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Opinião|Planeta de lixo

Incrível que uma população que se diz civilizada produza a tonelagem de resíduos sólidos que vai parar em aterros sanitários, meros ‘lixões’ organizados e monitorados

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convidado
Por José Renato Nalini
Atualização:

O artista, dotado de sensibilidade superior à do comum dos mortais, registra em seu íntimo a emergência climática desapercebida pelos insensatos. A peça “Aqui elevado a um trilhão”, peça de Elisa Ohtake, aborda o sentido do teatro no mundo que se desconectou com a natureza e que está à beira de um colapso. Ela é filha do arquiteto Ruy Ohtake, figura lendária que nos deixou há pouco, depois de prove o mundo com obras imorredouras e de conviver conosco por breve período, na Academia Paulista de Letras.

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É um libelo contra a destruição da natureza. Tanto que uma das cenas é a de um autor que mostra uma garrafa pet com a água de um exuberante rio que banhava um vilarejo e que, na verdade, é o seu esgoto. Tudo a ver com aquilo que se chamou um dia Tietê e que, ao passar pela capital, vira condutor de imundície e testemunho da ignorância dos racionais.

Incrível que uma população que se diz civilizada produza a tonelagem de resíduos sólidos que vai parar em aterros sanitários, meros “lixões” organizados e monitorados. Eles representam um “mal desnecessário”, porque ocupam áreas que deveriam ser ocupadas por jardins, reservas florestais, parques ou espaços verdes, nunca servirem como depósito de lixo. Mas é essa raça humana que continua a desmatar todos os biomas e acelera o processo de aquecimento global que dá causa às drásticas mudanças sociais.

Nossa Mata Atlântica, hoje meramente residual, continua sob ataque contínuo. De que adianta celebrar queda de desmate nas áreas superiores a três hectares, se o extermínio continua? Foram “apenas” 14.697 hectares desmatados. Isso não é motivo para comemoração. Até porque houve crescimento de 74.556 para 81.356 hectares de destruição nos fragmentos menores. Isso equivale à eliminação de mais de duzentos campos de futebol por dia. É o que consta da nova edição do “Atlas da Mata Atlântica” há trinta e três anos publicados pela Fundação SOS Mata Atlântica em parceria com o Inpe – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais.

Nada obstante, como tudo no Brasil, existe norma protetiva do bioma. A Lei da Mata Atlântica é de 2006, mas, para os dendroclastas, “a lei, ora, o que é e para que serve a lei?...”.

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Enquanto isso, o governo federal promete divulgar um Plano para a Mata Atlântica entre setembro e outubro. O Estado brasileiro não desconhece que Amazônia, Cerrado e Mata Atlântica são os biomas que concentram mais de 90% do desmatamento no país.

Enquanto isto, este mesmo “Estado” noticia que o plano de segurança para a Amazônia, promessa reiterada do governo federal, “não sai do papel” (OESP 21.5.24, p.A12). O Estado paralelo não existe apenas no Rio de Janeiro. Ele se espalha por todo o Brasil. Mas em nenhum Estado é tão desenvolto e prossegue florescente como na região Amazônica.

O Plano tem nome pomposo: Amazônia: Segurança e Soberania – AMAS. As siglas estão em todos os governos. São uma mania. Procuram sintetizar projetos que nem sempre são executados. Prometeu-se implementar 34 novas bases de segurança, mas nenhuma foi construída um ano depois da promessa.

Existe um cardápio sortido de facções criminosas atuando naquela área que vai desaparecendo antes de ser adequadamente conhecida. Tudo fica à base de planejamento e de burocracia. Promessas de instalação de bases fluviais e terrestres, aquisição de equipamentos como viaturas, armas, lanchas e helicópteros.

Enquanto isso, a delinquência impera soberana. Ataques contra embarcações de transportadores amazonenses resultaram em roubo ou furto de mais de oito milhões de litros de combustível. Esse prejuízo chega a quase cinquenta milhões de reais. O combustível é essencial para a região em que o transporte se faz pelos rios. As vítimas não são apenas as transportadoras, mas também os pescadores autônomos.

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A Amazônia, lamentavelmente, é o epicentro da atuação do crime organizado no Brasil. São ao menos vinte e duas facções, entre grupos brasileiros e estrangeiros, que se vinculam porque é mais fácil trabalhar em grupo bem coordenado. E organização sofisticada é o que não falta para o criminoso, que não tem contra si a burocracia estatal e o excesso de formalismo que esteriliza qualquer possibilidade de exercício lícito de atividade produtiva.

Contrabando de armas, de drogas, de pássaros, de pessoas, é o que ocorre com toda a transparência na Amazônia. E os brasileiros que proclamam que “ela é nossa”, indignados quando a comunidade internacional alerta sobre a catástrofe que ali ocorre, o que estão fazendo para defendê-la da bandidagem?

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José Renato Nalini
Reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo. Foto: Alex Silva/Estadão
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