A passagem foi curta – 15 minutos em um julgamento que promete se estender por dias –, mas a manifestação do advogado Walber de Moura Agra nesta quinta-feira, 22, no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ficará registrada na história política recente do Brasil.
Coordenador jurídico do PDT, o paraibano de 50 anos é o responsável pela ação que pode deixar o ex-presidente Jair Bolsonaro inelegível até 2030. A eventual condenação será o segundo grande golpe ao projeto de poder da extrema-direita no Brasil desde a vitória de Lula.
Bolsonaro é acusado de abuso de poder político, conduta vedada, desordem informacional e uso indevido dos meios de comunicação na reunião com embaixadores estrangeiros no Palácio da Alvorada, em 18 de julho de 2022, quando atacou sem provas o sistema de votação brasileiro, as urnas eletrônicas e levantou suspeitas sobre o processo eleitoral.
Nascido em Campina Grande, segunda maior cidade de seu Estado natal, o advogado mora em Recife há 27 anos e costuma viajar semanalmente a Brasília para cumprir a agenda de trabalho. A história com o PDT começou há cerca de oito anos.
Para chegar ao texto apresentado hoje, quando diante dos sete ministros do TSE atribuiu a Bolsonaro uma “obsessão golpista”, passou os últimos três dias revisando o processo. “Não aguento mais ler esses autos”, brinca.
O exercício maior foi reduzir. A primeira versão, com os pontos principais que precisavam entrar na sustentação oral, tinha 43 páginas. Foi a partir desse resumo que ele construiu o parecer lido na manhã de hoje com convicção e desenvoltura.
A estratégia foi tentar ligar a reunião com os embaixadores a um contexto mais amplo de ataques antidemocráticos e tentativas de desacreditar o sistema eleitoral, que culminou os atos golpistas do dia 8 de janeiro em Brasília.
A apresentação oscilou entre o tom literário e o jurídico. Agra recitou o escritor português José Saramago, o filósofo italiano Nicolau Maquiavel e o poeta alemão Johann Wolfgang von Goethe. Também fez menção ao inquisidor espanhol Tomás de Torquemada. A fala inteira foi concebida a partir de uma contraposição entre luz e cegueira.
“Como eu ia falar de forma descontextualizada, só usar palavras fáceis? Isso não sou eu. Eu queria uma sustentação oral que não me envergonhasse, não fazer feio, mas que ao mesmo tenho fosse a minha cara”, afirma ao Estadão. “Eu consegui. Estou muito orgulhoso.”
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A erudição transparece, mas ele garante que a experiência como professor, ofício que exerce há anos com orgulho, ajuda a lidar com as palavras.
Apesar da segurança que passava ao se dirigir até a tribuna e durante a leitura, o advogado admite que estava nervoso. “Não era só um trabalho de advocacia. É uma missão de cidadania”, avalia.
O julgamento de Bolsonaro será retomado na próxima terça-feira, 27, com os votos dos ministros. O ex-presidente responde a outras ações no TSE, mas a do PDT é a mais adiantada. A equipe jurídica do partido foi cautelosa e evitou apresentar pedidos que não fossem considerados realmente necessários. A estratégia foi usada para blindar o processo de eventuais questionamentos da defesa de Bolsonaro e acelerar ao máximo o desfecho.
A tendência é a condenação do ex-presidente. A missão do advogado, por hora, está cumprida. “Hoje eu vou voltar para as minhas leituras de praxe. Eu vou voltar a ler psicanálise”, se despede da reportagem.
Leia a entrevista completa:
ESTADÃO: Como foi a preparação para a sustentação oral?
Walber de Moura Agra: Eu tentei selecionar os pontos essenciais. Não apenas é uma aije (Ação de Investigação Judicial Eleitoral) dos desembargadores. É uma aije muito mais forte, contra a disseminação de fake news, a favor da democracia, contra as tentativas de ruptura institucional. Isso foi o mais imperioso. Não era só um trabalho de advocacia. É uma missão de cidadania.
ESTADÃO: Como selecionou o que entraria ou não, considerando o tempo de 15 minutos?
Walber de Moura Agra: Primeiro, a gente selecionou o que era essencial. Deu 43 folhas. Depois que a gente viu quais eram os pontos que eles estavam enfocando. A partir desse resumo e dos pontos, a gente reduziu pra 28. E finalizou para não exceder o tempo.
ESTADÃO: O que fez nos últimos dias?
Walber de Moura Agra: Eu parei tudo e me concentrei nos autos. Eu estudo esses autos há três dias. Não aguento mais ler esses autos na minha vida (risos). Hoje eu vou voltar para as minhas leituras de praxe. Eu vou voltar a ler psicanálise.
ESTADÃO: Qual a sensação de participar de um julgamento histórico?
Walber de Moura Agra: Obviamente, você tem medo. O meu discurso não é político. Eu sou um técnico jurídico. É uma responsabilidade muito grande. Eu não queria fazer feio, ser deselegante. Alguns colegas me disseram para apenas cumprir o timing. Mas isso não faz parte da minha realidade. Como eu ia falar de forma descontextualizada, só usar palavras fáceis? Isso não sou eu. Eu queria uma sustentação oral que não me envergonhasse, não fazer feio, mas que ao mesmo tenho fosse a minha cara. Eu consegui. Estou muito orgulhoso.
ESTADÃO: Sentiu nervosismo quando chegou diante do microfone?
Walber de Moura Agra: Ah, dá um nervoso. Volto lhe a dizer: meu medo era passar vergonha. Vergonha de dizer uma palavra mal empregada, vergonha de ter um trabalho intelectual que pudesse ser menosprezado. Eu sou filho de professores. Eu também sou professor, minha vida toda, é a função que eu mais gosto de exercer. Minha maior qualificação é essa.
ESTADÃO: De onde vieram as citações?
Walber de Moura Agra: Antes de ser advogado, eu dou aula, estudo. Fica mais fácil lidar com as palavras. E me preparei bem. Eu não sabia se terminava com Chico. Como eu estava falando de cegueira, qual é o paradoxo da cegueira? A claridade. Aí me veio Goethe. Eu gostei do final. Algumas pessoas ligaram para mim emocionadas. Eu só fui assistir agora. Se você perguntar para mim: como você saiu (do TSE)? Eu sei que eu saí.
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