No último dia 19 de março fui indicada pelo presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado (CCJ) relatora da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que veda a aposentadoria proporcional compulsória, quando do cometimento de infração disciplinar ou falta grave, para juízes, membros do Ministério Público e militares das Forças Armadas e dos estados.
A proposta, de autoria do então senador Flávio Dino, hoje ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), tem por objetivo acabar com distorções legais que privilegiam servidores de algumas carreiras, mesmo que cometam ilícitos graves e danosos às instituições, ao erário e à própria sociedade.
Pela legislação em vigor, juízes, promotores e militares condenados pela Justiça ou destituídos de suas funções por falta grave recebem como sanção a chamada aposentadoria compulsória, convertendo-se ela na verdade em uma espécie de prêmio pelo malfeito, algo inaceitável do ponto de vista republicano.
No caso dos militares, que utilizam o conceito de morte ficta, a aposentadoria é repassada diretamente ao cônjuge, como se o servidor tivesse falecido. Já em relação a juízes e promotores, a aposentadoria é auferida pelo próprio servidor, aberração ainda maior.
Sobre a magistratura, a lei que rege as garantias, prerrogativas, vencimentos e vantagens, direitos e deveres dos membros do Judiciário é de 1979, ano em que o país estava sob uma ditadura, e prevê as penas disciplinares, conforme a gravidade do ato.
De acordo com informações noticiadas pelo Jornal O Estado de São Paulo em 2 de abril de 2024, a Justiça aposentou 123 juízes de forma compulsória em 15 anos. O gasto anual, segundo a reportagem chegou a R$ 59 milhões.
A emenda constitucional que vamos analisar não altera os critérios gerais de aposentadoria no tocante ao tempo de serviço e estabelece critério isonômico para todas as esferas do serviço público, sem privilégios. Ou seja, se um servidor for demitido, e não contar com tempo para se aposentar, precisará arrumar outro emprego ou continuar contribuindo para fazer jus aos seus direitos, definidos pela lei.
A aposentadoria é um direito consagrado, mas jamais pode ser tratada como uma sanção. Ao concedê-la forçosamente a um agente público, condenado por conduta grave, funciona como uma espécie de prêmio e quebra a igualdade que, em tese, deve prevalecer entre qualquer servidor público.
A PEC sobre a qual teremos o papel de emitir um parecer tem um norte muito cristalino: não tem o objetivo de perseguir esta ou aquela carreira de servidor do Estado, mas visa resguardar algo tão bem definido na Constituição de 1988. Diz o caput do artigo 5º da Carta Magna que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza...”. Isso é dizer que todos os cidadãos serão submetidos às mesmas regras jurídicas. É a noção jurídica da “igualdade de todos perante a lei”.
E mais: A PEC 3/2024 pode ser a oportunidade de atender a um clamor popular crescente que não tolera mais a existência de certos privilégios bancados com o dinheiro público.
Acredito no serviço público brasileiro, com sua qualidade para atender os anseios da coletividade. Até para preservar essa excelência é que precisamos fazer valer o princípio da isonomia, separar quem não tem conduta ilibada, eventualmente punir se assim as provas mostrarem e, jamais, condecorar este ou aquele funcionário público reprovado moralmente, como nos parece ser o caso das sanções que resultem em transferência obrigatória deste para a inatividade com manutenção de proventos.
Aposentadoria é proteção financeira, algo planejado minuciosamente, para situações de contingências advindas após determinado período de trabalho. É mecanismo de poder bancar condições dignas de vida quando não mais for possível o desenvolvimento de atividade laboral em virtude de idade-limite, incapacidade permanente para o trabalho ou pela conjugação dos critérios idade mínima e tempo de contribuição. Esse instituto assim deve ser preservado e jamais ser aplicado como forma de sanção disciplinar.
A sociedade brasileira, no cenário de ampla difusão da informação, vem demonstrando uma insatisfação crescente com as chamadas mazelas que ainda perduram em segmentos do serviço público. A existência de um serviço público isonômico, eficaz e zeloso de suas funções é imprescindível para o fortalecimento da própria democracia.