Nos autos da Operação Aurora - investigação sobre suposto desvio de R$ 20 milhões dos cofres da prefeitura de uma pequena e remota cidade no interior da Bahia -, o Ministério Público estadual detalhou à Justiça o perfil de Flávia César Mendonça. Ela é filha de Maria das Graças, a prefeita de Ipiaú, de 40 mil habitantes, situada a 360 quilômetros de Salvador.
Segundo a Promotoria, Flávia se intitulava “prestadora de serviços voluntários” na administração de sua mãe para ocultar sua verdadeira função de destaque em um grupo sob suspeita de promover fraudes e direcionamento de contratos públicos.
Nas redes sociais, a prefeita defendeu a filha e classificou de “infundadas” as acusações. “Novamente recebo ataques, e dessa vez estão atacando a minha filha. Nossa família construiu um legado de muito trabalho, com honestidade, e abnegação e, graças a Deus, isso é reconhecido por todos. Confio em Deus que a verdade e a justiça prevalecerão”, afirmou.
Flávia e mais 14 investigados da Operação Aurora foram denunciados pela Promotoria, por meio do Grupo Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), braço do Ministério Público estadual. A Justiça acatou a acusação. Flávia e todos os outros ocupam assento no banco dos réus.
O livre acesso de Flávia à prefeitura fez com que a Promotoria pedisse que ela fosse proibida de entrar em qualquer repartição da administração municipal de Ipiaú. A Promotoria quer evitar que a acusada faça uso, mesmo que indiretamente, de sua interlocução com servidores da gestão Maria das Graças e trave a sequência das investigações.
Segundo o MP, Flávia integra o núcleo político-administrativo do grupo investigado na Operação Aurora. Ela seria o elo com o núcleo econômico e empresarial da quadrilha. A Promotoria atribui à filha da prefeita “posição mais proeminente da organização”.
Segundo a investigação, Flávia exerce “com grande autonomia forte ingerência sobre as relações contratuais estabelecidas pelo município”.
De acordo com a Promotoria, a “voluntária exerce controle e domínio sobre todo esquema delituoso, inclusive durante a execução do contrato e de seus aditivos”.
Os promotores sustentam que Flávia César Mendonça indicou e dirigiu as atividades da secretária de Infraestrutura Carla Cardoso Garcia, para que “lhe servisse de longa manus na estrutura administrativa”. O Estadão busca contato com a defesa de Carla. O espaço está aberto.
“Sem ela (Flávia), não teria sido possível a instalação de um esquema delituoso com dispensa indevida de licitação”, registra a denúncia da Promotoria.
Ainda segundo os autos da Operação Aurora, a filha da prefeita “aufere outras vantagens, dentre elas o poder de admitir e inadmitir quem queira dos quadros de uma empresa investigada, como forma de benefício ilícito, direcionando também o pagamento de vantagens a terceiros”.
A Promotoria assinala que o esquema de Flávia não só teria envolvido a contratação, sem licitação, de um grupo empresarial que com ela mantinha ligações, mas também com a prorrogação indevida de contrato. Nesse ponto, a consultoria jurídica do município chegou a alertar Flávia, diz a Promotoria.
Segundo a investigação, a filha de Maria das Graças, mesmo sem um cargo oficial na gestão municipal, “faz as vezes de prefeita”. Os promotores que subscrevem a denúncia afirmam que ela fazia a ponte entre as empresas e o setor de licitações da prefeitura de Ipiaú.
“Observa-se, portanto, que a denunciada Flávia transita com muita verticalidade entre os núcleos públicos e privados”, assinala a Promotoria.
Nos autos da Operação Aurora destaca-se relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). O documento identifica movimentações financeiras suspeitas de Flávia com indícios de “lavagem de capitais”.
“A movimentação financeira observada no período analisado é incompatível com o seu faturamento anual declarado, indicando possível tentativa de sonegação fiscal”, atesta a Promotoria.
Segundo o relatório do Coaf, “não foram encontrados fundamentos econômicos ou legais para a movimentação financeira, podendo configurar a existência de indícios do crime de lavagem de dinheiro”.
Entre os acusados está o pregoeiro Jan Gonçalves Muniz Ferreira, irmão do candidato a prefeito de Ibirataia, Juca Muniz (Avante). Ele também foi denunciado, como líder da suposta organização e afastado do cargo pela Justiça - por ordem da juíza Leandra Leal Lopes, da Vara Criminal de Ipiaú. O Estadão busca contato com a defesa de Jan e dos outros citados pela Promotoria. (pepita.ortega@estadao.com)
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