspeita.
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COM A PALAVRA, A DEFESA DO EX-PRESIDENTE JAIR BOLSONARO
COMUNICADO AOS VEÍCULOS DE IMPRENSA
A defesa do ex-Presidente Jair Messias Bolsonaro, tendo tomado conhecimento esta manhã, por meio de diversos veículos de imprensa, acerca da decisão de formalização de indiciamento de seu cliente nos autos da Petição 10405, que apura fraudes na confecção de cartões vacinais, vem esclarecer o quanto segue:
1. É público e mundialmente notório, que o ex-Presidente Jair Messias Bolsonaro, por convicções pessoais, jamais fez uso de qualquer imunizante contra COVID-19, a despeito de haver adquirido e disponibilizado milhões de doses a todos os cidadãos brasileiros.
2. Ao ingressar nos Estados Unidos da América (EUA), no final de dezembro de 2022, nenhum atestado vacinal lhe foi solicitado, visto que, na condição de presidente da República, estava dispensado de tal exigência.
3. Ao deixar os EUA, em março de 2023, realizou teste de PCR na véspera, valendo-se de tal documento para regressar ao Brasil.
4. O ex-Presidente JAMAIS determinou ou soube que qualquer de seus assessores tivessem confeccionado certificados vacinais com conteúdo ideologicamente falso.
5. As razões, bastante perfunctórias, indicadas pelo Exmo. Delegado de Polícia Federal, ignoram que não haveria qualquer motivo razoável ou efetividade na falsificação de certificados vacinais em relação ao ex-Presidente e a sua filha, menor de 18 anos.
6. O ex-Presidente não precisava utilizar qualquer documento vacinal, dada sua condição diplomática, para realizar viagem internacional.
7. Sua filha, à época com 12 anos de idade, estaria dispensada de atestado vacinal, visto que nenhum país do mundo impunha a exigência vacinal à crianças.
8. Se, pelas razões expostas, tanto o ex-Presidente como sua filha não necessitavam de certificados vacinais para empreenderem viagem, é inafastável a indagação de qual seria o motivo razoável para que se aderisse a uma arriscada empreitada clandestina e criminosa.
9. Por derradeiro, não é demais obtemperar, de forma hipotética, que se o ex-Presidente, mundialmente conhecido por sua posição pessoal em não utilizar nenhum imunizante, apresentasse um certificado vacinal em qualquer posto de imigração no mundo, séria imediatamente reconhecido e publicamente desqualificado em razão da postura que sempre firmou em relação ao assunto.
10. Assim, a decisão da autoridade policial no caso em apreço se demonstra precipitada, ao menos com relação ao ex-Presidente, visto que não há fundada e objetiva suspeita de sua participação ou autoria nos delitos em apuração.
11. Se qualquer pessoa tomou providências relacionadas às carteiras de vacinação do ex-Presidente e de sua filha, o fez por iniciativa própria, à revelia de ambos, sendo claro que nunca determinaram ou mesmo solicitaram que qualquer conduta, mormente ilícita, fosse adotada em seus nomes. Certamente não há nos autos nenhuma prova de conduta do exPresidente em sentido diverso, sendo certo que não havia nenhuma necessidade para tanto.
São Paulo, 19 de março de 2024
Paulo Amador da Cunha Bueno OAB/SP Nº 147.616 Daniel Bettamio Tesser OAB/SP n.° 208.351 Fábio Wajngarten OAB/SP n.° 162.273
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