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Proteção de dados em xeque: vazamento na Ticketmaster abre polêmica sobre segurança dos consumidores

Procon de São Paulo notificou a plataforma de venda de ingressos; especialistas defendem menos coleta de dados e aconselham medidas de segurança austeras após grupo hacker furar sigilo em investida ilegal que pode ter atingido 560 milhões de clientes ao redor do mundo.

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Foto do author Adriana Victorino
Atualização:

ESPECIAL PARA O ESTADÃO - A Ticketmaster, plataforma de venda de ingressos, confirmou o vazamento de dados que pode ter exposto 560 milhões de clientes, na última sexta-feira (31). Em comunicado ao SEC (Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos), a Live Nation, que subsidia a companhia, informou ter iniciado uma investigação após identificar uma “atividade não autorizada dentro de um ambiente de banco de dados em nuvem de terceiros”. O Procon-SP notificou a Ticketmaster pedindo explicações.

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Em 28 de maio, um grupo hacker conhecido como ShinyHunters reivindicou o ataque no BreachForums, um fórum de hackers criminosos na dark web, oferecendo 1.3 terabyte de dados por US$ 500 milhões. Segundo eles, foram vazados nomes, endereços, telefones e informações de cartões de crédito como os últimos quatro dígitos e a data de expiração. A Live Nation citou um ataque hacker no comunicado ao SEC, mas não especificou os autores. O FBI (Federal Bureau of Investigation) apreendeu mais uma vez o domínio do site, conhecido por ser um dos maiores fóruns ilegais da dark web.

O Procon-SP notificou a Ticketmaster para que a empresa informe se o vazamento afetou clientes brasileiros e quantos consumidores podem ter sido atingidos. Além disso, a instituição pediu que a companhia esclareça como os dados são captados e armazenados e quais serão os procedimentos adotados.

“A gente questiona e trabalha de forma integrada à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e dita a orientação aos consumidores conforme a resposta da notificação, como eventuais medidas administrativas cabíveis”, informou o diretor de Assuntos Jurídicos do Procon-SP, Robson Campos.

Procon de São Paulo notificou plataforma para saber se dados de usuários foram vazados.  Foto: Gabriela Bilo/Estadão

A LGPD, em vigor desde 2020, garante a proteção dos dados pessoais dos brasileiros, direito fundamental no País conforme a Constituição Federal. No entanto, o advogado do Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC) Lucas Marcon expressou a preocupação da organização como um todo no que diz respeito à jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, que entendeu que o vazamento de dados por si só não tem capacidade de gerar dano moral indenizável.

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“Muito embora tenha uma violação de um direito fundamental, isso em si não gera uma indenização por danos morais ou uma responsabilidade da empresa. Isso é uma coisa que o IDEC vê com muita preocupação, caso as pessoas, quando elas sofram com problemas daquele vazamento, não consigam comprovar”, explica Marcon .

Essa comprovação de danos, no entanto, é algo difícil de alcançar, já que os dados da população são coletados de forma massiva em diversos lugares, argumenta o professor de Direito Digital da Universidade de São Paulo Eduardo Tomasevicius.

Segundo o professor, “quando se concebeu a LGPD, achava-se que era possível identificar a válvula ali, o dano aconteceu. Só que hoje, você não tem como identificar. Por quê? O tempo todo estão sendo coletados os dados [..] ou seja, são tantos dados coletados que você não sabe de onde veio”.

Embora isso não deva anular a cautela das empresas, na prática, quanto maior o número de dados vazados, menores as chances de alguém sofrer um dano. O gerente de projetos da Safernet Brasil Guilherme Alves explicou que em casos como o da Ticketmaster, que envolve o vazamento massivo de dados, a chance de algum dano imediato para uma pessoa específica ocorrer é pequena.

Ainda assim, no caso da Ticketmaster a orientação da Safernet Brasil aos clientes brasileiros é que troquem senhas e dados de acesso à conta na plataforma, principalmente os cartões de crédito. Além disso, é possível notificar a instituição financeira sobre o possível vazamento de dados.

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“Quando a gente fala de compras online, a orientação é sempre que as pessoas utilizem cartões de crédito virtuais, para que qualquer tipo de situação que ela possa ter, seja possível simplesmente excluir o cartão de crédito virtual, sem comprometer o cartão de crédito”, informou Alves.

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A análise da Safernet Brasil, considerando outros casos como o da Ticketmaster, é de que estes bancos de dados acabam sendo comercializados, podendo servir para outros tipos de golpes criminosos no futuro. Segundo Alves, “quando há um vazamento massivo, pode ser que o dano para uma pessoa específica seja difícil de rastrear, mas isso não quer dizer que não haja a possibilidade de um dano futuro”.

A dificuldade no rastreio dos dados é a principal barreira para a comprovação dos danos, embora a LGPD determine a transparência. Por isso, outra recomendação é que os consumidores registrem uma reclamação na Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), órgão criado para fiscalizar o cumprimento da LGPD.

Segundo Marcon, o IDEC tem mantido conversas com o órgão reiterando ações rápidas e efetivas, além de transparência em processos administrativos para que a população tenha noção das atualizações e do tempo de espera necessário. “Mas, infelizmente, o que a gente viu até hoje é uma omissão muito grande da autoridade”, criticou o advogado.

Em contrapartida, Tomasevicius vê o papel da ANPD como educacional e não punitivo, uma vez que o País possui uma cultura de divulgação de dados bastante forte. “A gente também tem que se preocupar em saber o que são feitos com os nossos dados, e aqui ninguém se preocupa, é muito fácil as pessoas ficarem entregando os dados sem questionar, querendo receber vantagens por conta disso [...] então é uma injustiça até criticar a autoridade”, defende o professor.

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Diante disso, o papel da ANPD para Tomasevicius deveria ser de fomento à educação digital e imposição de uma coleta e armazenamento menor de dados, evitando também o pedido de informações desnecessárias que não sirvam para um propósito específico. Um incentivo à cultura de minimização da coleta de dados poderia vir de encontro também ao questionamento sobre o uso das informações.

“Por exemplo, um antibiótico que custa R$ 300 fica R$ 150, significa que a farmácia está pagando pra você R$ 150 pra saber que você usa o medicamento, veja, é um valor elevado, ou seja, por que o laboratório paga esse valor pra você dizer isso pra ele? Isso não é questionado e é muito mais grave do que uma situação punitiva da ANPD”, disse o professor citando como exemplo os descontos significativos oferecidos pelas farmácias quando os clientes oferecem o CPF.

COM A PALAVRA AUTORIDADE NACIONAL DE PROTEÇÃO DE DADOS

A reportagem do Estadão entrou em contato com a Autoridade Nacional de Proteção de Dados, que informou ter tomado conhecimento do caso através da imprensa.

“Ainda não houve comunicado formal pela empresa. Caso a empresa não comunique espontaneamente, a ANPD poderá provocar a empresa para que apresente o comunicado ou esclarecimentos, se houver indícios de que o incidente pode ocasionar riscos ou danos relevantes às pessoas afetadas”.

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“Inicialmente, a lei manda que a própria TicketMaster avalie se o incidente envolveu dados pessoais e se ele ocasiona risco ou danos relevantes às pessoas afetadas. Caso positivo, surge a obrigação de comunicar às pessoas afetadas e à ANPD”.

“A partir do comunicado encaminhado pela empresa, a equipe técnica verifica as informações recebidas para o correto direcionamento da fiscalização. As ações dependem dos riscos ou danos eventualmente decorrentes do incidente e, sobretudo, das medidas que a empresa já tenha tomado ou que pretende tomar”, informou a ANPD em nota.

COM A PALAVRA TICKETMASTER

A reportagem do Estadão entrou em contato com a Ticketmaster, mas não recebeu resposta até a publicação desta reportagem. O espaço está aberto.

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