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Opinião|Quem semeia, colhe ingratidão

Visionário e empreendedor, quis prover o Brasil de mobilidade. E detectou que a dimensão continental desta nossa Pátria seria melhor atendida se, em lugar de estradas de rodagem, ela fosse dotada de ferrovias. Foi assim que se propôs a construir a Estrada de Ferro Santos a Jundiaí, depois denominada ‘São Paulo Railway’, uma das causas da falência de seu criador

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convidado
Por José Renato Nalini

A gratidão é uma das virtudes menos praticadas pelo bicho-homem. Que o digam aqueles que se preocuparam com fazer alguma coisa em benefício da comunidade. Colhem difamação, maledicência, os amargos frutos da inveja e da comparação entre eles e os que nada fazem, senão criticar e maldizer a vida.

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Um exemplo já esquecido, mas que deveria ser aqui lembrado, é o do patriótico cidadão Irineu Evangelista de Souza, nascido em Arroio Grande em 28.12.1813 e que ficou mais conhecido no Brasil como Visconde de Mauá.

Visionário e empreendedor, quis prover o Brasil de mobilidade. E detectou que a dimensão continental desta nossa Pátria seria melhor atendida se, em lugar de estradas de rodagem, ela fosse dotada de ferrovias. Foi assim que se propôs a construir a Estrada de Ferro Santos a Jundiaí, depois denominada “São Paulo Railway”, uma das causas do desastre financeiro e da falência de seu criador.

A Lei 838, de 12 de setembro de 1855, autorizara a construção dessa estrada. O decreto 1759, de 26 de abril de 1856 concedeu aos Marqueses de Monte Alegre, da família Costa Carvalho, e de São Vicente, o célebre Pimenta Bueno, além do Barão de Mauá, a concessão para explorar a ferrovia. O privilégio seria por 33 anos, com garantia de juros de 5% sobre o capital de dois mil contos de réis.

Já àquela altura, havia quem pensasse que o governo não tem condições de cuidar de tudo. Há coisas de que não pode abrir mão, mas o verdadeiro progresso deriva da iniciativa privada. Esta reúne competência e coragem para o enfrentamento das questões que a política impregna de interesses escusos e arremessa para as sombras da corrupção.

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Mauá é considerado o “herói do capitalismo” por Alberto de Faria e cedeu às instâncias de seus amigos, Costa Carvalho e Pimenta Bueno, para encetarem com ele a grande aventura. Mas a parte de leão na empreitada coube a Mauá. Ele financiou novos estudos para examinar a possibilidade de vencer a Serra de Cubatão, desafio que nenhum brasileiro enfrentaria. Esse levantamento ocupou mais de três anos dos engenheiros ingleses Roberto Miligan, D’Ordan, Fox, Brunlee, C.B. Lane e outros.

Imagine-se o que é planejar essa obra grandiosa que era “afunilar num despenhadeiro, a caminho do oceano, toda uma riqueza que ainda hoje mal começa a aparecer e ainda não está calculada”, diz Alberto de Faria no livro “Mauá”. O autor referia a imensa biodiversidade da Serra do Mar que, assim como os demais biomas tupiniquins, acaba sem ser inteiramente conhecida e adequadamente explorada.

Os contratempos começam. Por exigência de Penedo, então ministro na Inglaterra, Mauá é obrigado a pagar a Rotschild & Sons pela simples aposição de seus nomes nos prospectos, cerca de 20 mil libras. Isso faz com que a expectativa de ganho de Mauá se evapore para o bolso das finanças inglesas.

Em seguida, passados mais de seis anos na execução dos trabalhos, iniciados em 24.11.1860, os empreiteiros ingleses Roberto Sharp e Filhos requerem falência. Para salvar a estrada, Mauá subsidia os serviços, então paralisados pelos desabamentos na Serra em fins de 1864 e inícios de 1865, diante das chuvas torrenciais. Os empreiteiros haviam abandonado a obra, pois à beira da ruína.

Os ingleses não quiseram mais assumir o serviço. Não restava a Mauá senão concluir a estrada à sua custa. Mas o despeito dos incompetentes não perdoa quem faz. Começaram as lutas judiciais em vários tribunais do Brasil. Chicanas vergonhosas, encetadas pelos ingleses, submetem Mauá ao calvário que é recorrer à Justiça. E o Judiciário tupiniquim, sem preservar o princípio de que os processos devem correr no território em que acontecem os fatos que deram origem à causa, aceita a “declinatoria fori” e remete os processos para Londres.

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Lá foi Mauá, falido, alquebrado e decepcionado com os seus conterrâneos, para Londres. Esperava que a capital britânica, a terra do Bill of Rights, a campeã da democracia, fizesse valer os seus direitos. Outra amargura o aguardava. A dívida prescrevera. O mérito da questão não chegou a ser examinado. Essa atroz denegação do justo fez José Carlos Macedo Soares bradar: “A São Paulo Railway, em sua origem, só teve de inglesa o nome”. Ela deveria se chamar “Ferrovia Visconde de Mauá”.

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José Renato Nalini
Reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo. Foto: Daniel Teixeira/Estadão
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