Como seria bom se pudéssemos dizer, sobre nossas elites, aquilo que Oscar Mendes afirmou sobre Joaquim Nabuco. Não o conhecera pessoalmente. A primeira lembrança viera do fato de haver assistido às homenagens prestadas ao brasileiro por sua cidade, Recife, que fizera questão de sepultá-lo. O garoto impressionou-se com o respeito demonstrado “ao gigante tombado, o redentor de uma raça, o próprio gênio da América do Sul integrado no coração da América do Norte”.
Adulto e por ocasião do centenário de nascimento de Nabuco, dispôs-se Oscar Mendes a traçar o seu perfil. Começa por citar Graça Aranha, para quem “Joaquim Nabuco é um assunto privilegiado. Todos que o tocam, biógrafos, críticos ou leitores, ficam contaminados pelo esplendor do político, pela graça do escritor, pelo heroísmo do homem”.
Na verdade, raríssimos os homens públicos geradores de tal admiração. Sua “vida tão harmoniosa, tão bela e tão plena se irradia” e faz com que todos os que dela se aproximam se sintam “como que deslumbrados e quase descrentes de que tanta beleza moral, tanta serenidade, tanto valor intelectual, tanta perfeição corpórea, tenham podido reunir-se em uma só criatura, para tornar sua vida uma obra-prima de harmonia, de beleza, de plenitude, como poucos podem orgulhar-se de ter sido, neste país de destinos frustrados e de realizações inacabadas”.
Os testemunhos são abundantes e expressivos. João Ribeiro afirmou que “o seu pensamento tem sempre uma dimensão que nós outros não temos, que é a penetração assombrosa tanto para o passado, como para o futuro”. Tristão de Ataíde o considerou “o maior milagre de harmonia de nossa História”. Humberto de Campos o considerou, “sem contestação possível, a figura mais perfeita e harmoniosa que o Brasil, porventura, já produziu”.
O perfil de Nabuco foi analisado sob várias vertentes. Enfatiza-se o seu entusiasmo permanente, sua resiliência diante dos infortúnios. Ainda que um empreendimento seu não alcançasse o sucesso, não se abatia. “A sua seiva criadora repontava em novos ramos, seu espírito se voltava ansioso para uma nova obra a realizar, para um novo ideal a concretizar e florescer”. Era perfeccionista, sem ser arrogante. “A feição típica do seu espírito era a do artífice meticuloso que todo se entrega ao acabamento de sua obra e a quer ver perfeita e formosa, quer fosse ela um drama em verso, um pensamento, uma página de memórias, um relatório diplomático, uma defesa jurídica, um discurso em comício, uma frase de espírito, um debate político. Domício da Gama, que com ele trabalhou e o conheceu intimamente, recorda que tudo que dele saía era esmerilhado, limado. Seus mais insignificantes recados particulares eram primores de composição”.
Algo que falta aos novos ricos ou pretensiosos semianalfabetos que se arrogam a condição de pensadores, era a singela e límpida humildade. A todos tratava como seres humanos e, como tais, merecedores da consideração imposta pelo reconhecimento da sua ínsita dignidade: “Esse dom de encantar e de atrair pela lhaneza e pela bondade, não se exercia apenas para com a gente de sua classe social, para com intelectuais, diplomatas, acadêmicos, príncipes, hierarcas e majestades. Com a mesma delicadeza, a mesma atenção, Nabuco conversava com o escravo, com o carregador das docas do Recife, com os operários de Afogados, com os homens da lingueta. O aristocrata, o gentil-homem, estava sempre presente nas suas atitudes, nos seus gestos, na sua palavra. Jamais se demandava ou arremangava nos acapadoçamentos da demagogia. Nem mesmo no mais aceso da campanha abolicionista, quando os adversários o atacavam, o insultavam, o vilipendiavam, desceu ele à liça para a troca do insulto soez, da contumélia injuriante”.
Nunca se portou de maneira a deslustrar sua estirpe fidalga, nobre por natureza, de alma privilegiada pelo acúmulo de dons genuínos. Contar com sua presença em qualquer espaço era garantia da preservação do nível qualitativo das discussões. “O polemista foi sempre o esgrimista de alta classe. A ironia era o florete com que atingia em pleno coração a solércia e o aleive do antagonista. O golpe podia ser certeiro, duro, mortal, mas era um golpe dado de acordo com as regras do jogo. Jamais se utilizou do rabo-de-arraia, da rasteira, do cangapé da capoeiragem. E se alguma vez a sua frase foi mais vergastante, mais ferina, vibrava segura e castigadora, com a flexibilidade do rebenque no rosto do atrevido, traiçoeiro e mendaz”. Como caiu de nível a humanidade e, de forma galopante e cruel, neste nosso Brasil. Em que sepulcro se enterrou a polidez, a boa educação de berço, a delicadeza, o conjunto que um dia se chamou de “bons modos”? O pior, é que já não se encontra receptividade quando se ousa pleitear sua restauração.
Que bom seria que a gentileza voltasse a habitar esta triste Terra de Vera Cruz.
Convidado deste artigo
As informações e opiniões formadas neste artigo são de responsabilidade única do autor.
Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.