Advogados criminalistas estão divididos sobre o projeto que proíbe a validação de delações premiadas de investigados que estejam presos. Alguns avaliam que o instituto da delação premiada, em vigor desde a Lei das Organizações Criminosas, de 2013, não precisa de retoques porque ao longo desses anos já ocorreu uma ‘padronização’ no sentido de que todas as colaborações sejam analisadas com reservas porque partem de interessados no benefício pessoal em troca da informação. Outros defendem aperfeiçoamentos no texto para estancar a rotina do que chamam ‘prender para delatar’.
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Na quarta, 12, a Câmara aprovou urgência na tramitação do projeto de lei 4.372/2016, que veta a validação de delações premiadas fechadas com investigados que estão presos. A urgência permite que o texto seja votado diretamente em plenário, sem passar pelas comissões temáticas da Casa.
O criminalista André Damiani, especialista em Direito Penal Econômico, explica que o instituto da delação premiada surgiu em 2013, com a Lei das Organizações Criminosas. “O texto foi sendo aperfeiçoado ao longo do tempo: maior rigidez das provas de corroboração dos fatos delatados e proibição, por exemplo, que medidas cautelares ou sentença sejam proferidas com fundamento exclusivo na palavra do delator. Padronizou-se, portanto, que todas as delações sejam analisadas com reservas, uma vez que elas partem justamente dos interessados no benefício pessoal em troca da informação.”
De acordo com Damiani, o instituto atingiu ‘certa maturidade e não há motivo relevante para novas alterações, como por exemplo a eventual proibição do indivíduo, estando preso, delatar’.
“De fato, há precedentes ilegais quando a prisão cautelar é decretada unicamente para coagir o investigado ou réu a delatar determinado fato ou certo alvo. Os abusos devem ser enfrentados pontualmente, até porque diferenciar o réu ou investigado preso, daquele que responde em liberdade é inconstitucional, na medida em que cerceia o direito de defesa do cidadão enclausurado, que não poderá gozar dos benefícios deste instituto negocial caso seja esta a estratégia eleita por sua defesa técnica”, enfatiza.
A penalista Thaynara Rocha avalia que a colaboração premiada se tornou um dos instrumentos jurídicos mais importantes para a obtenção de provas. Ela destaca que a delação tem como um dos requisitos abstratos a voluntariedade da manifestação da vontade do colaborador, ‘principalmente nas situações em que ele se encontra sob efeito de medidas cautelares’ - premissa já prevista no artigo 4º, IV, da Lei 12.850.
“Apesar do caráter voluntário do instituto, outros mecanismos do processo penal vêm sendo utilizados como instrumentos psicológicos de pressão, com o fim de coagir o acusado a colaborar no processo criminal, como é o caso das prisões cautelares, as quais, por vezes, são decretadas por razões frágeis e por tempo indeterminado, fazendo com que o acusado, visando sair daquela segregação e obter outros benefícios, apresente elementos e informações controversas”, alerta Thaynara Rocha.
Nesse cenário, segundo ela, o PL propõe ‘um importante acréscimo, garantindo que o acordo de colaboração premiada somente seja homologado se o acusado estiver respondendo em liberdade ao processo ou investigação em seu desfavor, a fim de resguardar, então, o pressuposto da voluntariedade e autenticidade das informações, assim como para diminuir a discricionariedade velada nas prisões cautelares, ainda que minimamente’.
Daniel Bialski, mestre em Direito Processual Penal, enfatiza. “Já não era sem tempo que houvesse uma legislação vedando a possibilidade de delação quando os acusados estão presos. Primeiro, porque muitas prisões eram para motivar delações, como ilegalmente se viu em operações da Polícia Federal. E, o mais significativo, é que a pessoa presa até mentia e inventava fatos para conseguir o benefício da delação e se livrar da custódia. Ou seja, faltava idoneidade e credibilidade àquelas delações realizadas. Essa nova lei traz balizas e moraliza a seriedade que uma delação deve ter.”
Lenio Luiz Streck, professor e advogado, entende que não é errado proibir delações de presos. “Mas isso tem de ser regulado. E, por óbvio, se aprovado o PL, não retroage.”
O advogado Adib Abdouni, constitucionalista e criminalista, sustenta que a legislação sobre o tema deve ser lapidada a fim de ‘minimizar distorções interpretativas na sua aplicação, até mesmo para reverter a prática de investigadores no sentido de prolongar a prisão cautelar decretada com o fito de pressionar a pessoa a revelar o que tem conhecimento’.
“O pano de fundo da proposta tem contornos positivos, na medida em que busca afastar a prática de ‘prender para delatar”, diz. Ele pontua que o instituto da delação possui natureza de Direito Processual Penal, qualificado pela Lei 12.850/13 como negócio jurídico processual e meio de obtenção de prova, ‘de sorte que essa alteração legislativa produziria efeitos para o futuro, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior, conforme artigo 2.º do Código de Processo Penal’.
Sobre o regime de urgência da votação, Adib considera que, ‘desde que fundamentada na forma do regimento interno da Câmara dos Deputados, não ofende o devido processo legislativo’.
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