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Procuradoria pede responsabilização de 46 da repressão e fim de ‘machismo estrutural’ na polícia

Ação na Justiça Federal em São Paulo atribui a ex-agentes da Polícia política, do DOI-Codi e do IML uma rotina de violências nos porões; quatro mulheres são citadas como vítimas de violência de gênero, como a companheira de Bacuri, Denise Crispim, grávida e torturada; ‘Sistema cruel utilizava o corpo, a sexualidade e a maternidade como ferramentas para intensificar a tortura’, diz procuradora

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Foto do author Heitor Mazzoco
Foto do author Fausto Macedo
Atualização:

A Procuradoria da República em São Paulo entrou com ação na Justiça Federal para que 46 ex-agentes da ditadura sejam responsabilizados na esfera cível por envolvimento em episódios de tortura e na morte ou no desaparecimento de militantes políticos contrários ao regime militar (1964-1985). Segundo a ação, os acusados eram ligados a unidades do sistema de repressão em São Paulo, como o DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna) do antigo II Exército, o Departamento de Ordem Política e Social (Dops) e o Instituto Médico Legal (IML).

O número da ação é 5023342-26.2024.4.03.6100. A tramitação pode ser consultada aqui. (Leia a íntegra da ação civil pública do MPF). A ação busca o cumprimento de recomendações da Corte Interamericana de Direitos Humanos e da Comissão Nacional da Verdade para que o Estado brasileiro promova medidas de reparação, preservação da memória e elucidação da verdade sobre fatos ocorridos na ditadura.

O ex-delegado do Dops Sérgio Paranhos Fleury e o ex-comandante do DOI-Codi Carlos Alberto Brilhante Ustra estão entre os réus da ação do MPF Foto: MPF / Divulgação

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Os réus foram alvo de investigações do Ministério Público Federal que apontaram sua participação direta ou indireta em atos de violência contra 15 vítimas no período denominado ‘anos de chumbo’.

Os pedidos de responsabilização civil somam-se a requisições do mesmo tipo que o Ministério Público Federal ajuizou em março contra 42 ex-agentes envolvidos em violências contra outros 19 militantes.

A declaração de responsabilidade constituiria o reconhecimento jurídico de que ‘os réus fizeram parte dos atos de sequestro, tortura, assassinato, desaparecimento forçado e ocultação das verdadeiras circunstâncias da morte dos opositores da ditadura’.

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O MPF pede que, a partir disso, todos sejam condenados a ressarcir os danos que as práticas ilegais causaram à sociedade e as indenizações que o Estado já pagou às famílias das vítimas, entre outras obrigações. No caso dos ex-agentes já falecidos, os herdeiros ficariam incumbidos de cumprir eventual ordem judicial para reparação financeira.

O episódio que motivou as recomendações da Corte Interamericana de Direitos Humanos, e que também foi objeto de apurações da Comissão Nacional da Verdade, é referente à morte de Eduardo Collen Leite, o Bacuri, em 1970, e da prisão de sua companheira, Denise Peres Crispim, grávida e torturada.

A Procuradoria destaca, entre as requisições da Corte, que o Estado brasileiro deve adotar todas as medidas necessárias para identificar e punir os responsáveis, levando em conta especialmente a violência de gênero praticada contra a companheira de Bacuri.

Segundo a ação, Denise e outras mulheres foram vítimas de um aparato repressivo que fazia da condição feminina um elemento adicional para as atrocidades.

“Este sistema cruel utilizava o corpo, a sexualidade e a maternidade como ferramentas para intensificar a tortura ou até mesmo exterminar brutalmente algumas militantes mulheres”, afirma a procuradora da República Ana Letícia Absy, autora da ação.

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Para Ana Letícia, ‘é crucial reconhecer as violações de direitos humanos cometidas contra as mulheres durante esse período e garantir que esses crimes sejam investigados e punidos’.

“A justiça para as mulheres do passado é essencial para a consolidação da democracia igualitária no presente”, sustenta.

Eduarda Crispim Leite (filha de Eduardo e Denise, nascida em circunstâncias de elevado risco devido à tortura sofrida por sua mãe), Criméia Alice Schmidt de Almeida e Neide Alves dos Santos também são relacionadas como vítimas da repressão.

Os outros militantes cujos casos embasam os pedidos da ação são Devanir José de Carvalho, Dorival Ferreira, João Carlos Schmidt de Almeida Grabois, Joaquim Câmara Ferreira, José Idésio Brianezi, José Guimarães, José Maximino de Andrade Netto, José Wilson Lessa Sabbag, Luiz Fogaça Balboni e Olavo Hanssen.

Réus - O ex-delegado do Dops Sérgio Paranhos Fleury e o ex-comandante do DOI-Codi Carlos Alberto Brilhante Ustra estão entre os réus da ação do MPF. Ambos já morreram. A ação pede ainda a responsabilização de outros 30 do sistema de repressão e 14 ex-legistas e auxiliares do IML - apontados como ‘responsáveis pela elaboração de laudos que omitiam sinais de tortura nos corpos de militantes políticos mortos’.

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Ao mesmo tempo em que pede a responsabilização civil dos ex-agentes, o MPF requer que a União e o Estado de São Paulo sejam obrigados a executar medidas de reparação e preservação históricas e esclarecimento das violações de direitos cometidas entre 1964 e 1985.

Caberia aos governos federal e estadual, entre outras medidas, criar espaços de memória (online e físicos) que tratem do período e promover módulos educacionais para integrantes das Forças Armadas e de órgãos de segurança pública sobre igualdade de gênero.

Sem prescrição nem anistia - A Procuradoria ressalta que os atos de tortura foram cometidos ‘em um contexto de ataque sistemático e generalizado contra a população civil e, portanto, são considerados crimes contra a humanidade, aos quais não se aplica a prescrição nem a anistia, inclusive na esfera cível’.

O MPF pontua que ‘não existe prescrição em demandas indenizatórias relacionadas a violações da ditadura, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça’.

“A Constituição também afasta prazos prescricionais para ações de ressarcimento ao patrimônio público, como é o caso de parte dos pedidos”, assevera o MPF.

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A imprescritibilidade dos atos de violação a direitos humanos foi fixada ainda em duas condenações ao Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos.

As determinações também proíbem o Judiciário de barrar processos com base na Lei da Anistia (Lei nº 6.683/79), que, segundo a Corte, não possui efeitos jurídicos por constituir um instrumento de auto perdão a membros do aparato repressivo.

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