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Opinião|Por um sistema judiciário melhor no País

A execução judicial é extremamente deficiente. Parte do problema vem do entendimento dos próprios tribunais, que são extremamente garantistas com os devedores. A lei tem mecanismos para forçá-los ao cumprimento da obrigação, mas não há preocupação em garantir defesas preliminares, notificações, prazos

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convidado
Por Erik Navarro

A porta de entrada do Poder Judiciário brasileiro é bastante larga, fazendo com que tenhamos hoje mais de 80 milhões de processos em andamento. Considerando um País com um pouco mais de 200 milhões de habitantes, trata-se de um número extremamente elevado. Porém, se o custo de manutenção do Sistema é dos mais caros do mundo em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), os valores cobrados para a execução de processos são baixos. Esse contrassenso expõe as virtudes e os defeitos do funcionamento da Justiça no Brasil.

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Impulsionada pelas amplas políticas de gratuidade praticadas no território nacional, a facilidade de acesso ao sistema não significa exatamente ter seu direito garantido. Segundo o Conselho Nacional de Justiça, a média de tempo de um processo inclui os que foram rejeitados no primeiro dia. Dessa forma, você tem muitos anos de tramitação em primeira instância – quatro, cinco, seis anos às vezes.

A tramitação em segunda instância leva mais um ou dois anos de espera, dependendo do ramo da justiça brasileira. E, muitas vezes, esses processos ainda vão para o Supremo Tribunal Federal (STJ). Isso quando se fala do tempo para definição do direito, mas para que ele seja entregue depende ainda de um ato da parte contrária.

E aí nós vamos para uma segunda fase do processo, que é a de cumprimento de sentença ou execução. Há ainda aqueles que já começam por essa fase, porque são oriundos de contratos aos quais a lei confere um valor maior - ou seja, não é necessário discutir de quem é o direito, etc.

Nesse ponto, encontra-se outro gargalo: no Brasil, as sanções para quem descumpre uma decisão judicial são muito brandas ou quase inexistentes. Aquilo que na microeconomia, especificamente em Teoria dos Jogos, nós chamamos de credible threats (ameaça crível, em português): não vou cometer um determinado ato ilícito, porque sei que vou me dar mal. Mas aqui no País, o descumprimento de uma decisão judicial, que deveria ser a exceção, acaba por virar a regra.

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Com efeito, a execução judicial é extremamente deficiente. Parte do problema vem da ideologia ou do costume da jurisprudência, isto é, do entendimento dos próprios tribunais, que são extremamente garantistas com os devedores. A lei tem mecanismos para forçá-los ao cumprimento da obrigação, mas não há preocupação em garantir defesas preliminares, notificações, prazos.

Nesse momento, o devedor que não quer pagar desaparece com todos os seus bens, coloca-os em nome de laranjas, entre outras estratégias. O resultado é que fica muito mais difícil encontrar esses ativos, de modo que o tempo médio de uma execução se torna maior do que o tempo médio para definição do direito. Consequentemente, a taxa de efetividade é bastante baixa. É verdade que boa parte desse volume de processos são as chamadas execuções fiscais - execuções de tributos que as pessoas também não pagam -, o que reforça o problema.

Contudo, não temos apenas problemas. Parte da solução para um sistema judiciário melhor e mais célere já está implementada, que é a digitalização do processo. Mas, apesar de termos 99% dos processos inseridos on-line, as aplicações de gestão de processos não são unificadas. O presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, Luís Roberto Barroso, está trabalhando e buscando uma interface para que todas essas ferramentas conversem entre si, principalmente para que seus dados possam ser compartilhados. A boa notícia é que isso vai alimentar modelos de Inteligência Artificial, tornando os processos cada vez mais ágeis. A tecnologia também pode ajudar na fase de execução, quando é necessário encontrar os bens do devedor, por exemplo.

Uma outra maneira de melhorarmos o nosso sistema judiciário seria ter uma maior efetividade na interpretação de um artigo específico do Código de Processo Civil – o 139 Inciso 4, que dá ao juiz poderes para pressionar o devedor para o cumprimento da obrigação. O Supremo, por meio do Ministro Luiz Fux, julgou esse dispositivo. No entanto, o STJ suspendeu a sua aplicação para definir regras que garantam a proteção dos direitos do devedor - como se o credor, a quem o direito já foi deferido, também não sofresse restrições aos seus direitos fundamentais por falta de acesso a esse crédito.

Sobre isso, há várias táticas que podem ser adotadas, o Conselho Nacional de Justiça, inclusive, está bastante preocupado com isso. Existe um grupo de trabalho há alguns anos, do qual eu já participei junto a outros juristas, ministros e economistas, para criar modelos de redistribuição de custas que evitem esses comportamentos protelatórios. Há, ainda, um desenho de uma nova lei de custas, porém ela precisa ser aprovada no Congresso Nacional.

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A melhoria do nosso sistema judiciário passa necessariamente pelo - bom - uso da tecnologia. É preciso que se invista cada vez mais nos chamados sistemas de resolução online de disputas. Um bom exemplo disso, e muito bem-sucedido, é a plataforma consumidor.gov.br, que estava deixada de lado desde 2016. Hoje, esse sistema resolve mais de 1 milhão de conflitos com taxa de solução de mais 70% e de satisfação muito alta por parte do consumidor

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Em resumo, os principais problemas do nosso Poder Judiciário são o excesso de processos, a demora no processamento e a pouca efetividade da execução. As soluções para ultrapassarmos esses desafios passam pela tecnologia, como frisei acima, mas também por uma jurisprudência um pouco menos garantista e por um recalibramento dos incentivos. Assim, será possível aumentar a taxa de composição de conflitos, diminuir a taxa de litigiosidade e aumentar a taxa de composição.

Com vontade política, inteligência e a união de esforços de quem trabalha na área, tenho confiança de que podemos vislumbrar a melhora do nosso sistema judiciário no horizonte do Brasil. Deixo aqui, portanto, a reflexão e o convite aos colegas para que, juntos, façamos a diferença.

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Erik Navarro
Ex-juiz. Foto: Bruno van Enck
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