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Promotoria denuncia donos de fintechs por esquema bilionário de lavagem de dinheiro do PCC

Policial civil e outros dois empresários eram os donos da 2 Go Bank e da InvBank, que foram delatadas por Gritzbach, fuzilado em novembro no Aeroporto Internacional de São Paulo; defesa de sócios da InvBank diz que acusação é ‘injusta’; reportagem do Estadão busca contato com a defesa da 2 Go Bank e de outros citados na denúncia do Ministério Público; o espaço está aberto para manifestações

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Foto do author Marcelo Godoy
Foto do author Rayssa Motta
Atualização:

Os promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) denunciaram os proprietários das fintechs 2 Go Bank e InvBank Soluções Financeiras sob as acusações de liderar uma organização criminosa armada ligada ao Primeiro Comando da Capital (PCC) e lavagem de dinheiro.

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A defesa de Carlos Alexandre Ballotin e Marcelo Henrique da Palma, do InvBank, afirmou que a inclusão dos dois na denúncia é “injusta”, uma vez que “suposições já foram devidamente esclarecidas na fase de investigação” (mais informações abaixo). A reportagem do Estadão busca contato com a defesa da 2 Go Bank e de outros citados na denúncia do Ministério Público. O espaço está aberto para manifestações.

Cyllas Salerno Elias Júnior, do 2 Go Bank, os dois sócios do InvBank, Carlos Alexandre Ballotin e Marcelo Henrique Antunes da Palma, foram delatados pelo empresário Antônio Vinícius Gritzbach, o delator do PCC, fuzilado em 8 de novembro de 2024 no aeroporto de Cumbica, em Guarulhos.

Cyllas Elia Junior — Foto: Reprodução/Redes sociais Foto: Reprodução/Redes sociais

As empresas, que fariam parte de um “sistema financeiro ilegal” e teriam movimentado R$ 6 bilhões, foram alvo da Operação Hydra, feita pelos promotores em parceria com a Polícia Federal (PF) em fevereiro. Os promotores pedem à Justiça que os três empresários sejam condenados a pagar R$ 100 milhões de multa a título de dano moral coletivo e por dano social. O valor tem como referência a soma dos atos de lavagem de dinheiro investigados no caso.

De acordo com os promotores, desde 2020, Ballotin e Palma agiam de forma continuada para converter recursos de origem ilícita, principalmente do tráfico de drogas, em ativos lícitos a fim de repassá-los a diversas pessoas físicas e jurídicas, ocultando e dissimulando a origem do dinheiro. Para tanto, usavam o InvBank.

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Foi também em 2020 que Cyllas, que é policial civil e trabalhava no Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), teria passado a lavar dinheiro de integrantes da facção no 2 Go Bank. As defesas dos três negaram as acusações durante as investigações.

Como os acusados usariam as fintechs

De acordo com os promotores, os acusados forneciam “serviços financeiros alternativos às instituições financeiras tradicionais”. “E, explorando fragilidades de ambiente regulatório mais brando, as fintechs foram utilizadas para prática de atos de dissimulação da origem ilícita de capitais provenientes de organizações criminosas, constituindo engenharia financeira complexa para velar os reais beneficiários das movimentações operadas.”

Ainda segundo os investigadores, é fato que as fintechs revolucionaram o setor financeiro ao oferecer serviços inovadores, ágeis e acessíveis, desafiando o modelo tradicional bancário. Eles alertam, no entanto, que seu crescimento acelerado trouxe desafios regulatórios, “especialmente no combate a fraudes e à lavagem de dinheiro”.

As fintechs são regulamentadas no Brasil por diferentes normas do Conselho Monetário Nacional (CMN), leis federais e normas do Banco Central. As principais diretrizes incluem a necessidade de autorização do Banco Central para operar, restrição à captação de recursos para concessão de crédito – no caso das Sociedades de Crédito Direto – e obrigação de cumprimento das normas de prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo.

Policiais e agentes da Receita Federal participam da operação Tai PAN, em dezembro de 2024, que investigou o sistema financeira montado por fintechs ligado ao crime organizado; em fevereiro a 2 Go Bank foi alvo de nova operação, a Hydra  Foto: Polícia Federal

Mas, segundo o Gaeco, apesar de as fintechs terem mecanismos de segurança, “algumas fraudes ainda são comuns”. De acordo com os promotores, as principais são a fraude de identidade, com o uso de documentos falsos para abrir contas digitais e obter empréstimos fraudulentos; o chamado phishing, engenharia social na qual hackers induzem usuários a fornecerem dados bancários e senhas; fraude em pagamentos, com o uso de cartões clonados e boletos falsos em carteiras digitais e sistemas de pagamento online; e manipulação de crédito por meio da criação de históricos falsos para obter financiamento indevido.

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Ainda conforme os promotores, os criminosos usam diferentes métodos para lavar dinheiro por meio das fintechs. “Algumas das principais tipologias incluem o smurfing, o fracionamento de transações. O criminoso divide grandes quantias ilícitas em pequenas transações para evitar alertas de transações suspeitas. Isso pode ser feito por meio de carteiras digitais e contas bancárias virtuais.”

Os bandidos também fariam o chamado layering via criptomoedas. Trata-se do uso de fintechs que operam com criptoativos para converter dinheiro ilícito em bitcoin ou outras criptomoedas, dificultando o rastreamento. Há, ainda, o uso de contas de laranjas e empresas de fachada. Por meio das fintechs, os acusados conseguiriam movimentar dinheiro entre contas de diferentes países sem a necessidade de bancos tradicionais. Por fim, as fintechs estariam sendo usadas em empréstimos fraudulentos por meio de documentos falsos, e quitariam a dívida com dinheiro ilícito, criando uma justificativa legítima para os recursos.

Antônio Vinicius Gritzbach, o delator do PCC, denunciou a ação do 2 Go Bank e do InvBank; acabou fuzilado no aeroporto de Guarulhos Foto: Reprodução / Estadão

“Nas duas fintechs que constituem objeto da presente denúncia, cujas transações se qualificam como atos de lavagem de capitais, verificam-se as tipologias acima apontadas e a recorrência de desconformidade em relação ao marco regulatório”, escreveram os promotores. As fintechs teriam sido ainda usadas para a compra e venda de imóveis. “No caso da 2 Go Bank e da InvBank, a manobra tinha o objetivo de ocultar os reais interessados pelas aquisições, integrantes da alta hierarquia do PCC, notadamente Santa Fausta e Maeda”, afirma a denúncia.

Os países por onde o dinheiro passou

No caso do 2 Go Bank, a fintech adquiria e fornecia aos clientes USDT – moeda digital criada para espelhar o valor do dólar americano – e recebia, em contrapartida, valores em reais de empresas de fachada. Essas empresas recebiam e enviavam recurso para “pessoas relacionadas a crimes diversos”. “O dinheiro era movimento no Brasil, Estados Unidos, Paraguai, Peru, Holanda, Argentina, Bolívia, Canadá, Panamá, Colômbia, Inglaterra, Itália, Turquia, Dubai. A maior parte do dinheiro, porém, tinha Hong Kong e China como destinos, segundo as investigações (da PF).”

Uma das principais empresas que operavam com o 2 Go Bank, segundo os investigadores, pertencia a Matie Oban, investigada por lavagem de dinheiro e financiamento e custeio de tráfico de drogas. Oban é sócia de outra fintech, a 4 TBank, que foi alvo da Operação Decurio, em 2024, deflagrada pela Delegacia Seccional de Mogi das cruzes, suspeita de movimentar cerca de R$ 8 bilhões.

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Além disso, os promotores afirmam que na lista de relacionamentos suspeitos da 2 Go Bank estariam transações financeiras com uma organização terrorista por meio de criptomoedas. “Com efeito, o Banco Topazio (com quem a 2 Go Bank se relacionava) informou que o Ministério da Defesa de Israel emitiu um comunicado sobre a existência de carteiras de ativos digitais e contas digitais mantidas na Exchange Binance que seriam operacionalizadas para movimentação de criptomoedas com fins de perpetração de crimes de terrorismo”.

Já a InvBank operava com a empresa Crédito Urbano, que estava no nome do servente de pedreiro Josenilson Urbano dos Santos. “Trata-se, porém, de empresa de fachada, sendo Josenilson Urbano dos Santos mero ‘laranja’, já que o verdadeiro responsável pela empresa Crédito Urbano é Carlos Alexandre Ballotin”, afirmaram os promotores.

A InvBank também teria lavado dinheiro do PCC, transferindo valores da Crédito Urbano para a MVE Administração de Bens e Participações Ltda., empresa de Ademir Pereira de Andrade. Andrade seria um operador financeiro do PCC que foi alvo da Operação Tacitus, da PF, em dezembro de 2024, sob suspeita de participar do esquema de corrupção policial mantido pela cúpula da facção.

“Os denunciados estão inseridos no contexto das atividades ilícitas da organização criminosa denominada PCC, para a lavagem de capitais do produto e proveito do crime de tráfico de drogas e outros crimes correlatos praticados pelos seus integrantes, notadamente, Anselmo Bechelli Santa Fausta, o Cara Preta, e Rafael Maeda, o Japa, valendo-se, para tanto, das fintechs”, escreveram os promotores na denúncia.

Santa Fausta foi assassinado em dezembro de 2021, no Tatuapé, ao lado de seu segurança. Gritzbach chegou a ser acusado de ser o mandante do crime, o que ele sempre negou. Já Maeda foi encontrado morto em 2023 em uma garagem, também no Tatuapé.

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Rafael Maeda Pires, o Japa do PCC, chega ao prédio no Tatuapé em que foi encontrado morto, em abril de 2023 Foto: Reprodução / Estadão

De acordo com os promotores, os bandidos que se utilizavam dos serviços das fintechs “faziam uso da violência como instrumento de dominação territorial e dos negócios ilícitos, conforme demonstrariam outros processos na 1.ª Vara Especializada de Crimes contra a Ordem Tributária, Organização Criminosa e Lavagem de Bens, Direitos e Valores da Capital”.

Os integrantes do Gaeco citam uma dezena de homicídios praticados pelo PCC em disputas internas da facção envolvendo os traficantes que transformaram a região do Tatuapé Jardim Anália Franco, na zona leste, na chamada Little Italy de São Paulo, uma referência ao bairro nova-iorquino dominado pela máfia ítalo-americana.

COM A PALAVRA, O ADVOGADO LEANDRO PONZO

“Os srs Carlos Alexandre Ballotin e Marcelo Henrique da Palma manifestam absoluta indignação com a injusta inclusão de seus nomes em denúncia do Ministério Público de São Paulo por suposições que já foram devidamente esclarecidas na fase de investigação. A defesa lamenta a exploração midiática de uma denúncia extremamente genérica e sem qualquer materialidade contra seus clientes e esclarece o seguinte:

A InvBank, durante a gestão do sr. Carlos (2020 até setembro de 2022, quando foi vendida), nunca se relacionou com qualquer fintech citada, tampouco operava como tal. Sua movimentação financeira, no período, não superou a cifra de 60 mil reais mensais, devidamente informada ao Fisco, conforme documentação apresentada à polícia. Nenhuma das pessoas mencionadas na denúncia era cliente da plataforma do InvBank à época da gestão do sr. Carlos.

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A transação financeira de Anselmo em favor da pessoa jurídica Invbank, limitou-se à transferência bancária entre a Caixa Econômica Federal e a conta PJ da empresa no Banco Itaú. Sua finalidade foi a de constituir sociedade em conta de participação (SCP) para investimento em um empreendimento imobiliário.

O negócio não se confunde com serviços financeiros prestados pelo Invbank e é absolutamente legítimo, com documentação já à disposição das investigações.

Importante ressaltar que não havia, até aquele momento (outubro de 2021), qualquer informação pública a respeito de práticas criminosas atribuídas ao sr. Anselmo, incluindo a pesquisa de certidões cíveis e criminais.

Somente após a morte do sr. Anselmo é que o sr. Carlos Ballotin, assim como todo o público, tomou conhecimento das acusações e a SCP foi desfeita, com a devolução integral de todos os valores depositados ao espólio do falecido.

Em relação às transações entre os srs. Carlos e Marcelo entre 5/2020 e 2/2021, os depósitos têm origem lícita e documentada perante a Receita Federal, sendo proveniente de receitas obtidas com o trabalho como advogados, como sócios.

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