Aprendi, em Teoria Geral do Estado, que esta entidade hoje tentacular, que interfere com nossa vida desde o nascimento e até depois da morte, era simplesmente uma sociedade de fins gerais. Fins tão amplos que, dentro dela, poderiam se desenvolver as sociedades de fins particulares e os indivíduos. O mínimo de interferência, mas a garantia da segurança e da ordem jurídica.
Mas o Estado não se satisfaz com essa postura discreta, respeitadora dos direitos humanos. Ele se expande, ele se avoluma, ele custa cada vez mais. E para fazer face a todas as atribuições que ele açambarca, e das quais não dá conta, nem tem competência para exercê-las, impõe uma tributação excessiva. Desproporcional e impeditiva de que a iniciativa particular seja a cada dia mais eficiente.
A tendência estatizante é nefasta. Quanto mais Estado, mais ineficiência e mais corrupção. Herdamos um fardo nocivo da colonização lusa. Isso ficou evidente quando se descobriu ouro nas Minas Gerais e, pouco depois, verificou-se que o Brasil também possuía veias diamantinas.
A “sagrada e maldita fome de ouro” fez com que a Coroa Real procurasse, por todos os meios, despovoar a terra que atraía os exploradores, na região que primeiro se chamou Tejuco e, posteriormente, veio a ser conhecida como Diamantina. O intuito da metrópole era tornar insuportável, senão impossível, a vida no Distrito demarcado, afugentando assim os moradores, de forma que a gente do Rei pudesse, sozinha e sem concorrência, entregar-se à proveitosa lida.
Não era uma política disfarçada. Ao contrário, escancararam-na. As ordens reais rezavam, textualmente: “Todo o escravo ou pessoa livre que for achado nos córregos, gupiaras ou lavras que forem de diamantes, com suspeita de que quer extraí-los, serão presos: os escravos açoitados e vendidos, metade para o denunciante e metade para a Fazenda Real, e os homens livres pagarão cem mil réis de multa com dois meses de prisão e serão exterminados da comarca”.
Para estimular a delação, o Governador de Minas expediu ao Intendente uma portaria, em 24.12.1734, que determinava se tomasse em segredo qualquer denunciação contra os transgressores. Os denunciantes, também em segredo, receberiam a terça parte do valor dos diamantes e bens confiscados aos denunciados. E ao escravo que denunciar o seu senhor, se este for condenado, mandará o Intendente passar carta de liberdade em nome de Sua Majestade, além da parte que lhe competir no confisco”.
Com isso, ao acenar com incidência nos rigores de uma penalidade severa e irremediável a mera suspeita de uma tentativa, prestigiava-se a denunciação torpe, estimulava-se e premiava-se a baixeza das pequenas vindictas do escravo contra o senhor, do perverso contra o desafeto, do ambicioso mesmo contra os simples e os ingênuos”.
A crônica da época registra inúmeros casos de dolorosas práticas que lançaram à miséria famílias inocentes, a par do clima de terror que atemorizava a todos. Ao mesmo tempo, a ilicitude encontrava fórmulas de contornar o esquema rígido e de manter um próspero negócio de traficância de diamantes.
A despeito da vigilância acirrada e indefectível dos fiscais da Intendência, era em enorme escala que o garimpo e o contrabando se faziam naquele território, sob o olhar iracundo do terrível Intendente.
Interessante observar que, nos primeiros tempos do diamante, chamava-se “garimpo” a cata clandestina e não permitida. “Garimpeiro” quem se entregava a esse arriscado e defeso mister. A expressão primitiva seria “garimpeiros”, assim chamados por viverem e andarem escondidos pelas “grimpas” das serras.
Hoje a expressão se emprega para designar em geral todo aquele que se dedica ao trabalho da mineração. Mas essa conotação pejorativa ressuscita com o garimpo ilegal e criminoso nas demarcações indígenas. No século XVIII, em Minas Gerais, todos os dias garimpeiros eram descobertos e mortos, mas sempre novos bandos se formavam e a exploração criminosa prosseguia. No século XXI, vê-se que o Estado não consegue controlar o garimpo ilegal na Amazônia. E ao não cumprir com sua única função indelegável – garantir a segurança pública – ele novamente erra e prejudica a nação. Vê-se que o Estado atrapalha sempre: por excesso na ação ou por excessiva negligência e omissão.
Algum dia a humanidade chegará ao Estado ideal ou, melhor ainda, à desnecessidade de Estado, no momento em que a sociedade atingir o grau civilizatório que prescinda dessa entidade?
*José Renato Nalini é reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário-geral da Academia Paulista de Letras
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