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Procuradoria em MS resgata em carvoaria nove paraguaios sob esquema de ‘servidão por dívida’

Grupo em regime análogo à escravidão trabalhava em propriedade rural de Aquidauana onde predominava o truck system, prática que consiste na limitação a direitos fundamentais em razão de endividamento ilegal atribuído pelo empregador; cálculo das verbas rescisórias e de multas por inobservância da legislação chega a R$ 217 mil

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Por Redação

Uma força-tarefa do Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso do Sul, Fiscalização do Trabalho e Polícia Militar Ambiental resgatou nove trabalhadores paraguaios que se encontravam em situação análoga à escravidão em uma propriedade rural localizada no município de Aquidauana. A diligência ocorreu nos últimos dias 21 e 22. Nesta terça, 27, a Procuradoria do Trabalho divulgou que foram ajustados os acertos que totalizaram quase R$ 767 mil - a quantia corresponde ao pagamento de dano moral individual e coletivo, verbas rescisórias, multas aplicadas em autos de infração e demais direitos trabalhistas devidos às vítimas.

Procuradoria diz que dívidas se concentravam no comércio de alimentos e produtos de higiene pessoal Foto: Fiscalização do Trabalho

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Segundo o MPT, os trabalhadores atuavam na cadeia produtiva do carvão vegetal. Mas, no local predominava a prática conhecida por truck system - servidão por dívida -, ‘que consiste na limitação ao direito fundamental de ir e vir ou de encerrar a prestação do trabalho, em razão de endividamento ilegal atribuído pelo empregador/preposto ou da indução perante terceiros’.

Neste caso, afirma a Procuradoria, as dívidas das vítimas se concentravam no comércio exclusivo de alimentos e produtos de higiene pessoal, feito por um armazém gerenciado pela mulher do proprietário da carvoaria, ‘em valores supervalorizados quando comparados àqueles praticados por outros estabelecimentos’.

O pão de forma, por exemplo, que era vendido por R$ 15 no armazém, custava R$ 6,59 em um supermercado na cidade.

“Esses trabalhadores foram traficados do Paraguai já com um débito referente ao valor do transporte até a carvoaria. Somado a isso, todo o consumo de mercadorias estava atrelado ao armazém, pois essas vítimas ficavam alojadas na propriedade rural e impedidas de se deslocarem para outro local onde pudessem adquirir suprimentos essenciais à sua subsistência”, afirma o procurador do Trabalho Paulo Douglas Almeida de Moraes, que atuou no caso.

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Moraes destacou que não havia controle no comércio desses produtos, ‘visto que todas as anotações de possíveis vendas eram feitas pela administradora do armazém em um caderno, sem a entrega de recibos para o consumidor’. Os valores eram descontados dos trabalhadores na hora do acerto de salários.

Durante a audiência administrativa realizada na Vara do Trabalho de Aquidauana, os trabalhadores resgatados foram orientados e ouvidos individualmente pelo procurador e por auditores-fiscais do Trabalho. Foram discutidos com os representantes legais da carvoaria os valores a serem ajustados. Paulo Douglas Almeida de Moraes esclareceu que ‘os trabalhadores poderão ser registrados e trabalhar normalmente, desde que observados alguns cuidados, especialmente em relação à garantia de maior transparência no comércio de produtos pelo armazém’.

“É imperioso que os valores cobrados sejam exatamente os mesmos pagos pelo empregador junto ao estabelecimento onde foram adquiridos os bens ofertados aos trabalhadores, mediante a apresentação de nota”, ponderou o procurador.

Retorno ao trabalho por dívida

Em depoimento durante a diligência, I.A.E.B., uma das vítimas que trabalhava no local havia quatro meses, revelou que o pagamento de salário é realizado apenas quando os trabalhadores retornam à cidade de origem.

Sem registro em carteira de trabalho nem portando outro documento brasileiro ele contou não ter conhecimento sobre quanto custa os produtos que adquire no armazém, ‘pois não há tabela de preços nem fica com cópia do que pega para consumo’.

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O homem disse também que já saiu devendo e foi obrigado a retornar para o trabalho como forma de quitar sua dívida. “Tem situação de trabalhador que não consegue voltar porque está devendo”, concluiu referindo-se à cidade de seu país de origem.

Pagamentos e obrigações

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Tendo em vista a situação de trabalho análogo à escravidão identificada na carvoaria, o dano moral individual foi classificado como gravíssimo. O procurador do Trabalho esclareceu que a quantia devida aos trabalhadores foi definida ‘com base na gradação da legislação vigente havendo, neste caso, a concordância das vítimas quanto ao recebimento do montante equivalente a 20 vezes o valor do último salário para o exercício da atividade na fazenda’.

Sete trabalhadores resgatados irão receber R$ 60 mil e outros dois serão retribuídos com o total de R$ 40 mil.

As indenizações pactuadas serão executadas em doze parcelas, vencendo a primeira no dia 22 de outubro.

Juntos, os trabalhadores resgatados também receberam pouco mais de R$ 51 mil, a título de quitação de verbas rescisórias. O proprietário da carvoaria ainda deverá ressarcir a sociedade no valor de R$ 50 mil, compromisso vencível no dia 22 de novembro de 2025.

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A audiência administrativa também culminou na assinatura de um Termo de Ajuste de Conduta (TAC), por meio do qual o dono da carvoaria se comprometeu a cumprir diversas obrigações de fazer e de não-fazer, prevendo a adoção imediata de medidas como: abster-se de admitir ou manter empregado sem o respectivo registro em livro, ficha ou sistema eletrônico competente; abster-se de manter empregado laborando sob condições contrárias às disposições de proteção do trabalho, quer seja submetido a regime de trabalho forçado, quer seja reduzido à condição análoga à de escravo; fornecer, gratuitamente, aos trabalhadores rurais Equipamentos de Proteção Individual; oferecer água potável e fresca nos locais de trabalho, em quantidade suficiente e em condições higiênicas; providenciar a documentação rescisória dos empregados resgatados; recolher o FGTS incidente sobre os valores retroativos, em razão do registro tardio dos trabalhadores; recolher a multa de 40% sobre o saldo do FGTS apurado; entre outras ações.

Além das indenizações por dano moral e da assinatura dos acordos extrajudiciais, a fiscalização do Trabalho emitiu autos de infração com a aplicação de mais de R$ 165 mil em multas, por inobservância da legislação pelo empregador.

Em 2022, 116 trabalhadores foram resgatados de condições análogas às de escravo em propriedades rurais de Mato Grosso do Sul. Segundo dados da Procuradoria do Trabalho, no ano passado houve a retirada de 87 trabalhadores ‘dessas situações degradantes, também na zona rural do estado’.

Em 2024, as operações conjuntas resultaram no resgate de 71 trabalhadores.

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