A Federação Brasil da Esperança (PT, PCdoB e PV) deve pedir uma investigação criminal sobre a contratação do advogado Luís Felipe Cunha, suplente do senador Sérgio Moro (União-PR), para prestar serviços jurídicos ao União Brasil na pré-campanha das eleições de 2022.
A suspeita é a de que o advogado não tenha prestado efetivamente os serviços previstos no contrato e que o dinheiro repassado pelo União Brasil tenha sido usado para abastecer ilegalmente a pré-campanha de Moro. O senador e o partido negam irregularidades.
O pedido será feito nas alegações finais que serão enviadas nesta terça-feira, 12, na ação eleitoral que pode levar à cassação do mandato do senador.
Mesmo sem nenhuma experiência em Direito Eleitoral, Luís Felipe Cunha foi contratado para cuidar da assessoria jurídica do partido e dos pré-candidatos do União. O valor acordado foi de R$ 1 milhão - R$ 250 mil por mês, entre abril e julho de 2022.
O contrato prevê serviços como assessoria e estratégia jurídica dos pré-candidatos, inclusive sobre restrições na pré-campanha, análise de materiais publicitários e consultoria sobre arrecadação e gastos.
A contratação coincidiu com a filiação de Moro ao União Brasil, após deixar o Podemos, primeiro partido a filiar o ex-juiz quando ele entrou oficialmente na vida político-partidária.
Antes da saída de Moro, a assessoria jurídica do Podemos na pré-campanha estava a cargo do escritório do advogado Gustavo Bonini Guedes, que tem uma carreira consolidada na esfera eleitoral.
Guedes foi presidente do Instituto Paranaense de Direito Eleitoral (2015-2017) e membro da Comissão de Direito Eleitoral do Conselho Federal da OAB (2013-2015). Também faz parte da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep). O escritório foi contratado por R$ 60 mil por mês, entre fevereiro e julho de 2022, mas só prestou serviços nos dois primeiros meses, até a saída de Moro do partido.
Depoimento
O senador foi questionado sobre a contratação do suplente na semana passada, quando prestou depoimento ao Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE-PR) na ação que pede a cassação do seu mandato. Ele e Luís Felipe são amigos há mais de vinte anos.
Moro reconheceu que indicou o suplente, mas negou caixa dois e afirmou que os serviços foram prestados não só para ele, mas também para outros pré-candidatos e ao próprio partido. “Era importante para mim ter, dentre as pessoas que prestavam serviços jurídicos, e esses serviços jurídicos foram muito utilizados, alguém de confiança”, justificou o senador.
O ex-juiz também negou ter participado da contratação ou da negociação de honorários. “Essa negociação de valores se dá entre o partido e o escritório de advocacia, até porque esses serviços não me envolviam apenas.”
O magistrado que tomou o depoimento insistiu sobre a diferença de valores para contratos semelhantes e questionou por que o suplente de Moro recebeu mais do que um advogado com mais experiência. “Há de convir que é um valor alto, acredito que ex-ministro do Supremo, grandes operadores cobrem isso”, afirmou o magistrado.
O senador justificou que os dois escritórios fizeram um “trabalho conjunto” e que a contratação também foi motivada porque Gustavo Guedes havia atuado em um processo contra o presidente do União Brasil, o deputado Luciano Bivar (PE), o que causou uma “animosidade pessoal”.
“Havia uma questão pessoal, porque no passado o doutor Guedes havia advogado num processo contra o presidente do partido, o União Brasil, então também foi feita essa contratação, e aí o Dr Guedes trabalhou junto com o Luís Felipe nos processos, porque a contratação ali, vamos dizer, diretamente do escritório, tinha uma resistência por conta desse processo. Era o caso da Joice Hasselmann, ele fez o trabalho dele como advogado, mas gerava uma animosidade pessoal. Mas tudo isso foi feito de maneira transparente e o serviço que eles prestaram foi um trabalho conjunto”, afirmou.
‘Animosidade pessoal’
Procurado pela reportagem, Luciano Bivar negou ter feito ressalvas à contratação do advogado Gustavo Guedes.
“Eu desconheço tudo isso. Isso que o Moro falou eu não me recordo”, afirmou ao Estadão. “Para ficar bem claro, eu não estou dizendo que Moro está mentindo, mas eu não me recordo. Eu nunca tive qualquer diferença com o Gustavo Guedes.”
O presidente do União reiterou que não tem “restrição” em relação ao advogado. “Se o Moro entendeu isso foi com algum membro do nosso corpo jurídico, não do presidente.”
O Estadão entrou em contato com a assessoria do senador, que informou que ele não quis dizer que havia uma “resistência pessoal” de Luciano Bivar com o advogado. A “animosidade”, segundo pessoas próximas a Moro, tinha relação, exclusivamente, ao processo movido pela ex-deputada Joice Hasselmann contra o PSL, que se fundiu ao DEM e formou o União Brasil.
Contrato com o Podemos
Luís Felipe Cunha começou como coordenador jurídico da campanha de Moro quando ele ainda estava no Podemos. O ex-juiz migrou ao União Brasil após ver derreterem suas chances de vitória na corrida presidencial, para lançar a candidatura bem-sucedida ao Senado.
O advogado chegou a ser contratado também pelo Podemos, para prestar serviços jurídicos e ajudar a estruturar a pré-campanha presidencial.
COM A PALAVRA, LUÍS FELIPE CUNHA
A reportagem entrou em contato com o advogado. O espaço está aberto para manifestação.
COM A PALAVRA, O ADVOGADO GUSTAVO GUEDES
Ao Estadão, Guedes confirmou atuou em conjunto com Luís Felipe Cunha na assessoria jurídica do União Brasil, em dezenas de pareceres, e informou que recebeu parte dos valores repassados ao colega.
“Não há controvérsia na atuação conjunta dos escritórios de Luis Felipe Cunha e Gustavo Guedes na pré-campanha do União Brasil. São mais de 25 documentos (pareceres e petições), no período de quatro meses, assinados em conjunto pelos escritórios, todos devidamente juntados ao processo. Ilações das partes, não provadas, porque inexistentes, serão levadas à justiça.”
COM A PALAVRA, O ADVOGADO LUIZ EDUARDO PECCININ, DA FEDERAÇÃO BRASIL DA ESPERANÇA
“A declaração do presidente Bivar mostra como a mentira tem perna curta. A explicação dada no depoimento para a manobra contratual já era pouco crível, agora então, só piora a versão dada em audiência pelo senador. Moro confessou ao relator que o contrato de seu suplente servia como ‘guarda-chuva’ para pagar despesas que nunca apareceram, uma prática comum em casos de ‘caixa dois’ e uma suspeita que tínhamos desde o começo da ação”.
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