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Opinião|Quem ganha com as emendas?

Custa acreditar que em 2024 ainda se fale de falta de transparência em gastos de recursos públicos. Para quem quiser se aventurar no Portal da Transparência do governo federal, ou no Portal do Senado ou da Câmara dos Deputados para tentar entender onde são aplicados recursos federais, boa sorte. Vai precisar

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convidado
Por Roberto Neves Pedrosa Di Cillo

Continua em pauta no noticiário nacional a discussão, no Supremo Tribunal Federal, a respeito de transparência no processo de destinação de recursos que são federais para bases eleitorais de parlamentares também federais.

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Há relato, também apurado pela imprensa, de que já aconteceu de esses recursos, via emendas, não serem destinados para a base que elegeu parlamentares federais, mas para outros estados.

E, antes que se busque desmerecer o levantamento feito pela imprensa sob a alegação de que a imprensa tem lado, teriam sido parlamentares de diversos espectros políticos.

Custa acreditar que em 2024 ainda se fale de falta de transparência em gastos de recursos públicos. Para quem quiser se aventurar no Portal da Transparência do governo federal, ou no Portal do Senado ou da Câmara dos Deputados para tentar entender onde são aplicados recursos federais, boa sorte. Vai precisar.

Talvez seja parcialmente possível construir uma base a partir das fotos de parlamentares em redes sociais. Prefeitos não vão deixar de agradecer parlamentares federais por verbas para a compra de ambulâncias, ônibus escolar, obras etc. Mas é o jeito difícil e potencialmente injusto de se fazer o controle desses gastos, que vão parar também nas mãos da iniciativa privada, escolhida com ou sem licitação, a depender de montantes e especificidades do gasto.

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A oportunidade para mau uso de recursos federais está aí. Naturalmente não é questão de condenar ninguém que esteja facilitando a liberação de verbas federais do lado do Legislativo Federal, nem prefeitos (ou mesmo governadores), nem pessoas do setor privado.

Mas 2024 é ano eleitoral. Essas verbas federais podem embaralhar o jogo político municipal em parte dos mais de 5.000 municípios brasileiros, para não falar de questões mais graves.

Do lado da iniciativa privada, difícil acreditar que vai haver uniformidade – em curto espaço de tempo – nos critérios e práticas para evitar que os recursos públicos recebidos sejam destinados à margem da legalidade.

Surpresas boas, se houver, serão bem-vindas. As más, claro que não. E o aparato de fiscalização e controle, seja de tribunais de contas, seja de Ministério Público, seja na esfera judicial e administrativa decisórias com relação aos gastos e seu descontrole, não tem como ser perfeito. E, surpresa, custa dinheiro. Muito dinheiro público. Evitar onerar ainda mais esse aparato seria ótimo para toda a população.

E a população, que papel tem ou pode ter? Além de escolher representantes eleitos melhores, a população, ou sociedade civil, até poderia fazer algo, sobretudo se houvesse um aparato de denúncias confiável e que protegesse denunciantes de boa-fé. E se houvesse uma educação moral e cívica, que não dá sinais de melhoria no Ideb recém-divulgado.

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É muito importante falar de educação. Crianças que viram jovens e depois adultos que não foram capacitados para distinguir o que é opinião do que é fato, o que é fato do que é mentira, podem oferecer muito pouco contra quem quiser fazer algo errado com dinheiro público.

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A probabilidade é muito maior, para quem não tiver sido capacitado, de entrar na onda dos ataques automáticos à tributação das blusinhas importadas, tributação essa que termina em parte nesses gastos de emendas que ninguém sabe exatamente nas mãos de quem vão parar.

É a mesma massa de manobra que também entra na onda dos ataques ao Poder Judiciário, que não está livre de críticas, porque ninguém está, mas no caso das emendas parlamentares, em que universo razoável transparência de gastos públicos de um ponto inicial até o final não é necessária?

Talvez não seja tão difícil de resolver a questão da falta de transparência. Mas tem que querer. Administrações estaduais e municipais deveriam reformular seus portais da transparência para incluir a destinação específica de cada emenda, mostrando por exemplo qual pessoa recebeu ou vai receber o que.

Há um atraso aí, claro, pois entre os recursos chegarem ao estado ou ao município e saírem para o destino há trâmites que precisam ser observados. Mas que tal fazer ainda que tardiamente, começando pelo que já foi, nos últimos anos?

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E nada, absolutamente nada, impede que parlamentares federais divulguem quem pediu (passado) e pede (presente) e vier a pedir (futuro) o quanto e para que. A destinação de recursos por emendas não surge do nada.

Talvez no próprio site do Senado e da Câmara uma aba possa ser incluída para deixar claro onde começou cada fluxo de destinação de recursos federais por direcionamento de parlamentares federais. E links podem ser incluídos tão logo a informação esteja disponível, inclusive empenhos, com nome de a quem deverá ser pago cada valor.

Inclusive do lado da iniciativa privada, a popularização de acesso à Internet deveria permitir que cada destinatário de recursos federais a partir de um valor de corte razoável (inclusive pela soma de valores menores, dentro de um período também razoável, por exemplo 12 meses) fosse proativo e incluísse a informação em seus próprios sites, com links para arquivos digitais, informações personalíssimas sem necessidade de publicidade.

No caso da iniciativa privada, ainda, pode haver quem se voluntarie para criar modelos de declarações a respeito da destinação de recursos, com efeito mais pedagógico e moral em princípio, por exemplo para que seja dito que os recursos não foram, no todo ou em parte oferecidos, solicitados ou entregues a agentes públicos ou a terceiros agindo em nome de agentes públicos.

E não precisa nem ser muito criativo para criar esses modelos de declarações. Linguagem artificial está aí, até de graça, para socorrer quem quiser fazer o prompt a partir das palavras-chave deste parágrafo. Só não se pode esquecer de não divulgar dados personalíssimos, como CPF, endereço residencial...

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Não é tão difícil assim. Mas os envolvidos e as envolvidas precisam querer.

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica

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Roberto Neves Pedrosa Di Cillo
Advogado, graduado pela Universidade de São Paulo, LLM pela University of Notre Dame, professor de pós-graduação, palestrante, autor de diversos artigos sobre temas de governança, Vice-Presidente das Comissões de Governança e Integridade e de Liberdade de Imprensa da OAB-SP. Foto: Inac/Divulgação
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