O desembargador Júlio Roberto de Siqueira Cardoso, aposentado do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, comprou com dinheiro vivo uma casa de R$ 1,4 milhão no condomínio Quinta das Lagoas, na Praia de Itacimirim, no litoral Norte da Bahia. A Polícia Federal investiga se o imóvel foi pago com propina da venda de decisões.
O magistrado foi procurado pela reportagem, mas não atendeu aos pedidos de comentário. O espaço segue aberto.
A casa tem cinco suítes climatizadas, oito banheiros, quatro vagas de garagem, piscina, churrasqueira, 436 metros quadrados de área construída e mil metros quadrados de área total. Em conversa obtida pela Polícia Federal, o desembargador afirma que o condomínio é “coisa de primeiro mundo”.
A Polícia Federal chegou ao imóvel depois de encontrar um comprovante de transferência de R$ 556 mil para o antigo dono da casa. A transação é de outubro de 2022. O banco confirmou que o valor foi depositado em dinheiro vivo e que “não foram identificadas transações que estejam relacionadas com o referido depósito”.
A PF também localizou um boleto de R$ 509 mil, pago pelo desembargador com dinheiro de origem ainda desconhecida.
Para os investigadores, há “indícios de ilegalidade, na medida em que atualmente é extremamente rara a utilização de altas somas de dinheiro em espécie”. A informação consta na representação da Polícia Federal que desencadeou a Operação Última Ratio, investigação sobre suposto esquema de venda de sentenças no Tribunal de Mato Grosso do Sul.
Em outro trecho do documento, a PF afirma que há “indício de ocultação de parte do valor pago, o que pode configurar crime de lavagem de dinheiro, tendo em vista a utilização de dinheiro em espécie de origem desconhecida (R$ 556.400,00), além de outros valores de origem também desconhecida, podendo ser decorrentes de corrupção”.
Ao analisar as movimentações bancárias do desembargador, a Polícia Federal encontrou nove transferências para o antigo dono da casa, entre outubro de 2022 e novembro de 2023, que somam R$ 924 mil.
Em conversa sobre os pagamentos, Júlio Cardoso afirma que “vai mandar essas quatro (transferências) de 200″. O interlocutor, identificado apenas como João, responde: “Dentro da sua conveniência você vai transferindo. É até bom que você faça isso Júlio, porque se você transferir tudo dum valor só, desperta o banco. Se você puder botar de 200. Não tem problema. Não tem data. Fica a critério seu.”
As mensagens de áudio, enviadas no WhatsApp, foram encontradas na nuvem do desembargador, que teve o sigilo telemático quebrado.
Outra casa está na mira da Polícia Federal. É um imóvel de 351 metros quadrados em um condomínio de luxo em Campo Grande. O desembargador declarou à Receita Federal que comprou a casa por R$ 1,4 milhão em 2018. Segundo a PF, o imóvel vale pelo menos R$ 3,5 milhões.
“Assim, a nosso ver, há indícios de que Júlio Cardoso declarou valor de aquisição de tal imóvel abaixo do real para ocultar a origem dos recursos utilizados, podendo ter natureza ilícita”, afirma a Polícia Federal.
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Além disso, os investigadores não encontraram transferências bancárias envolvendo o pagamento da casa. “Não foi possível esclarecer qual a origem do dinheiro utilizado na aquisição de tal imóvel.”
Foi neste endereço que a Polícia Federal apreendeu R$ 3 milhões em dinheiro vivo durante as buscas na Operação Ultima Ratio. A PF investiga a verdadeira origem da fortuna.
A servidora Natacha Neves de Jonas Bastos, assessora do gabinete do desembargador, que também teve o sigilo de mensagem quebrado, foi flagrada pela Polícia Federal em uma conversa que mostra que o suposto esquema de venda de decisões judiciais era conhecido por atores do Poder Judiciário. Ela afirma: “Todo mundo fala: ‘ai não sei como que o CNJ não pega, a Polícia Federal não pega’”.
COM A PALAVRA, O DESEMBARGADOR JÚLIO CARDOSO
A reportagem pediu posicionamento do desembargador. O espaço está aberto para manifestação (rayssa.motta@estadao.com e fausto.macedo@estadao.com).
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