O procurador-geral da República, Paulo Gonet, pediu ao Supremo Tribunal Federal que declare inconstitucionais as ‘emendas Pix’ - transferências diretas de recursos federais sem transparência, controle de aplicação das verbas ou fiscalização do Tribunal de Contas da União. O PGR diz que é patente a “deturpação do sistema republicano” de acompanhamento dos gastos públicos. A avaliação é a de que o mecanismo - revelado pelo Estadão - não é “admissível”, considerando a falta de transparência e de rastreabilidade dos recursos.
Emenda Pix é um recurso indicado por deputados e senadores para Estados e municípios e pago pelo governo sem transparência. É possível saber o congressista que mandou, mas não no que o dinheiro foi usado. A verba pode ser usada livremente pelo prefeito ou o governador, sem vinculação com programas federais, desviando do planejamento e da fiscalização. Desde 2020, o mecanismo somou R$ 20,7 bilhões e bateu recorde neste ano, período de eleições municipais.
Gonet pede que o STF suspenda imediatamente os dispositivos que instituíram as emendas Pix, destacando os riscos das transferências especiais em períodos eleitorais, como o que se inicia neste mês. O PGR vê possibilidade de danos “irreparáveis ou de difícil reparação ao erário”, com “mal ferimento dos deveres estatais de transparência, máxima divulgação, rastreabilidade e controle social dos gastos públicos”.
A ação foi impetrada nesta terça-feira, 6, quase uma semana após o ministro Flávio Dino determinar que o governo e o Congresso deem total transparência às emendas Pix. Dino ainda estabeleceu critérios para a liberação dos recursos, determinando que o governo federal só efetue os repasses quando foram preenchidos os requisitos constitucionais da transparência e da rastreabilidade. Tal decisão foi proferida no bojo de uma ação movida pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo.
Segundo a PGR, há dúvidas sobre a legitimidade da Abraji para questionar as emendas Pix. Assim, a ideia de Gonet ao propor a ação contra as transferências especiais foi “garantir que o tema seja apreciado pelo STF”. O chefe do Ministério Público Federal pediu que o processo seja distribuído também ao gabinete de Dino.
Supremo poderá interromper pagamento de emendas Pix se aceitar ação da PGR
Neste ano, o governo Lula autorizou o pagamento de R$ 7,7 bilhões em emendas Pix, dos quais R$ 4,25 bilhões foram transferidos antes das eleições municipais, driblando a lei eleitoral. O restante poderá ser pago até o fim do ano. O Supremo Tribunal Federal (STF) não interrompeu as transferências, mas determinou total transparência e ainda obrigou as prefeituras a informarem onde vão gastar o dinheiro, coisa que hoje não acontece. Se a ação da PGR for aceita, nada mais poderá ser repassado.
Na ação, Gonet comparou as emendas Pix com o orçamento secreto - já derrubado pelo STF, mas cujo cumprimento ainda é discutido na Corte máxima - vez que “omitem dados e informações indispensáveis para o controle da execução dos recursos transferidos, provocando perda de transparência, de publicidade e de rastreabilidade”. Segundo Gonet, as transferências de tal natureza geram “prejuízo inaceitável” ao modelo de controle sobre a aplicação de verbas federais.
“As assim chamadas “emendas Pix”, desprovidas das ferramentas de fiscalização constitucionais, arriscam a se convolar em instrumento deturpador das práticas republicanas de relacionamento entre agentes públicos, propiciando o proveito de interesses distintos dos que a atividade política deve buscar”, argumentou.
Conforme o Estadão revelou, a emenda Pix foi usada para pagar cachês milionários a artistas sertanejos em cidades sem infraestrutura. Além disso, bancou obras mais caras no município que mais recebeu recursos enquanto deixou escolas abandonadas. A emenda também foi gasta de forma irregular por prefeituras que não realizaram investimentos públicos e usaram o dinheiro para pagar servidores, o que é proibido.
Segundo o Gonet, as emendas Pix implicam em “inequívoca degradação” do papel do Executivo de planejar e executar o orçamento. O PGR destacou que, no caso das transferências especiais, a distribuição de recursos é imposta pelo parlamentar autor da emenda, “que não é cobrado a definir com mínima precisão a finalidade e a destinação do recurso e também escapa aos mecanismos de controle democrático sobre as vicissitudes desses recursos”.
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O PGR pede que o Supremo derrube trechos de uma emenda constitucional que versa sobre as emendas parlamentares. Os dispositivos questionados são os que criaram as emendas Pix, prevendo o repasse de recursos diretamente a Estados e municípios, sem necessidade de haver um convênio para controle da execução orçamentária.
Para fundamentar a ação, Gonet citou relatórios elaborados pela Associação Contas Abertas, Transparência Brasil e Transparência Internacional. Os documentos apontam o aumento dos valores de emendas Pix, que, em 2023, bateu R$ 6,75 bilhões. Segundo as entidades, em 2023, 80% das transferências não especificaram qual o beneficiário dos repasses. A ação foi proposta por Gonet em meio a uma semana movimentada no Supremo, no que diz respeito ao orçamento secreto e às próprias emendas Pix.
Na quinta-feira passada, Dino realizou uma audiência de conciliação para garantir o efetivo cumprimento da decisão do STF que derrubou o orçamento secreto. Durante o encontro, o ministro ressaltou a importância da consolidação das informações sobre as emendas de relator - mecanismo do esquema revelado pelo Estadão - e das emendas de comissão - que, segundo Dino, também estão operando sem transparência.
Após a audiência, Dino fez uma série de determinações para dar fim, de uma vez por todas, no orçamento secreto. Logo em seguida, despachou sobre as emendas Pix, inclusive com ordens semelhantes às que já haviam sido proferidas naquela manhã.
Na terça-feira, 6, foi realizada a primeira reunião técnica com vistas à centralização das informações do orçamento secreto. O grupo fechou um cronograma de atividades, prevendo que uma primeira versão do painel seja colocada no ar em março do ano que vem.
Na ocasião, chamou atenção a alegação da Câmara dos Deputados, que disse ao STF que “não tem como colaborar” com os dados dos “patrocinadores” das emendas de comissão. A Câmara alega que a “figura do patrocinador” das emendas de comissão “não existe” na Casa.
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